Dirigentes de partidos iniciaram consultas à Justiça Eleitoral sobre critérios para cumprir a "cota das mulheres" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 28 de junho de 2018 às 11h39.
Última atualização em 28 de junho de 2018 às 11h40.
Brasília e São Paulo - Obrigados a aplicar 30% do dinheiro público recebido pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha em candidaturas femininas, dirigentes de partidos iniciaram consultas à Justiça Eleitoral sobre critérios para cumprir a "cota das mulheres". Um dos questionamentos sobre o chamado fundo eleitoral é se as siglas podem aplicar os recursos em campanhas de candidatas que ocuparão postos secundários, a exemplo de vice-governadoras e de primeira ou segunda-suplente de senador.
A hipótese é vista por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como uma forma de tentar driblar a regra de gênero porque o dinheiro poderá favorecer um candidato homem a governador ou senador, ocupante da cabeça de chapa.
A norma tem por objetivo ampliar a representação de mulheres em cargos eletivos. Com base em uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em março, determinou que 30% dos recursos do Fundo Partidário (R$ 888 milhões em 2018) fossem aplicados para fomentar a representação feminina, o TSE decidiu no mês passado que a regra vale também para o fundo eleitoral - formado por recursos públicos e orçado em R$ 1,7 bilhão.
Nos últimos dias, a disputa interna nos partidos pelo dinheiro dos fundos se intensificou. Tesoureiros e presidentes de legendas foram pressionados por políticos com mandato e articularam, sem sucesso, uma forma de derrubar a validade da cota das mulheres e adiá-la para 2020, ano de eleições municipais.
Havia simpatia à ideia na cúpula do PP, Solidariedade, PSD e PSDB, entre outros. O PT avisou que faria oposição. Uma saída seria um decreto legislativo sustando a incidência da regra dos 30% neste ano, mas a cúpula do Congresso resistiu, por dúvidas jurídicas e possível reação negativa na opinião pública.
Alguns partidos optaram por consultar o TSE para saber como aplicar os recursos. Outros encomendaram estudos a advogados e preparam questionamentos jurídicos e só depois vão decidir a que candidatas repassar o dinheiro. Os dirigentes argumentam que a decisão do TSE, de maio, ocorreu após a janela de migração de parlamentares e do prazo de filiação para a disputa do pleito, encerrados em março. Por isso, teriam agora dificuldades em buscar candidatas viáveis. As parcelas do fundo eleitoral não usadas devem ser devolvidas ao erário.
A decisão do TSE, na prática, reservou R$ 515 milhões do fundo eleitoral para candidatas em 2018. Segundo levantamento do Estadão Dados, do total de recursos disponíveis, as legendas, em média, terão de repassar às mulheres 140% mais nestas eleições do que o fizeram em 2014.
A tendência é de que as direções nacionais controlem a aplicação da cota feminina, transferindo diretamente o dinheiro às candidatas. O PSD, por exemplo, vai distribuir a mulheres R$ 33,6 milhões dos R$ 112 milhões a que tem direito.
Dos R$ 185,8 milhões do PSDB, R$ 55,7 milhões serão destinados às mulheres - quantia superior à reservada para as campanhas a governador e senador, presidente e deputados (R$ 43,3 milhões cada). A presidente do PSDB Mulher, deputada Yeda Crusius, disse que se considera a "dona do cofre", apesar de a conta de movimentação da verba do fundo eleitoral ser administrada pela direção nacional - o presidenciável Geraldo Alckmin e o tesoureiro Silvio Torres. "O partido dá a nós total autonomia para estabelecer critérios. Será um trabalho conjunto", disse Yeda.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, pediu que até dia 16 de julho os dirigentes locais aumentem o número de candidatas nas suas listas e reduzam o de homens. O PSB terá R$ 118 milhões do fundo eleitoral e vai destinar R$ 35,4 milhões para candidaturas femininas.
A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM), uma das autoras da consulta ao TSE, disse que a movimentação dos partidos ocorre porque "finalmente caiu a ficha". "É uma clara tentativa deles de driblar, porque eles não têm (candidatas) mulheres. Antes tem que fazer base, abrir a casa para elas participarem", afirmou.
Técnicos do TSE já veem tentativas de desvirtuar a cota feminina. O espírito da lei, argumentam, é que o dinheiro sirva para fomentar candidaturas de mulheres e ampliar sua participação em cargos eletivos, considerada baixa no País.
Uma preocupação é que o dinheiro seja repassado a "candidatas laranjas", sem densidade eleitoral, escolhidas apenas para cumprir a cota de gênero nas chapas proporcionais.
Outra hipótese é que o dinheiro seja dado a mulheres que compõem chapas majoritárias, como vice ou suplente - questão alvo da consulta dos partidos no TSE. A Justiça Eleitoral admite dificuldades na fiscalização da determinação.
A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo reuniu na terça-feira, 26, cerca de 150 mulheres ligadas à área eleitoral para discutir a criação de um Observatório das Mulheres Candidatas, cujo objetivo é monitorar o cumprimento das normas nas eleições, entre elas a destinação de 30% do fundo eleitoral para candidatas do sexo feminino.
Representantes de todos os 32 partidos foram convidadas para o Encontro Suprapartidário em prol das Candidaturas Femininas e 19 delas participaram, além outras especialistas no assunto como a ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana Lóssio.
Para subsidiar os debates, a Procuradoria compilou dados que mostram como, apesar das leis de incentivo, as mulheres ainda têm baixa representatividade em cargos eletivos. O documento mostra, por exemplo, que, dos 16.313 candidatos que não tiveram nem sequer um voto nas eleições de 2016, 14.417 são mulheres, indício de que muitas eram "laranjas" lançadas apenas para preencher a cota de 30% de candidatas.
Segundo o procurador regional eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a Procuradoria tomou a iniciativa de promover o encontro ao identificar risco de redução ainda maior da participação feminina no Legislativo.
"Tem uma preocupação com a possibilidade de diminuição das mulheres nas casas legislativas. Hoje o número já é baixo e há notícias de que os partidos vão priorizar a reeleição de quem já está lá."
A fiscalização é um dos pontos-chave para garantir efetiva participação das mulheres na política, na avaliação da professora da UnB Flávia Biroli. "Para ampliar a competitividade das candidatas, é preciso checar se a decisão do TSE será cumprida e cobrar dos partidos um engajamento real com a agenda da ampliação da participação política das mulheres", disse.
A professora da UERJ Clara Araújo também acredita que o monitoramento será essencial. "A decisão da reserva de recursos do fundo eleitoral para mulheres é muito importante. Mas precisamos pensar no efeito real que ela vai ter. O TSE vai fiscalizar os partidos? Se sim, é uma decisão que pode alterar realmente o equilíbrio da lógica do cumprimento de cotas." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.