(Edilson Rodrigues/Agência Senado/Agência Senado)
Repórter
Publicado em 13 de novembro de 2024 às 06h02.
Diante dos resultados da indústria brasileira entre janeiro e setembro deste ano, Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), diz não ter dúvida de que eles estejam diretamente relacionados ao programa Nova Indústria Brasil (NIB), a mais nova política industrial do país.
"Há vários instrumentos nessa política que retomaram o protagonismo da indústria para o crescimento econômico", diz o economista em entrevista à EXAME. "As empresas estão voltando a investir porque o nível de capacidade instalada no Brasil está em 84%, a taxa de investimento como proporção do PIB está batendo 18%. Estávamos em torno de 16%.",
Há, de fato, indicadores positivos para o governo se apoiar. Em setembro, a produção industrial aumentou 1,1% em relação a agosto, com destaque de 4,2% no setor de bens de capital. O crescimento do emprego no setor industrial contribuiu com uma alta de 3,2% na ocupação no último trimestre, segundo o IBGE. Houve ainda um aumento de 75% nas oportunidades de trabalho na indústria entre janeiro e setembro deste ano, conforme dados do Caged.
Mas economistas divergem do governo e creditam os dados do setor mais à conjuntura macroeconômica do país do que a NIB. De janeiro, quando foi lançada, até agora, a política precisou que ser aprimorada após pedidos do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e teve metade de suas missões previstas aplicadas. À EXAME, Moreira afirmou que a previsão é que as outras três sejam lançadas até o final do ano. O secretário também fez um balanço de onde espera que a política industrial chegue até 2033.
Essa política já vinha sendo desenhada pelo conselho antes do lançamento em janeiro, mas passou por um aprimoramento logo após a divulgação. Por que a mudança?
Em janeiro, houve a primeira apresentação da Nova indústria Brasil. E lá no dia trabalhávamos muito com conceito de metas aspiracionais. Estabelece-se uma meta ousada, mesmo que ela não seja plausível do ponto de vista concreto, para estimular os agentes públicos e privados a se empenharem ao máximo para chegar perto ou até mesmo ultrapassar essa meta. Se, muitas vezes, essa meta não for alcançada, é importante avaliar o efeito que chamamos de spillover na economia. No entanto, naquele momento, a imprensa fez críticas e o próprio presidente Lula pediu aprimoramentos. Assim, a partir de janeiro, houve um trabalho muito intenso entre todos os ministérios que compõem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) para aprimorar a política. Fizemos esse trabalho de aprimoramento das metas e também de maior foco na política industrial.
Até o momento somente três metas foram lançadas. Quais são os futuros passos da NIB?
Ficou determinado pelo presidente Lula, após esse aprimoramento, que as missões seriam relançadas de forma separada. Desde então, lançamos as missões 2, 3 e 4. Em primeiro lugar, trabalhamos com metas concretas e não mais aspiracionais. Em segundo lugar, criamos uma meta intermediária para 2026 e mantivemos as metas para 2033, mas de forma mais elaborada. Agora, a NIB tem metas para 2026 e 2033. Outro ponto foi detalhar dentro de cada missão o que de fato queremos desenvolver em termos de cadeias produtivas. Quando se fala em missão — por exemplo, complexo econômico-industrial da saúde, cadeias agroindustriais — há um universo de setores produtivos. Mas o que o Brasil de fato pode desenvolver? Onde temos potencialidades? Desenhamos, então, para cada missão três cadeias produtivas nas quais o Brasil tem grandes potenciais. No total, temos 18 cadeias produtivas, três para cada missão.
E como ficam as outras três missões?
Temos mais três missões para serem lançadas até o final de dezembro: a missão 1, da agroindústria; a missão 5, de transformação ecológica, e a missão 6, de tecnologias para soberania nacional — basicamente, indústria de base de defesa. Está no deadline para o lançamento dessas três é até o final de dezembro, mas depende da agenda do presidente Lula e dos ministros. Nas reuniões do CNDI, têm que estar presentes 21 ministros e 21 representantes da sociedade civil, e o presidente Lula. Não é fácil reunir todo mundo dessa forma.
Em setembro, a produção industrial aumentou 1,1% em relação a agosto e, segundo o CAGED, houve um aumento de 75% nas oportunidades de trabalho na indústria entre janeiro e setembro desse ano. Como vê esses resultados?
No acumulado do ano, o crescimento foi de 3,1% e, em comparação com o ano passado, foi de 3,4%. Outro ponto importante é que, se olharmos quem puxou o crescimento, foi o setor de bens de capital, que cresceu 7,5% no acumulado do ano, e bens de consumo duráveis, que aumentaram 8,6%. Se comparado com o ano passado, bens de capital cresceram 13,6% e bens de consumo duráveis, 10,4%. Esses indicadores são importantes porque estão vinculados a programas criados pelo governo, como a depreciação acelerada para estimular a renovação de máquinas e equipamentos; a Lei de Informática e o programa Brasil Semicondutores; o regime especial da indústria química; o programa de Mobilidade Verde Inovação (Mover); o Plano Mais Condução, com várias linhas de crédito, totalizando R$ 66 bilhões, e o próprio programa do governo do presidente Lula de valorização do salário mínimo acima da inflação e de isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até dois salários mínimos, fortalecendo o mercado interno.
Como isso se deu na prática?
As pessoas voltaram a consumir linha branca, eletroeletrônicos e automóveis. Tanto é que a produção e a venda de automóveis estão crescendo, assim como a produção de eletroeletrônicos e linha branca. O setor de máquinas e equipamentos está vendo uma demanda aquecida. As empresas estão voltando a investir, pois o nível de utilização da capacidade instalada no Brasil está em 84%, e a taxa de investimento como proporção do PIB está batendo 18%, quando estávamos em torno de 16%. Os programas que o governo está criando estão ajudando a retomar o crescimento do mercado interno. No ano passado, o crescimento foi de 2,9%, quando se esperava 1%, e este ano a expectativa é de 3,2% ou 3,3%, quando se esperava apenas 0,9%. Esse mercado interno aquecido, junto com os programas criados pelo governo e com a volta dos bancos públicos financiando a indústria — veja que o BNDES divulgou recentemente que o financiamento para a indústria ultrapassou o financiamento para o agronegócio.
O senhor atribui isso à NIB?
Não tenho dúvida. Há vários instrumentos de políticas que retomaram o protagonismo da indústria para o crescimento econômico. Um estudo do IEDI mostrou que todos os setores de alta e média tecnologia cresceram — e foi um crescimento homogêneo em todos os setores. Isso é muito importante, pois mostra que a indústria brasileira está retomando o seu crescimento. Esse é o primeiro grande desafio: retomar o crescimento industrial. Tanto é que, no ranking internacional de produção manufatureira, o Brasil subiu 30 posições devido a esse crescimento. O desafio agora é mantê-lo e, ao mesmo tempo, manter o investimento para transformar tecnologicamente a estrutura produtiva brasileira. Isso significa que não depende apenas do governo, depende de um fator extremamente importante: os juros.
Há economistas, porém, que veem os resultados da indústria como um efeito da conjuntura econômica do país e não da política industrial, que pode levar décadas para dar resultados. Eles também criticam que não há o devido monitoramento para acompanhar os impactos da NIB hoje e atribuir esses resultados.
O teto de gastos também não tinha monitoramento e os analistas o elogiavam. Além disso, é um equívoco afirmar que a política não tem monitoramento. No site do BNDES tem o Plano Mais Produção, com distribuição de recursos e várias informações. Estamos, agora, construindo internamente com o governo um sistema de monitoramento para apresentar dados. Essas pessoas, com muito respeito, precisam se informar melhor. Como podem afirmar que esses programas não estão gerando investimentos, quando o setor automotivo diz que investiu R$ 130 bilhões devido ao Mover, ou quando outros setores dizem que investirão R$ 20 bilhões devido ao marco da Lei de Hidrogênio Verde? O Brasil Mais Produtivo já está com mais de 30 mil empresas atendidas.
Mas os resultados de política industrial são imediatos?
A política industrial tem um processo de maturação. Investimentos anunciados e realizados maturam ao longo do tempo. É o início, um ponto de partida para alcançar os resultados. Esperamos, e é nosso objetivo, que a política industrial seja institucionalizada como política de Estado, para que, por exemplo, o Brasil Semicon, o programa de semicondutores, dure por muitos anos e o processo de investimento no setor, que tem um ciclo médio de maturação de 20 a 25 anos, aconteça no Brasil.
E como garantir que a NIB se torne uma política de Estado?
Basta um governo com o mínimo de responsabilidade e compromisso com a nação, com a soberania, com a geração de emprego de alta qualificação e renda. Qualquer pessoa que tenha compromisso com isso manterá a política industrial, com ajustes, obviamente, que podem e devem ocorrer, mas esse arcabouço é fundamental. Ao contrário do que os analistas dizem, temos uma meta para 2026 para avaliarmos as metas de 2033. Mas precisamos corrigir algumas rotas; política pública é tentativa e erro. A política pública não é feita em um laboratório químico, mas com a sociedade, dentro da sociedade. O cenário macroeconômico internacional muda, e precisamos ajustar a política industrial de inovação.
E como ficam as metas para 2033, caso outro governo assuma?
Se um novo governo assumir em 2027, após vencer as eleições de 2026, e olhar para esses resultados e quiser, de fato, que o Brasil seja uma nação industrializada, com a indústria tecnologicamente forte, manterá essas políticas industriais. Como foi, por exemplo, com o Plano Safra. Alguém teria coragem de acabar com ele? Não, e foi uma política criada pelo governo Lula. Deu resultado, então esperamos que o próximo governo também mantenha a NIB.
Esses resultados que o senhor já atribui à nova política industrial eram esperados? Quais as expectativas do governo a curto prazo?
Não, para nós foi uma surpresa, sendo bem sincero. É um conjunto de fatores, mas que não é resultado de sorte ou algo fortuito, porque as políticas foram construídas. A reforma tributária é uma das maiores entregas desse governo para o setor produtivo, porque a indústria é altamente tributada com a participação no PIB alto e paga muito imposto enquanto outros setores pagam pouco imposto e contribuem muito menos para o crescimento econômico. O PAC tem R$ 1,7 trilhão para investimento público privado. Com todas essas políticas, esperávamos, sim, resultados, mas não nessa proporção.
Apesar do aprimoramento, ainda há críticas sobre o número de missões. Elas são consideradas muito amplas e contestadas por não focarem na chamada indústria verde, o termo ainda é vago nos planos do governo.
A perspectiva de missão — e sugiro ler a [economista] Mariana Mazzucato — é que a política industrial tem como finalidade atender aos anseios da sociedade, respondendo a uma problemática que surge nela. Quando trabalhamos com a perspectiva de missão e com foco em cadeias produtivas, reunimos elementos estratégicos para transformar a política industrial, não em algo capturado pelo setor privado, mas em uma política que atende à sociedade. Quando lançarmos a Missão 5, garanto que haverá um foco maior [em indústria verde]. Haverá programas específicos, como o Mover, o de hidrogênio de baixo carbono, o de mercado de carbono e o PL do Combustível do Futuro, que darão foco às potencialidades do Brasil em desenvolver essa cadeia produtiva.
E quais são os desafios para a neoindustrialização do Brasil?
Nosso desafio é adensar as cadeias produtivas que estamos apresentando, criar um cenário favorável, manter as políticas industriais e garantir que esse crescimento seja constante. Mas, para isso, é fundamental que tenhamos uma política de juros racional.