Brasil

Polarização envenena e sabota discussão sobre segurança, diz ex-ministro

Jungmann aponta que a discussão é um "desastre" após a megaoperação no Rio de Janeiro, e que foi capturada pela disputa eleitoral do próximo ano

Jungmann: ex-ministro defende uma atuação integrada com outros países para o combate ao tráfico de drogas

Jungmann: ex-ministro defende uma atuação integrada com outros países para o combate ao tráfico de drogas

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 22 de novembro de 2025 às 06h00.

O embate e a disputa pelo protagonismo entre o governo, a oposição e o Centrão envenena e sabota o combate ao crime organizado. Essa é avaliação de Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública durante o governo Michel Temer.

“Estão envenenando essa discussão. Era para ser uma discussão técnica e de interesse de todos os brasileiros e brasileiras — de direita, de esquerda, de centro. E está sendo simplesmente sabotada“, diz em entrevista à EXAME.

Na votação do PL Antifacção, o governo e o relator do projeto, o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), discordaram de trechos do projeto e protagonizaram embates públicos. No fim, o governo foi derrotado com a previsão na matéria da divisão de recursos de bens apreendidos entre a Polícia Federal (PF) e os governos estaduais. 

Jungmann aponta que a discussão é um "desastre" após a megaoperação no Rio de Janeiro e foi capturada pela disputa eleitoral do próximo ano.

“Atualmente, a discussão é um desastre para esse tema que os brasileiros precisam ver, efetivamente ou infra-constitucionalmente, respostas que tragam mais segurança e menos violência”, diz.

O único titular de uma pasta dedicada da Segurança Pública da história do Brasil, o ex-ministro reforça que a saída para a luta contra o crime passa pela coordenação federal, em defesa da PEC da Segurança Pública.

“Não há nenhuma capacidade de enforcement do governo federal sobre Estados e Municípios. Enquanto isso não existir, enquanto não tiver normas objetivas para a coordenação, atuação conjunta, inteligência, estabelecimento de currículos básicos, corregedorias eficientes, não tem jogo. Não tem jogo na segurança pública“, afirma.

Jungmann comenta ainda sobre a operação no Rio, quais exemplos internacionais o Brasil deve observar e a necessidade do combate ao tráfico de droga de forma coordenada com os vizinhos da América do Sul.

Leia a entrevista completa:

O que realmente, na sua opinião, pode solucionar o problema da criminalidade e da violência no Brasil? Mais inteligência? Mais ações como as que aconteceram no Rio?

A questão principal da segurança pública brasileira é que o governo federal não faz parte das ações contra a violência e a favor da segurança pública. Nenhuma das nossas sete Constituições, até hoje, contemplou esse mandamento. Essa autoridade do governo federal no que diz respeito à segurança pública. Se tivermos uma coordenação eficiente de União, Estados e Municípios, então a questão da inteligência, sem sombra de dúvida, vai assumir o seu papel. E também nós teremos operações que são necessárias, mas com menor letalidade. Porque o que aconteceu no Rio de Janeiro, sem sombra de dúvida, excede todo e qualquer critério que possa se considerar de uso da força de forma razoável.

Como o senhor vê as propostas em discussão no Congresso para combater o crime organizado e a violência no país? Temos a PEC, que está parada, e o projeto Antifacção, que está de idas e vindas.

Eu fui ministro da Segurança Pública, único em 300 anos do Brasil independente. Se eu ligasse para um secretário de segurança pública de qualquer estado e dissesse para ele que a prioridade nos próximos seis meses era o feminicídio, ele desligava o telefone, fazia o que queria e bem entendia. Não há nenhuma capacidade de enforcement do governo federal sobre Estados e Municípios. Enquanto isso não existir, enquanto não tiver normas objetivas para a coordenação, atuação conjunta, inteligência, estabelecimento de currículos básicos, corregedorias eficientes, não tem jogo. Não tem jogo na segurança pública. Quanto à lei antifacção, ela é muito bem-vinda e já devia ter vindo antes. Porque é fundamental para ter o enfrentamento do crime organizado e também para a recuperação de territórios, que é uma das principais questões que nós temos que enfrentar.

O senhor acredita que a polarização e a disputa eleitoral atrapalham a busca pela resolução do problema?

Mais do que isso. Estão envenenando essa discussão. Era para ser uma discussão técnica e de interesse de todos os brasileiros e brasileiras — de direita, de esquerda, de centro —, está sendo simplesmente sabotada. Está sendo simplesmente capturada por uma discussão eleitoral que deveria se dar em 2026, quando são as eleições gerais no Brasil. Atualmente, a discussão é um desastre para esse tema que os brasileiros precisam ver, efetivamente ou infra-constitucionalmente, respostas que tragam mais segurança e menos violência.

Que medidas executadas por outros países podem servir de exemplo para o Brasil?

Os modelos que possam significar maior eficácia no combate ao crime — seja dos que são desenvolvidos na Itália, nos Estados Unidos, na Inglaterra, por exemplo — eles são todos bem-vindos. Nós já sabemos quais são eles. Sabemos, por exemplo, que a cela dura é muito importante para conseguir reprimir os mafiosos na Itália. Sabemos também que é muito importante que quando o bandido ligado a uma facção criminosa é atendido por um advogado, tudo isso será registrado. E, se um juiz assim o permitir, por entender necessário, esse conteúdo poderá ser acessado pelas forças policiais. São dois pequenos exemplos que podem nos dar o que é possível e necessário fazer para combater o crime organizado.

O senhor acredita que é necessária uma articulação continental para o combate ao tráfico de drogas?

Sim, sem a menor sombra de dúvida. Porque a questão das drogas é seguramente transnacionalizada, não é nacionalizada. Se olhar, por exemplo, o que acontece na fronteira do Brasil, nós temos quatro dos principais produtores de droga do mundo. Temos Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia — sem falar na Venezuela. Em boa hora, a Polícia Federal criou uma coordenação política de todos os países que estão na bacia amazônica. Esperamos que esse exemplo seja muito frutífero e que seja multiplicado. Não há como enfrentar a questão das drogas e o crime transnacional sem haver articulação e capacidade de enfrentamento de todos os países onde esse flagelo se instala.

Acompanhe tudo sobre:Segurança públicaGoverno LulaCâmara dos DeputadosCongressoCrime

Mais de Brasil

Ministro da Educação afirma que Enem não será cancelado após suposto vazamento de questões

Moraes decreta prisão preventiva de Ramagem

Inmet emite alerta laranja para chuvas intensas em 12 estados; veja a previsão

Anvisa veta 5 canetas emagrecedoras irregulares no país; saiba quais são