Seca no Nordeste: população da região é afetada pela falta de água (Chico Audi/Amigos do Bem/Divulgação)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 23 de dezembro de 2023 às 08h01.
Última atualização em 23 de dezembro de 2023 às 21h17.
"Nós passamos sede. Tem dia que não tem nem um pingo de água para beber". A fala é de Iraide Maurício da Silva, de 27 anos, mãe de quatro filhos e moradora do povoado de Cabelo Duro, em Buíque, no sertão de Pernambuco, em relato em vídeo enviado à EXAME sobre uma das piores secas dos últimos 40 anos na região.
Iraide afirma ainda que a falta de água impossibilita o básico, como cozinhar ou dar banho nas crianças. "Falta água para beber e cozinhar. Passamos dificuldade porque não tenho dinheiro para comprar água. Eu vou pegar balde de água na cabeça", diz.
A moradora do sertão de Pernambuco é uma das mais de 150.000 pessoas atendidas mensalmente pela ONG Amigos do Bem, que está em ação emergencial para enfrentar um dos piores cenários hídricos dos últimos anos.
"Nossos seis caminhões-pipa trabalhavam em horário comercial, mas agora temos que trabalhar praticamente 24 horas", diz Alcione Albanesi, fundadora e presidente da instituição, em entrevista à EXAME. Além dos seis caminhões, a ONG comprou mais cinco veículos para atender a demanda.
No ano passado, a ONG distribuiu no sertão nordestino 1,2 bilhão de litros de água. Já em 2023, este número aumentou em 100 milhões de litros, totalizando uma entrega de 1,3 bilhão de litros de água para 300 povoados atendidos regularmente no sertão dos estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará.
Albanesi explica ainda que o atendimento se expandiu para povoados que normalmente não são atendidos pela organização e que a dificuldade de acesso. "Quando percorremos os povoados, vemos pessoas caminhando pela rua pedindo água, perguntando quando o caminhão pipa chegará lá", afirma.
Com a ação emergencial recente, o número de povoados atendidos pela organização saltou para 500 e chegou na Paraíba. Além da distribuição de água, a ONG também perfura poços e instala cisternas.
A presidente do Amigos do Bem diz ainda que a falta de água agrava a situação de pobreza em uma região que já enfrenta maiores desafios. "O sertão nordestino é o maior semiárido do mundo. É um local distante, seco e onde a miséria é invisível. Estamos há trinta anos tentando amenizar essa situação de extrema pobreza", afirma.
A fala de Alcione é confirmada por dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, que mede o bem-estar da população considerando indicadores de saúde, escolaridade e renda. Em 2021, entre os dez estados presentes nas últimas posições do levantamento, todos são do Norte e Nordeste do país. O Maranhão está na lanterna, com valor de 0,676. Em primeiro lugar está o Distrito Federal, com 0,814. A média brasileira é de 0,754, 87ª posição no ranking global de 191 países.
Segundo dados de 2022 do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, quatro em cada 10 famílias das regiões Norte e Nordeste relatam incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e preocupação em relação à qualidade da alimentação no futuro imediato.
O levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) mostra ainda que 71,6% das famílias do Norte e 68% do Nordeste passam por alguma situação de insegurança alimentar.
Com o cenário de necessidade da região, o governo Lula, com bandeira de combate à pobreza e grande eleitorado no Nordeste, apresentou medidas para combater a seca e a fome. Durante o mês de agosto, a gestão petista lançou o programa Brasil Sem Fome, com uma série de ações para tirar o país do mapa da fome da ONU.
A medida articula 80 ações e programas dos 24 ministérios que compõem a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), recriada neste ano. São 100 metas propostas, a partir de três eixos de atuação: Acesso à renda, redução da pobreza e promoção da cidadania; Segurança alimentar e nutricional: alimentação saudável, da produção ao consumo e Mobilização para o combate à fome.
Já no combate à seca, em julho, o governo federal retomou o programa Cisternas, iniciativa que ajuda a criar estruturas para o armazenamento de água do período das chuvas para famílias que vivem em regiões que passam por longos períodos de seca e para ampliar o acesso à água potável em regiões desassistidas.
Um edital prevê investimento de R$ 400 milhões para construção de 51.490 cisternas. São dez estados contemplados (os nove da Região Nordeste, além de Minas Gerais), com uma meta de 47.550 cisternas de consumo (placas de 16.000 litros) e 3.940 tecnologias de acesso à água para produção de alimentos.
Durante as gestões Michel Temer e Jair Bolsonaro o programa teve redução. Desde 2017, sofreu grande redução de sua capacidade, caindo de um patamar de 149 mil unidades em 2014 para 55.000 em 2017 e 32.000 em 2018. O cenário piorou em 2021, com apenas 4.300 cisternas entregues e 5.900 em 2022.
Segundo dados do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo federal, oito estados das regiões Norte e Nordeste, Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe, enfrentaram em 2023 a pior seca por falta de chuvas desde 1980.
Em outubro, o Nordeste tinha um pouco mais de 100 municípios em condição de seca severa. Em algumas regiões, como no extremo oeste da Bahia, a área impactada já chega a 80%. A estiagem recorte atingiu rios importantes da região que estão com volumes abaixo da média histórica. O rio Madeira, na Amazônia, teve o menor nível em 56 anos em outubro. A região, segundo dados do Monitor de Secas, da Agência Nacional de Águas, de novembro, enfrenta seca extrema.
A previsão do Cemaden é que a situação vai se agravar até janeiro de 2024 com prognóstico de precipitação para os próximos três meses indicam chuvas abaixo da média para a área. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os fenômenos continuarão a atuar no primeiro semestre de 2024, o que pode contribuir para manter as chuvas abaixo da média durante a estação chuvosa do norte do Nordeste, que ocorre principalmente entre os meses de fevereiro e maio.
O órgão explica que a situação é desencadeada pela combinação de fenômenos que estão influenciando a região desde junho. O fenômeno El Niño costuma provocar chuvas abaixo da média nas regiões Norte e Nordeste, e precipitações acima da média na região Sul. No entanto, cada episódio do fenômeno é único, visto que o impacto depende da localização e intensidade da anomalia de temperatura das águas no Pacífico.
É o tipo de situação que torna o básico — muito — complexo.
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