(Pablo Valadares/Agência Câmara)
Agência de notícias
Publicado em 17 de junho de 2024 às 17h38.
Última atualização em 17 de junho de 2024 às 19h04.
Os 81 membros do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) votaram a favor de um parecer técnico-jurídico que avalia pela inconstitucionalidade do projeto de lei (PL) que equipara o aborto acima de 22ª semana ao crime de homicídio. O documento foi elaborado por uma comissão formada somente por mulheres e apresentado durante a sessão desta segunda-feira.
O presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, afirmou que o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, se comprometeu a ouvir a entidade a respeito do PL.
“Acabo de receber um comunicado do presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, ciente do papel que a Ordem exerce na sociedade brasileira, nos reconhecendo como timoneiros da sociedade civil, estará pronto para receber o resultado da votação, obviamente que comporá o relatório aqui a ser debatido, e disposto está a construir a solução para esse PL ouvindo a OAB. Essa é a importância do diálogo honesto, frontal, que a Ordem tem mantido com os Poderes ao longo do tempo”, disse Simonetti, na abertura da sessão.
O Projeto de Lei nº 1.904/2024 fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo para o aborto legal. No Brasil, o aborto é permitido por lei em casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto).
“Todo o avanço histórico consagrado por meio de anos e anos de pleitos, postulações e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”, destacam as advogadas, no parecer.
A comissão da OAB pondera que a criminalização da interrupção da gestação acima de 22ª semana, nos casos excluídos atualmente pela legislação, incidirá de forma absolutamente atroz sobre a população mais vulnerabilizada, incluindo pretas, pobres, de baixa escolaridade, perfil onde também incide o maior índice de adolescentes grávidas.
“O aspecto da desigualdade social, educacional e racial não pode ser invisibilizado pelo PL. O princípio da proporcionalidade, também conhecido como princípio da adequação dos meios aos fins, utilizado para resolver a colisão de princípios jurídicos, impõe às iniciativas legislativas a adequação, a observância dos desnivelamentos existentes. É evidente que o meio utilizado pelo PL para coibir o aborto no Brasil não se encontra em razoabilidade com o fim perseguido, quando nos deparamos com dados como esse da retromencionada pesquisa ou quando, por exemplo, resta diagnosticado que a continuidade da gravidez representa risco iminente à vida da gestante, à sua saúde física e mental.”
O grupo frisa ainda que, quando uma criança ou mulher violentada sexualmente não consegue acesso à rede pública de Saúde, sendo obrigada a levar a gestação indesejada adiante ou praticar a interrupção insegura, colocando em risco sua vida, resta comprovado que falhou o Estado e a sociedade. Por isso, programas preventivos devem ser implementados e aprimorados constantemente para que se possa fazer cumprir os princípios constitucionais.
O documento aponta que a Constituição Federal institui como um dos princípios fundantes do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, além da não discriminação, do direito à vida, da liberdade e da igualdade.
“De plano, não é o que se vislumbra no texto de lei proposto, eis que a possibilidade de criminalização de meninas e mulheres que realizem o aborto após 22ª semana de gestação, em especial no caso de estupro, com o crime equiparado ao homicídio, cuja pena é de até 20 anos de reclusão, está em absoluto descompasso com realidade social atual do Brasil. (…) Em verdade, se revela uma medida atroz, degradante, retrógrada e persecutória às meninas e mulheres, semelhante àquelas adotadas nos séculos 17 e 18, onde mulheres eram queimadas em fogueiras por serem consideradas bruxas”, diz a comissão, no parecer.