Ministro Kassio Nunes Marques liberou missas e cultos religiosos presenciais durante a pandemia (Fellipe Sampaio/SCO/STF/Flickr)
Agência O Globo
Publicado em 5 de abril de 2021 às 09h34.
A decisão do ministro Kassio Nunes Marques de liberar missas e cultos religiosos presenciais, derrubando decretos de proibição editados por governadores e prefeitos, contraria definição do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)do ano passado, quando a Corte por unanimidade determinou que gestores estaduais e municipais têm atribuição de estipular medidas de isolamento social. A avaliação é de juristas ouvidos pelo GLOBO.
Para o professor de Direito Constitucional Rodrigo Brandão, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a decisão de Nunes Marques, com base no argumento da liberdade religiosa, vai na direção oposta da que orientou decisões do STF sobre competências federativas no combate à Covid-19, bem como afeta a coerência jurídica do tema.
— Estas decisões, ao contrário daquela, são marcadas pela descentralização e reforço à competência dos estados e municípios e pelo prestígio a medidas que protejam de maneira mais eficiente a saúde. Decisões pontuais do STF, especialmente quando monocráticas, sobre quais atividades são ou não essenciais geram problemas de coerência do tratamento jurídico da matéria. Assim, não me parece razoável que sejam autorizados cultos presenciais e proibidas atividades econômicas essenciais à subsistência — conclui Brandão.
Doutor em Direito Processual e ex-assessor jurídico do ministro Luiz Fux, o colunista do GLOBO Irapuã Santana chama atenção para o fato de que, em fevereiro, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos, responsável pelo pedido que levou Kassio Nunes a liberar cultos presenciais, teve um pedido contra medidas de restrição negado sob o argumento de que a instituição não tem legitimidade, entre outros fatores, por não se tratar de entidade com representatividade empresarial ou profissional. A decisão foi do plenário do STF. Além disso, o advogado ressaltou que se trata de uma “questão local”:
— O Supremo determinou que para questões de interesse local os órgãos competentes são os governos estaduais e municipais. Temos evidente invasão à competência do Executivo pelo poder Judiciário e uma decisão monocrática que contraria o órgão colegiado que é a cúpula máxima do nosso Poder Judiciário.
Como mostrou O GLOBO, a decisão do ministro gerou insatisfação no STF, e integrantes da Corte defendem que o tema seja levado a plenário o mais rapidamente possível — cabe ao presidente do STF, Luiz Fux, definir a pauta de votações. Ministros da Corte também avaliaram, reservadamente, que a liminar de Nunes Marques contraria a decisão de 2020 que dá autonomia para os entes da federação na pandemia.