Jungmann: ex-ministro defende uma atuação integrada com outros países para o combate ao tráfico de drogas
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 22 de novembro de 2025 às 06h00.
O embate e a disputa pelo protagonismo entre o governo, a oposição e o Centrão envenena e sabota o combate ao crime organizado. Essa é avaliação de Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública durante o governo Michel Temer.
“Estão envenenando essa discussão. Era para ser uma discussão técnica e de interesse de todos os brasileiros e brasileiras — de direita, de esquerda, de centro. E está sendo simplesmente sabotada“, diz em entrevista à EXAME.
Na votação do PL Antifacção, o governo e o relator do projeto, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), discordaram de trechos do projeto e protagonizaram embates públicos. No fim, o governo foi derrotado com a previsão na matéria da divisão de recursos de bens apreendidos entre a Polícia Federal (PF) e os governos estaduais.
Jungmann aponta que a discussão é um "desastre" após a megaoperação no Rio de Janeiro e foi capturada pela disputa eleitoral do próximo ano.
“Atualmente, a discussão é um desastre para esse tema que os brasileiros precisam ver, efetivamente ou infra-constitucionalmente, respostas que tragam mais segurança e menos violência”, diz.
O único titular de uma pasta dedicada da Segurança Pública da história do Brasil, o ex-ministro reforça que a saída para a luta contra o crime passa pela coordenação federal, em defesa da PEC da Segurança Pública.
“Não há nenhuma capacidade de enforcement do governo federal sobre Estados e Municípios. Enquanto isso não existir, enquanto não tiver normas objetivas para a coordenação, atuação conjunta, inteligência, estabelecimento de currículos básicos, corregedorias eficientes, não tem jogo. Não tem jogo na segurança pública“, afirma.
Jungmann comenta ainda sobre a operação no Rio, quais exemplos internacionais o Brasil deve observar e a necessidade do combate ao tráfico de droga de forma coordenada com os vizinhos da América do Sul.
O que realmente, na sua opinião, pode solucionar o problema da criminalidade e da violência no Brasil? Mais inteligência? Mais ações como as que aconteceram no Rio?
A questão principal da segurança pública brasileira é que o governo federal não faz parte das ações contra a violência e a favor da segurança pública. Nenhuma das nossas sete Constituições, até hoje, contemplou esse mandamento. Essa autoridade do governo federal no que diz respeito à segurança pública. Se tivermos uma coordenação eficiente de União, Estados e Municípios, então a questão da inteligência, sem sombra de dúvida, vai assumir o seu papel. E também nós teremos operações que são necessárias, mas com menor letalidade. Porque o que aconteceu no Rio de Janeiro, sem sombra de dúvida, excede todo e qualquer critério que possa se considerar de uso da força de forma razoável.
Como o senhor vê as propostas em discussão no Congresso para combater o crime organizado e a violência no país? Temos a PEC, que está parada, e o projeto Antifacção, que está de idas e vindas.
Eu fui ministro da Segurança Pública, único em 300 anos do Brasil independente. Se eu ligasse para um secretário de segurança pública de qualquer estado e dissesse para ele que a prioridade nos próximos seis meses era o feminicídio, ele desligava o telefone, fazia o que queria e bem entendia. Não há nenhuma capacidade de enforcement do governo federal sobre Estados e Municípios. Enquanto isso não existir, enquanto não tiver normas objetivas para a coordenação, atuação conjunta, inteligência, estabelecimento de currículos básicos, corregedorias eficientes, não tem jogo. Não tem jogo na segurança pública. Quanto à lei antifacção, ela é muito bem-vinda e já devia ter vindo antes. Porque é fundamental para ter o enfrentamento do crime organizado e também para a recuperação de territórios, que é uma das principais questões que nós temos que enfrentar.
O senhor acredita que a polarização e a disputa eleitoral atrapalham a busca pela resolução do problema?
Mais do que isso. Estão envenenando essa discussão. Era para ser uma discussão técnica e de interesse de todos os brasileiros e brasileiras — de direita, de esquerda, de centro —, está sendo simplesmente sabotada. Está sendo simplesmente capturada por uma discussão eleitoral que deveria se dar em 2026, quando são as eleições gerais no Brasil. Atualmente, a discussão é um desastre para esse tema que os brasileiros precisam ver, efetivamente ou infra-constitucionalmente, respostas que tragam mais segurança e menos violência.
Que medidas executadas por outros países podem servir de exemplo para o Brasil?
Os modelos que possam significar maior eficácia no combate ao crime — seja dos que são desenvolvidos na Itália, nos Estados Unidos, na Inglaterra, por exemplo — eles são todos bem-vindos. Nós já sabemos quais são eles. Sabemos, por exemplo, que a cela dura é muito importante para conseguir reprimir os mafiosos na Itália. Sabemos também que é muito importante que quando o bandido ligado a uma facção criminosa é atendido por um advogado, tudo isso será registrado. E, se um juiz assim o permitir, por entender necessário, esse conteúdo poderá ser acessado pelas forças policiais. São dois pequenos exemplos que podem nos dar o que é possível e necessário fazer para combater o crime organizado.
O senhor acredita que é necessária uma articulação continental para o combate ao tráfico de drogas?
Sim, sem a menor sombra de dúvida. Porque a questão das drogas é seguramente transnacionalizada, não é nacionalizada. Se olhar, por exemplo, o que acontece na fronteira do Brasil, nós temos quatro dos principais produtores de droga do mundo. Temos Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia — sem falar na Venezuela. Em boa hora, a Polícia Federal criou uma coordenação política de todos os países que estão na bacia amazônica. Esperamos que esse exemplo seja muito frutífero e que seja multiplicado. Não há como enfrentar a questão das drogas e o crime transnacional sem haver articulação e capacidade de enfrentamento de todos os países onde esse flagelo se instala.