PEC da Blindagem: projeto é críticado por constitucionalistas (Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados)
Publicado em 19 de setembro de 2025 às 06h01.
A chamada PEC da Blindagem (PEC 3/2021), que amplia as proteções legais de parlamentares ao alterar as regras para prisão e abertura de processos criminais contra deputados e senadores, é o assunto da semana em Brasília — e nas conversas dos principais especialistas em direito do Brasil. A EXAME ouviu juristas e professores para entender os riscos abertos com a proposta.
Os especialistas alertam que a medida pode estimular integrantes de organizações criminosas a investirem em campanhas eleitorais para se elegerem e se blindarem de processos judiciais.
"É um retrocesso, até em um sentido literal, porque a PEC propõe retomar um modelo que existia na nossa Constituição antes de 2001. Um modelo que já se mostrou ineficaz", afirma Wallace Corbo, professor da FGV Direito Rio.
A proposta propõe restabelecer proteções que haviam sido limitadas em 2001. Na comparação com as regras atuais, a medida adiciona camadas de aprovação para o andamento de processos criminais contra deputados e senadores, incluindo a execução de mandados de prisão.
A matéria foi aprovada em dois turnos na Câmara nesta semana e agora segue para o Senado. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), afirmou que os senadores rejeitariam a proposta, mas, após pedido do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União), ele deve indicar um relator para o texto, que pode avançar, mas de forma mais lenta.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado: PEC da Blindagem terá relator, mas deve andar mais devagar na Casa Revisora Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado (Edilson Rodrigues/Agência Senado/Divulgação)
Corbo diz que o projeto tem dois problemas centrais. O primeiro está relacionado à dificuldade crescente em responsabilizar penalmente os parlamentares.
"Dar ao Legislativo a capacidade de impedir que a investigação aconteça pode, sim, aumentar a impunidade", afirma o professor da FGV.
Pelo texto, o Supremo Tribunal Federal (STF) só poderá abrir ação penal contra deputados e senadores se houver autorização prévia da respectiva Casa, por maioria absoluta e em votação secreta. O prazo para essa deliberação é de 90 dias a partir do recebimento da ordem do Supremo.
O segundo problema, diz o professor da FGV, está relacionado à ampliação do foro privilegiado para presidentes de partido com representação nacional.
"Isso aumenta o risco de ampliar a impunidade e expandir os privilégios para quem não deveria ter imunidade", diz.
Hoje, os presidentes dos partidos políticos não têm foro privilegiado e são julgados, em caso de qualquer ação penal, pela primeira instância.
Antonio Carlos de Freitas Jr., doutor em Direito Constitucional pela USP, professor da Fundação Santo André e sócio do Freitas Junior Advogados, afirma que a PEC "tende a abolir" a separação de Poderes por propor uma neutralização da ação do Poder Judiciário pelo Legislativo.
Esse pode ser um ponto utilizado para questionamentos de constitucionalidade da PEC, caso ela seja aprovada, segundo o advogado.
"Com a votação secreta, fica muito clara essa neutralização. Porque é retirada qualquer forma de publicidade e transparência, o que torna o Legislativo muito mais poderoso e permite uma blindagem secreta dos parlamentares", diz.
Freitas Jr. acrescenta que a proposta tem um "processo perverso" com a blindagem penal por "incentivar o engajamento de organizações criminosas no legislativo federal e até estadual". O professor argumenta que a política já passa por um processo de criminalização, com a atuação de organizações criminosas no financiamento de campanhas.
"Além de enfraquecer o combate à corrupção, a PEC cria um incentivo para o engajamento político de integrantes de organizações criminosas no poder legislativo. É a PEC 007. Não é licença para matar. É licença para delinquir", afirma.
Em relação ao foro para presidentes de partidos, Freitas Jr. diz que o pluripartidarismo atomizado, com partidos desorganizados e sem ideologia clara, pode incentivar a proliferação de partidos para "venda" da presidência, a fim de garantir um julgamento favorável no Supremo.
"Acho que imunidades são importantes para o parlamento, mas chega um ponto em que são tantas imunidades que os parlamentares acabam virando super-heróis, sem nenhum tipo de controle jurídico", diz.
Na avaliação de Cássio Casagrande, doutor em Ciência Política e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), a PEC ultrapassa a razão de certos privilégios parlamentares ao impedir a autorização para o recebimento até de uma denúncia criminal.
"Está se criando uma proteção para o parlamentar que vai muito além da atividade parlamentar em si. Suponha, por exemplo, que um parlamentar agrida sua esposa, praticando violência doméstica. Até para isso, o Judiciário teria que pedir permissão para processar a ação penal. É um desvio de finalidade da lei", afirma.
Casagrande reforça a visão de que a medida é um "salvo-conduto" para qualquer ato criminoso, ainda que não tenha relação com o mandato.
"O sujeito comete um crime e se elege para ter um escudo. É um incentivo à impunidade", diz.