Sala de aula em São Paulo (Amanda Perobelli/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 13 de novembro de 2020 às 14h44.
Última atualização em 13 de novembro de 2020 às 15h03.
Pandemia de covid-19, eleições municipais e paralisação de atividades por disputas políticas são os principais motivos para que o projeto de regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) ainda não tenha saído do papel. Com dois turnos de eleições e, talvez, mais obstrução pela frente, as regras para o repasse do dinheiro podem acabar sendo definidas pelo governo, por meio de medida provisória (MP), sem participação dos parlamentares.
O Fundeb foi tornado permanente em agosto, com a promulgação da emenda constitucional 108, que aumenta a participação da União no fundo dos atuais 10% para 23%, gradualmente, até 2026. Em 2021, serão 2 pontos percentuais a mais. O que falta, agora, é regulamentar as mudanças e definir os mecanismos de distribuição desses recursos, que vão para a educação básica. Estão em compasso de espera os cálculos e as regras de transição para os novos valores, além dos métodos de distribuição.
Assim que a emenda foi promulgada, a deputada professora Dorinha Seabra (DEM-TO) apresentou o Projeto de Lei nº 4.372/2020, que regulamenta as mudanças. O relator da matéria na Câmara, Felipe Rigoni (PSB-ES), confirmou à EXAME que apresentará o parecer na semana que vem, logo após o primeiro turno das eleições municipais, que tradicionalmente paralisam as atividades no Congresso. Uma prévia deve ser divulgada antes disso a parlamentares envolvidos nas conversas.
Ainda que Rigoni cumpra o prazo, não é certo que a matéria será votada ou sequer discutida no plenário nos dias seguintes. Mesmo que seja superada a obstrução feita pelos partidos do Centrão, que têm barrado votações no plenário por disputa na Comissão Mista de Orçamento (CMO), ainda é preciso garantir que a matéria entrará na pauta. Outro problema é que, em época de eleições, boa parte dos deputados não participa das sessões. Além disso, a aprovação pelo plenário da Câmara é apenas a primeira fase do projeto. Depois, ele ainda precisa passar pelo Senado.
Algumas lideranças partidárias defendem que os trabalhos só sejam retomados após o segundo turno — ou seja, pode haver pelo menos mais uma semana de funcionamento ainda precário. Mesmo se a regulamentação do Fundeb for aprovada em novembro, já terá completado pelo menos um mês de atraso em relação ao prazo mínimo necessário para que o Ministério da Educação adapte os sistemas às novas regras. No início de outubro, o governo avisou o Congresso que, se o projeto não passasse ainda naquele mês, poderia ficar sem "tempo hábil" para operacionalizar os repasses a partir de janeiro.
Quanto mais o Parlamento demora a votar, maior a possibilidade de que o governo edite uma MP para resolver o assunto. A diferença em relação a um projeto de lei é que a medida provisória é proposta pelo governo em casos de urgência e tem validade imediata, sem precisar de aprovação do Congresso, em um primeiro momento. Enquanto a MP é avaliada pelos parlamentares, que podem mudar o texto, ela já está em vigor. Depois de até 120 dias, se não for aprovada, perde a validade.
Para o deputado Professor Israel (PV-DF), secretário-geral da Frente Parlamentar Mista da Educação, adaptar o sistema a um texto provisório, que pode sofrer alterações e até deixar de existir em poucos meses, não é a melhor opção. “Se não conseguirmos aprovar o projeto de lei, o Fundeb começará muito enfraquecido, via MP. É uma legislação mais fraca e menos detalhada, que não aproveita os insumos do longo debate feito pelo Congresso nos últimos cinco anos”, afirma.
O deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), que também participa da frente parlamentar, acredita que ainda dá tempo de votar o projeto. Deixar para que o governo resolva por MP, para ele, seria um erro. “Não é adequado que venha por MP. Dá mais estabilidade e o devido patamar de prioridade da educação. Não faz sentido sequenciar o protagonismo que o Congresso teve no Fundeb com um desprestígio que seria não fazer a regulamentação por lei”, acredita.
Segundo Cunha Lima, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiu o tema como prioridade. Para acelerar a votação e não precisar de MP, o mais provável é que o Congresso vote a regulamentação de forma fatiada. Primeiro, apenas o essencial para que os repasses não sejam afetados. A ideia é garantir pelo menos a operacionalização do sistema. Outros assuntos, que podem ser avaliados em até dois anos, ficam para depois, por outros projetos.
Mesmo entre os temas essenciais, há uma série de pendências a resolver. O projeto de regulamentação deve tratar do uso de recursos do Fundeb para repasses para escolas conveniadas e da definição das categorias de profissionais da educação que poderão receber salários com dinheiro do fundo. Rigoni afastou a possibilidade de tratar do teto de pagamento de professores no parecer, mas ainda avalia a proposta de permitir repasses do Fundeb a escolas privadas de ensino fundamental e médio sem fins lucrativos, inclusive filantrópicas.
A proposta, que veio do governo, é controversa. Boa parte da bancada da educação é contra a medida. Ainda assim, alguns parlamentares afirmam que ela estará no parecer. Com a mudança, a tendência é que parte dos recursos seja transferida de municípios mais pobres para mais ricos, que têm mais escolas conveniadas, explica o líder de estratégia política da ONG Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge. “O ideal é manter como é hoje, só para educação infantil, especial e escolas do campo”, defende.
Hoogerbrugge lembra que o governo já editou medidas provisórias sobre o Fundeb, em anos anteriores. Essa opção, para ele, é temerária, pois permite que o Executivo decida colocar por conta própria propostas que podem não passar pelo Congresso. É o caso da inclusão de repasses para filantrópicas. Grupos religiosos, principalmente católicos e evangélicos, pedem ao presidente Jair Bolsonaro o acesso às verbas. Se o PL não for aprovado, caberá a ele incluir ou não os grupos em uma eventual MP.
A ONG Todos Pela Educação também aponta como um dos pontos essenciais, que precisam ser resolvidos agora, a definição da regra que reserva 50% dos novos repasses da União para a educação infantil. A dúvida é sobre qual modelo será escolhido. A Câmara avalia qual é a melhor forma de distribuir esse valor, se por meio de um fundo específico para educação infantil, com a exigência do uso dos 50% em cada município, ou dividindo de acordo com o número de matrículas em cada local.