Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, onde ocorreu o massacre, em foto de 1992: policiais se dizem inocentes e insistem na tese de que houve confronto entre policiais e presos no dia do massacre (Antonio Milena / VEJA)
Da Redação
Publicado em 1 de agosto de 2013 às 17h43.
São Paulo – O julgamento do Massacre do Carandiru prossegue na tarde de hoje (1) com o depoimento do tenente-coronel Salvador Modesto Madia que, no ano do massacre, em 1992, era tenente das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Madia é um dos 25 policiais militares que são acusados pela morte de 73 detentos que ocupavam o terceiro pavimento (ou segundo andar) do Pavilhão 9 do Carandiru.
Durante uma hora e meia, Madia foi interrogado pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo. Neste momento, ele é interrogado pelos promotores e ainda falta ele ser inquirido pela advogada que o defende, Ieda Ribeiro de Souza. Os policiais se dizem inocentes e insistem na tese de que houve confronto entre policiais e presos no dia do massacre. A defesa também alega que não é possível individualizar as condutas dos policiais, ou seja, dizer qual policial matou quais ou quantos presos.
Durante o depoimento, Madia negou que ele ou a sua tropa sejam responsáveis pelas mortes dos detentos. “Sei que nós não fizemos [não matamos]”, disse ele. ”Não admito desvio de conduta. Se tivesse ocorrido isso [no dia do massacre], eu prenderia [o policial] por desvio de conduta naquele exato momento”, falou. “Passados 21 anos, queria que o senhor falasse em quem eu dei um tiro”, disse, se dirigindo ao juiz.
Madia comandou a Rota entre novembro de 2011 e setembro de 2012 e foi afastado pelo governo, que alegou que a mudança era rotineira.
Segundo Madia, a ação no Carandiru, no dia 2 de outubro de 1992, foi “a maior adrenalina que já passou em vida”. “Naquela noite, no quartel [após a ação no presídio], estava um clima tenso. Nunca tínhamos vivido uma situação como essa”, disse. “Pensa que eu voltei para casa [naquele dia] feliz? Ou que eu tomei um copo de sangue? Dizem que nós [policiais] perseguimos pretos e pobres, mas olhe para eles [ele aponta para os policiais no plenário, que também são réus, alguns deles negros], que se aposentam com R$ 2,7 mil por mês”, falou, em tom exaltado.
Quando o juiz perguntou a Madia quem, então, matou os detentos, pois 111 foram mortos naquele dia no Carandiru, o tenente-coronel respondeu: “Não fui eu e não foram os meus homens”. O juiz ainda lhe perguntou se policiais militares mataram os detentos e ele se limitou a dizer: “Não sei”.
Sobre a ação policial, o tenente-coronel contou que não tinha conhecimento sobre a planta do pavimento que iria invadir, mas havia um plano de invasão, reconheceu. Após um prévio planejamento, ficou estabelecido que a equipe que ele comandava iria para o terceiro pavimento (segundo andar). Enquanto subia as escadas para o segundo andar, ele contou ter ouvido muito barulho vindo dos presos. “Quanto mais subia, mais o barulho e os estampidos iam aumentando. E aumentando muito”. "Aí já deu para sentir que a tropa começou a disparar", disse.
Madia é o quinto policial militar a ser ouvido nesta segunda etapa do julgamento do Carandiru. Ontem (1), em 15 horas de depoimentos, foram ouvidos o major Marcelo Gonzales Marques, o tenente-coronel Carlos Alberto Santos e o ex-capitão Valter Alves Mendonça. O último a ser ouvido foi o tenente Edson Pereira Campos, que disse que segurava um dos escudos de amianto para proteger a tropa no momento da invasão. "Meu escudo foi atingido por um projétil, mas o equipamento evitou que os PMs fossem atingidos”, disse. Outros 18 policiais usaram o direito estabelecido pela Constituição e se mantiveram em silêncio. Dois policiais que também são acusados e estão sendo julgados, apresentaram atestado médico e não participam presencialmente do julgamento.
Após o depoimento de Madia, o julgamento prosseguirá com a leitura de peças e exibição de dois vídeos. Amanhã (2) estão previstos os debates entre a defesa e os promotores. Em seguida, os sete jurados irão se reunir para decidir se condenam ou absolvem os policiais.
Toda a ação para reprimir a rebelião no Carandiru, em 1992, resultou em 111 detentos mortos e 87 feridos. O episódio é considerado como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro. Na primeira etapa do julgamento do Carandiru, que foi desmembrado em quatro etapas, 23 policiais militares, todos da Rota, foram condenados pela morte de 13 detentos, ocorrida no segundo pavimento.