Políticos brasileiros: investigação sobre quem contrata empresas para gabinete após doação de campanha (Adriano Machado/Reuters)
Agência Brasil
Publicado em 28 de julho de 2018 às 11h24.
Nas últimas eleições antes da proibição do financiamento empresarial de campanhas, 92 deputados e senadores receberam doações de pessoas físicas ou jurídicas que foram contratadas pelos mesmos parlamentares depois que eles foram eleitos. De acordo com levantamento da organização não governamental Dados.org, disponível até terça-feira (24) na plataforma Datascópio, os três congressistas que pagaram os maiores valores a doadores de campanha tiveram essas empresas e pessoas como os principais fornecedores de serviços a seus gabinetes.
O instrumento denominado Cruza Doadores tem o objetivo de averiguar quais parlamentares contrataram, durante o mandato, as mesmas empresas das quais receberam doações durante a campanha anterior. Para a pesquisa, foram consideradas quantias doadas durante a campanha de 2014 para deputado federal e senador. As contratações dizem respeito a valores efetivamente pagos durante os anos de mandato, após a posse dos parlamentares.
Professora de direito eleitoral e procuradora da República, Silvana Batini destacou que, embora não seja irregular, a conduta pode causar desconfianças no critério de contratação dos fornecedores. "O rastreamento direto disso hoje [com o fim do financiamento empresarial] está muito mais difícil. Então, por esse aspecto, se houver esses eventuais conflitos de interesses entre doadores e beneficiários, eles vão ficar mais difíceis de ser rastreados. Essa é a desvantagem", disse, lembrando que a doação de empresas foi proibida a partir das eleições de 2016.
O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) é o primeiro da lista. Ele recebeu R$ 10.834 do advogado Gilberto Piselo do Nascimento, que já era fornecedor do parlamentar desde as eleições de 2010. Ao todo, segundo a plataforma, Gilberto Piselo, que em 2014 foi eleito como suplente de Gurgacz, recebeu R$ 392.953 pelo aluguel de uma sala comercial em Ji-Paraná, segunda maior cidade de Rondônia.
Já o deputado Weliton Prado (PROS-MG) contratou a Sempre Editora após ter recebido doações da empresa. Nesse caso, porém, o financiamento para a campanha supera os valores que a editora recebeu pelas relações comerciais com o gabinete do parlamentar. A doação foi de R$ 416.212, e o contrato resultou em um pagamento total de R$ 223.850 até agora. Baseada em Minas Gerais, a editora também foi fornecedora de outros dez parlamentares do estado.
Deputado João Arruda - Gustavo Lima/Agência Câmara
Em terceiro lugar, vem o deputado João Arruda (MDB-PR). Durante a campanha, a empresa Cotrans Locação de Veículos LTDA doou para ele, em 2014, R$ 15.188. Depois, a empresa de locação recebeu do deputado R$ 102.200, em uma conta que leva em consideração os pagamentos mensais desde o período da posse.
Para Silvana Batini, com o fim do financiamento empresarial, que continuará proibido neste ano, os donos de empresas que pretendiam repassar "valores muito altos" para determinados candidatos enfrentarão mais dificuldades.
"Você pode pegar o valor [das doações que anteriormente vinham de um] CNPJ e pulverizar em vários CPFs. Isso é possível de acontecer e muito mais difícil de ser rastreado. Mas, quando você compara os valores que circularam por CNPJ nas últimas eleições, você vai ver que, para fazer com que aquela escala de valores circule por meio de pessoas físicas, é muito mais difícil. Então, mesmo quem pretende descumprir a lei vai ter mais trabalho", avaliou.
Segundo ela, devido às novas regras, que estipulam um teto para o repasse de dinheiro público às campanhas por meio do fundo eleitoral, as eleições tendem a ficar mais baratas. "E alguma coisa que fugir muito dessa média vai chamar atenção. A ideia genuína era essa: de que o financiamento por pessoa jurídica fosse substituído por um grande financiamento pulverizado, alimentado pela cidadania. É pouco tempo ainda para que essa ideia tenha amadurecido no eleitorado brasileiro. Mas é uma coisa que precisa ser construída", defendeu.
O senador Acir Gurgacz disse que os pagamentos ao seu suplente se referem ao aluguel de seu escritório político em Ji-Paraná. Segundo a assessoria do senador, o valor mensal era de R$ 5 mil até o ano passado, quando o preço foi reajustado, o que é "compatível e até inferior ao preço de mercado". Já a doação foi feita em valor estimado, referente aos serviços de Gilberto Piselo do Nascimento como advogado, que assinou a prestação de contas da campanha do parlamentar em 2014.
"Todas essas negociações e a prestação do serviço na campanha eleitoral foram realizadas de forma legal e transparente", informou o senador. À Agência Brasil, o suplente de Gurgacz, Gilberto Piselo, disse que o imóvel tem dois andares, salas e auditório e que os valores do aluguel ficaram congelados durante cinco anos. Segundo ele, a suplência não tem relação com o aluguel da sala comercial.
"É óbvio que [essa doação] está figurando no topo da lista do ranking porque eu fiz doação em um valor estimado de R$ 10 mil, e como recebo aluguel, é óbvio que ia dar [que recebi mais do que doei]. Um fato não tem nenhuma correlação com o outro. Nem fiz a doação esperando receber qualquer barganha, nem aluguei o prédio porque fiz alguma doação. Se este ano eu não doar nenhum centavo em valores estimados, por exemplo, o meu nome vai estar fora desse ranking", afirmou.
A assessoria do deputado Weliton Prado não respondeu aos questionamentos até o fechamento da reportagem. Contratada por ele e outros parlamentares mineiros, a empresa Sempre Editora não retornou às ligações da Agência Brasil.
O deputado João Arruda também negou ter atuado de forma a beneficiar a empresa Cotrans. Segundo ele, a doação recebida foi em valor "estimado, devidamente declarado e aprovado pela Justiça Eleitoral. "A relação entre meu mandato e a referida empresa é meramente comercial, por prestação de serviços, sendo ela paranaense e bem conceituada no setor", explicou.
A locadora Cotrans também negou existir relações diretas envolvendo as doações e posterior contratação. De acordo com o administrador financeiro da empresa, Daniel Leite, os serviços foram prestados diretamente à pessoa física de João Arruda, e não ao seu gabinete. "Todas as doações legalmente permitidas na época foram feitas sob a égide da legislação eleitoral e devidamente declaradas ao TRE [Tribunal Regional Eleitoral], independentemente de quem possa vir a ser nosso cliente no futuro", disse.
As informações foram obtidas pela Agência Brasil com base em informações que estavam à disposição da ONG Dados.org até o início desta semana. Na última quarta-feira (25), a consulta sobre o cruzamento desses dados foi retirada do ar temporariamente para alterações no método de consulta da plataforma.