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Policiais "ficaram de deboche", diz mulher de músico morto em carro

Delegado afirmou que indícios apontam que militares confundiram carro da família com de bandidos

Luciana Nogueira: viúva do músico denuncia atuação da polícia no caso (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Luciana Nogueira: viúva do músico denuncia atuação da polícia no caso (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 8 de abril de 2019 às 16h07.

Última atualização em 9 de abril de 2019 às 07h24.

Rio de Janeiro - A mulher do músico Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos, morto na tarde de domingo, 7, quando o carro da família foi metralhado por militares do Exército no Rio, esteve no início da tarde desta segunda-feira, 8, no Instituto Médico Legal (IML) para reconhecer o corpo do marido. Luciana Nogueira, de 41 anos, técnica de enfermagem, também estava no carro que foi metralhado, juntamente com o padrasto, que ficou ferido, o filho de 7 anos e uma amiga.

Luciana chegou ao IML amparada por parentes e amigos. Ela contou que não teve ainda coragem de contar ao filho que o pai morreu. E disse apenas que ele está no hospital.

"Por que o quartel fez isso, meu Deus?", questionou ela, muito emocionada. "Os vizinhos começaram a socorrer (o meu marido), mas eles continuaram atirando. Eu botei a mão na cabeça, pedi socorro, disse pra eles que era meu marido, mas eles não fizeram nada, ficaram de deboche."

Luciana contou que estava casada com Evaldo há 27 anos. "Eu perdi o meu marido, o meu melhor amigo", disse aos prantos.

Ela diz ter ficado com medo de militares plantarem alguma coisa no veículo. "Não deixei chegar perto do carro para não botar nada lá", afirmou. "Falei pra eles que não desejo nada de ruim para a família deles, mas que vão ter que pagar. A Justiça aqui é uma m., mas eu vou correr atrás, eles precisam ser punidos."

A amiga de Luciana que estava no banco de trás do carro, Michelle da Silva Leite Neves, de 39 anos, também técnica de enfermagem, disse que não havia nada acontecendo naquele local, nem blitz nem arrastão. E que os militares não tentaram parar o carro ou conversar, simplesmente começaram a disparar contra o veículo.

A família ia para um chá de bebê quando o carro foi interceptado por militares e alvejado. Um transeunte que passava no local e tentou ajudar a família também foi alvejado.

"Eu vi os militares, mas eu não ia imaginar que eles iam atirar em nós", confirmou Luciana.

Michelle contou que depois que Evaldo caiu sobre o volante, o padrasto de Luciana, Sérgio, que ia no banco do carona, conseguiu segurar o volante e parar o carro. Mesmo assim, disseram as duas, os tiros continuaram. As mulheres, que estavam no banco de trás com a criança de 7 anos, saíram de dentro do carro e se abrigaram na casa de uma vizinha. Só saíram de lá quando os tiros cessaram.

Investigação

O carro atingido teria sido confundido com o de bandidos que estavam agindo nas proximidades do Piscinão de Ramos, em Guadalupe, na zona norte do Rio. Militares do Exército dispararam nada menos que 80 vezes contra o veículo, matando Evaldo, o sogro do músico também foi ferido, mas se recupera bem. Outras três pessoas que estavam no carro não se feriram.

O delegado Leonardo Salgado da Delegacia de Homicídios, que está investigando o caso, afirmou em entrevista à TV Globo que, "tudo indica" que os militares confundiram o carro da família com o de assaltantes.

"Foram diversos, diversos disparos de arma de fogo efetuados e tudo indica que os militares realmente confundiram o veículo com o carro de bandidos. Mas neste veículo estava uma família", contou Salgado. "Não foi encontrada nenhuma arma (no carro). Tudo que foi apurado era que realmente era uma família normal, de bem, que acabou sendo vítima dos militares."

Em nota divulgada ainda no domingo, o Comando Militar do Leste (CML) informou que os militares teriam se deparado com um assalto em andamento e que os criminosos, que estariam dentro do carro, teriam aberto fogo. Os militares explicaram que a região é muito próxima da Vila Militar e, por isso, dentro do perímetro de atuação do Exército. Mas o uso da força só pode ocorrer "de acordo com as normas do engajamento".

Mais tarde, no entanto, o CML enviou outra nota em que informava que já estava em andamento "uma apuração preliminar da dinâmica dos fatos ocorridos" e que já tinham começado a ser coletados "os depoimentos de todos os militares envolvidos e de todas as testemunhas civis na Delegacia de Polícia Judiciária Militar". O comunicado informou também que toda a investigação estaria sendo supervisionada pelo Ministério Público Militar.

Ainda em entrevista à TV Globo, o delegado reclamou do fato de os militares não terem prestado depoimento à polícia civil.

"Não vejo legítima defesa", disse o delegado sobre o fuzilamento do carro. "Pela quantidade de tiros, tudo aponta para prisão em flagrante."

A deputada estadual Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), afirmou há pouco que pretende entrar no Ministério Público Federal com uma representação pedindo à instituição que investigue a morte de Evaldo Rosa dos Santos, de 51 anos.

"Precisamos entender o que houve", afirmou Renata Souza. "O que significa 80 tiros em um carro numa tarde de domingo na zona norte?"

A deputada lembrou que na última sexta-feira, Christian Felipe Santana de Almeida Alves, de 19 anos, foi morto por militares do Exército durante blitz na Estrada Pedro de Alcântara, em Realengo, na zona oeste. Ele estava na garupa da moto pilotada por um amigo de 17 anos. O Comando Militar do Leste informou, na ocasião, que os jovens não obedeceram à ordem de parada e furaram o bloqueio. A família contesta a versão.

"Não é o primeiro incidente", afirmou Renata Souza. "Na semana passada um jovem foi assassinado pelas costas. É preciso saber se já estamos vivendo a política do abate"

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