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Período eleitoral registra 58 denúncias de violência contra jornalistas

Levantamento inédito feito pela Abraji mostra que os profissionais de comunicação têm enfrentado situações de conflito e de agressões

Agressões: desde 2013, mais de 300 jornalistas já sofreram violência (Victor Moriyama/Getty Images)

Agressões: desde 2013, mais de 300 jornalistas já sofreram violência (Victor Moriyama/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 29 de setembro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 26 de outubro de 2018 às 12h03.

São Paulo — Em abril deste ano, o repórter de rádio Tadeu* estava se preparando para fazer a cobertura do processo de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, quando começou a receber ameaças de um dos participantes.

"Ele gritava dizendo que eu tinha que ir embora, falava que eu não era bem vindo ali. Tentei argumentar que estava apenas fazendo o meu trabalho, mas fui empurrado diversas vezes", relatou o jornalista no dia do acontecido.

Para sair de lá, Tadeu precisou pular uma área interditada, desviar de uma garrafa de água lançada em sua direção e ser escoltado por seguranças. Nesta semana, o repórter contou sua história a EXAME. "Eu registrei um boletim de ocorrência no mesmo dia, fiz exame no Instituto Médico Legal, que encontrou uma lesão superficial no braço, e identifiquei o agressor", revelou.

Segundo o jornalista, alguns meses antes desse fato, ele já tinha decidido fechar todas as suas redes sociais e tomado precauções por conta de violências que seus colegas vinham recebendo. 

O episódio narrado por Tadeu, que teve o nome alterado para preservar sua identidade, faz parte de um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) sobre assédio a jornalistas no contexto das eleições deste ano. Ao todo, foram contabilizados 58 episódios de violência contra profissionais da imprensa, desde janeiro.

Nesta semana, a conta da agressão ganhou mais dois nomes. Dois repórteres do jornal Folha de S.Paulo foram alvos de exposição indevida, assédio e difamação, após a publicação da reportagem ex-mulher afirmou ter sofrido ameaça de morte de Bolsonaro, diz Itamaraty”.

Com a repercussão, apoiadores do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), endossados por famosos como o humorista Danilo Gentili e o escritor Flavio Gordon, expuseram os profissionais em todas as redes sociais. 

Uma outra jornalista, que tem o mesmo nome da repórter da Folha, acabou sendo vítima da situação. No entanto, ela não tinha nenhum envolvimento na produção do material. Seus dados pessoais, como e-mail e telefone, circularam entre os eleitores do presidenciável.

Segundo Emmanuel Colombé, diretor do Repórteres Sem Fronteiras (RSF) da América Latina, organização que defende a liberdade de imprensa, o contexto geral do Brasil é preocupante. "Vemos agressões explosivas, com vários tipos de ameaça. É uma realidade da profissão receber ameaças, normalmente em manifestações, mas que cresce cada dia mais", diz.

Nas eleições de 2014, o mesmo levantamento não foi realizado pela Abraji. Contudo, a associação mantém um controle de agressões a jornalistas em manifestações, que se estende de 2013 a 2018. Segundo os números, ao longo desses anos, foram contabilizados 328 casos.

Violência e pouca liberdade

Em seis anos, o Brasil caiu 46 posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa estabelecido pelo RSF. Em 2010, o país estava na 58º posição. Em 2016, caiu para 104º. Na época, os conflitos envolvendo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff contribuíram para o cenário.

De acordo com comunicado do RSF na época, "a cobertura midiática da crise política, em particular a partir do início do ano, evidencia essa situação. Os principais meios de comunicação nacionais agem de forma a convidar suas audiências a precipitarem a saída de Dilma do poder. É difícil para os jornalistas de grandes conglomerados de comunicação trabalharem de forma serena, sem sofrer influências de interesses privados e partidários."

Emmanuel explica que, durante o processo de impeachment, a RSF denunciou a forma com que grandes veículos cobriram o impeachment. "Dependendo do apelo midiático, fica difícil para o jornalista fazer seu trabalho de forma correta."

Papel do governo

Segundo o especialista, nesse cenário há uma situação a se comemorar. No começo deste mês, o Ministério dos Direitos Humanos incluiu a profissão de comunicadores no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).

A iniciativa visa reforçar a proteção dos jornalistas e profissionais de comunicação do país. "A situação ainda é preocupante porque existe pouco apoio das autoridades públicas nesse contexto, com impunidade e investigações fracas. Mas com a sinalização do ministério, pode ser que esse cenário comece a mudar", afirma Emmanuel.

Desde 2010, ao menos 29 jornalistas foram assassinados no Brasil, dos quais três apenas neste ano. De acordo com a RSF, comunicadores em geral e radialistas, atuando fora dos grandes centros urbanos, e que abordam temas ligados à política local sofrem regularmente intimidações e são vítimas de ameaças e represálias em decorrência da sua atividade de informar.

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