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Para estrategista de Macron, Brasil pode ser laboratório contra populismo

Principal nome por trás da campanha que derrotou a frente de extrema direita na França, Guillaume Liegey quer replicar estratégia nas eleições 2018

Guillaume Liegey, CEO da Liegey Muller Pons e estrategista da campanha de Macron: fórmula para combater populismo é ouvir eleitores (LMP/Divulgação)

Guillaume Liegey, CEO da Liegey Muller Pons e estrategista da campanha de Macron: fórmula para combater populismo é ouvir eleitores (LMP/Divulgação)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 9 de maio de 2018 às 16h13.

Última atualização em 11 de maio de 2018 às 11h17.

São Paulo - A eleição presidencial da França, que completou um ano nesta semana, mandou um recado ao mundo: a onda populista que levou ao Brexit, na Inglaterra, e à eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016, é passível de ser estancada com algumas pitadas de tecnologia e uma boa dose de política, no senso clássico do termo.

O empresário Guillaume Liegey, CEO da empresa de estratégia política Liegey Muller Pons e principal nome por trás da vitoriosa campanha de Emmanuel Macron em 2017, tem a intenção de replicar o modelo nas eleições de 2018. Na última semana de abril, quando recebeu EXAME no lobby do hotel em que estava hospedado em São Paulo, ele tinha a agenda repleta de encontros com políticos e partidos que miram o pleito de outubro.

Ele defende que a ascensão de populistas em diversas partes do globo deriva, entre outros motivos, de uma desconexão entre eleitores e políticos tradicionais. O antídoto para isso? Ouvir os cidadãos comuns e se colocar no lugar deles. À primeira vista, a medida soa como simples. Mas depende, segundo Liegey, de uma base de voluntários dispostos a ir de porta em porta e uma boa dose de instrumentos de análise de dados para conduzi-los aos lugares certos.

Mais do que uma estratégia para vencer campanhas eleitorais,  Liegey afirma que essa aproximação com os eleitores deve se perpetuar durante todo o governo - principalmente, quando é necessário implementar reformas estruturais  no país. “Ouvir eleitores é a única forma de conseguir apoio e, uma vez eleito, é o único meio de fazer mudanças”, afirma. Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.

EXAME: Quais foram os erros da classe política tradicional que propiciaram o avanço do populismo em diversas partes do mundo?

Guillaume Liegey: Acredito que isso é fruto da combinação de três mecânicas: a sensação de desconexão entre eleitores e políticos, o fato de que votar não é mais atrativo e o surgimento de populistas que têm sido muito perspicazes no tipo de promessas que fazem porque entendem o que as pessoas querem. Quando se perguntou para os franceses se eles sentiam que os políticos se colocavam no lugar deles, 80% disseram que sim na década de 1980. No ano passado, menos de 20% dos franceses concordaram com a ideia. Grande mudança.

Mas há soluções metodológicas e tecnológicas para mudar isso. Se a ideia é fazer mais pessoas votarem, a resposta é bem direta: você tem que vê-las face a face. Há toneladas de experimentos na França, nos Estados Unidos e pela Europa que mostram sistematicamente que interações pessoais, como ir de porta em porta, são muito mais efetivas do que qualquer outra técnica. Se as pessoas se sentem desconectadas, prove a elas que você pode ouvi-las. Foi exatamente isso que Macron fez em sua campanha. Ele enviou voluntários ao redor da França para ouvir o que os cidadãos tinham para dizer.

Como fazer isso em um país de 200 milhões de habitantes?

Não é preciso falar com 200 milhões de pessoas porque 200 milhões de pessoas não vão votar em um candidato populista. Você só precisa ter alguns alvos. É aí que os dados entram em cena. Você pode usar big data para identificar regiões em uma cidade, por exemplo, em que há uma elevada tendência de que as pessoas votem em candidatos populistas. Nós criamos um índice de risco de populismo para o Brasil que mostra as regiões de uma cidade em que as pessoas podem apoiar esse tipo de candidato. Não vou te dar o segredo da receita desse modelo, mas medimos a insatisfação das pessoas com a classe política e o grau de stress econômico e social. Em São Paulo, não surpreendentemente, as regiões periféricas são as mais insatisfeitas com a classe política [Veja mapa]. Por isso, estou convencido de que quem construir uma campanha baseada em humanos fará a diferença nestas eleições no Brasil.

Como fazer um plano de governo que leve em conta essas demandas populares sem oferecer soluções demagogas?

É um erro ouvir os eleitores para dar a eles o que eles querem. Você os ouve para entender como eles veem a própria vida para que você tenha uma ideia melhor do tipo de soluções que pretende propor. Se você me perguntasse agora sobre o que fazer para mudar a França, eu não teria a menor de ideia de como responder a isso.

Quais seriam as perguntas certas, então?

Por exemplo, o que você acha que funciona e não funciona no Brasil? O que dá a você esperança para o futuro? O que te preocupa? São questões como essas que ajudam os candidatos a se colocarem no lugar dos eleitores. Se você é de uma família de classe média ou rica e mora no centro de São Paulo, você não vai saber [como as pessoas se sentem]. Não estou dizendo que se você é rico, você não vai conseguir resolver os problemas do país, mas que é preciso ir a campo para então ter soluções mais inteligentes.

A maior parte dos políticos começa com o programa de governo para descobrir só depois de eleito que o programa não funciona porque os problemas são diferentes do que aqueles que eles tinham em mente. É preciso começar com um diagnóstico. Macron está refazendo isso. Nesse momento, estamos trabalhando com o En Marche em uma campanha de escuta porque teremos uma eleição europeia no próximo ano. Então, é muito importante saber como as pessoas veem a União Europeia para ter mais acuidade no que vamos propor.

O próximo presidente do Brasil terá o desafio de implementar algumas reformas que são urgentes para a nossa economia, como a Reforma da Previdência, mas que não são muito bem aceitas pela maior parte da população. Como defender ideias que são impopulares e, ainda assim, conseguir apoio eleitoral?

Não há nenhuma mágica para isso. Na França, temos o mesmo problema. No momento, há várias greves por conta de reformas no sistema ferroviário e nas universidades. Não sou um expert em gestão de mudanças, mas, novamente, a primeira coisa a se fazer é um diagnóstico. Se as pessoas concordarem com o problema, então, já se terá uma boa base.

Você citou a reforma da Previdência no Brasil. Bem, é preciso fazer as pessoas entenderem que esse problema é uma prioridade. Se não é, mude a ordem e comece por outra coisa.  As pessoas aceitam fazer sacrifícios apenas se existir uma ideia de coesão. Se não há uma coesão na sociedade, então, as pessoas não farão sacrifícios. A coesão da sociedade brasileira é um fator crucial para mudar o país.

O único jeito de fazer isso é indo a campo. Sou presidente de uma empresa, se eu ficar o dia todo no meu escritório e não conversar com meus clientes, farei diagnósticos errados e péssimos produtos. O mesmo vale para políticos. Ouvir eleitores é a única forma de conseguir apoio e, uma vez eleito, é o único meio de fazer mudanças.

Como explicar, por exemplo, as reações à reforma trabalhista de Macron na França?

Os protestos foram muito menores quando comparados com a reação quando o governo de François Hollande tentou fazer a mesma coisa. Há três grandes sindicatos na França e apenas um convocou protestos porque houve uma fase de consultas. Você nunca vai conseguir levar 100% das pessoas a concordar com você, sempre haverá uma oposição. Para governar, você só precisa de uma certa maioria.

É uma estratégia que vai além da campanha eleitoral, então?

É uma continuidade da ideia de ouvir as pessoas, pegar feedback no campo. Isso é importante tanto nas campanhas quanto quando se governa. Se você está desconectado enquanto candidato, pode não ser eleito. Se está desconectado enquanto presidente, pode errar ao definir prioridades e as pessoas vão sentir que não são ouvidas. É aí que elas começarão a se opor — e isso pode acontecer muito rápido.

Quando o Obamacare estava sendo votado, o governo [de Barack] Obama fez uma campanha de porta em porta em regiões que tinham muitas pessoas sem seguro saúde. Ele fez isso porque sabia que passar a reforma no Congresso não era o suficiente. Para que o programa fosse bem sucedido, as pessoas tinham que aderir a ele.

Como engajar voluntários se as pessoas não acreditam mais na política? O candidato precisa ser muito carismático?

Totalmente. O candidato tem que ter uma mensagem forte. É diferente de fazer TV, que funciona em apenas uma direção. Além disso, é preciso oferecer estrutura e treinamento para os voluntários. Porque quando você pede para alguém dar seu tempo de graça, tem que se criar um espaço que a deixe super confortável.

Quantos voluntários foram necessários para a campanha que elegeu Macron em 2017?

No período de pré-campanha foram 6 mil e isso chegou a 50 mil próximo da eleição. Mas isso depende do tamanho do país e da estrutura de cada candidato. E pode ser pequeno no início, com 500 pessoas. Qualquer um consegue arregimentar 500 pessoas.

Quais são as bases de dados usadas pela LMP?

Depende. Às vezes, há dados abertos. Em outros momentos, você tem que comprá-los. Por exemplo, na Europa nós temos uma parceria com a Dow Jones que tem uma boa base de dados de veículos de imprensa local. Ao ler essas notícias automaticamente por meio de um algoritmo, se pode ter acesso a muitas informações sobre regiões específicas. Antes de pensarmos em atuar em um país, checamos se há bases de dados disponíveis. Eu nunca teria vindo ao Brasil há seis meses se não houvesse dados acessíveis.

Qual a diferença entre o método da LMP e o da Cambridge Analytica, que fechou após um escândalo de vazamento de dados do Facebook?

Nós ajudamos Macron a ganhar e eles elegeram Trump. Brincadeiras a parte, não precisamos roubar dados do Facebook para ajudar nossos candidatos. Mas a principal diferença é que eles trabalham em um nível individual de dados e nós com um nível local de dados. Para mim, não importa em quem você votou no passado. O que importa são as características  do bairro em que você vive. Trabalhamos com dados de grupos formados por 100, 1000 pessoas. É um modelo de operação completamente diferente em respeito à privacidade de dados, que é um grande debate na Europa.

Temos cerca de cinco meses para as eleições presidenciais no Brasil. Há tempo suficiente para organizar uma campanha como a que levou Macron ao poder?

Sim. Vocês têm 15/16 candidatos, não sei qual deles irá vencer, mas são perfis bem interessantes. O ponto é encontrar ideias em outros países e adaptá-las ao Brasil. Eu entrei na campanha de Hollande 4 meses e meio antes das eleições, então, cinco meses são suficientes.

Desses candidatos quais são interessantes, na sua opinião?

O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa [o ex-ministro desistiu da corrida presidencial nesta terça (8)] tem um perfil interessante, mas Geraldo Alckmin também tem porque vem de um partido estabelecido. Marina Silva também por uma série de outras razões.  Eu acho que o período é interessante. A questão é quem estará disposto a abraçar esse discurso de mudança na política. Para fazer isso, não é preciso ser um outsider. Você pode já ser da política, admitir que há um problema e apresentar um plano para mudar isso.

A LMP tem uma parceria no Brasil com a Ideia Big Data. Qual a estratégia para essas eleições? Vocês já fecharam com algum candidato?

A Ideia Big Data é um parceiro e o outro é a Vici. Nós trabalhamos em diversas campanhas, mas precisamos das parcerias locais para adaptar o que fazemos, para tropicalizar [no caso brasileiro]. Tenho me encontrado com campanhas e candidatos, mas ainda estamos vendo qual campanha podemos apoiar nas eleições. Talvez a resposta seja não, e tudo bem. Mas nós não abrimos quem são nossos potenciais clientes até começar a trabalhar efetivamente com eles.

 

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