Presidente Jair Bolsonaro (Andressa Anholete/Getty Images)
Gilson Garrett Jr
Publicado em 10 de setembro de 2021 às 07h00.
Última atualização em 10 de setembro de 2021 às 09h01.
Após atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e dizer que não cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recuou e divulgou, na quinta-feira, 9, uma nota de “bandeira branca”. O movimento fez, inclusive, o Ibovespa disparar quase 2%.
Para tentar amenizar o clima de instabilidade institucional, Bolsonaro disse que “nunca teve intenção de agredir quaisquer dos Poderes”, e que as palavras ditas por ele, no ato no dia 7 de setembro em São Paulo, decorreram “do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. Disse ainda que são naturais as divergências com Moraes.
O recuo encontra amparo no que pensa a maior parte dos brasileiros. De acordo com pesquisa realizada pelo instituto IDEIA, especializado em opinião pública, 63% dos brasileiros acham que Bolsonaro não pode descumprir decisões do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Já 29% entendem que o chefe do Executivo pode desrespeitar o Poder Judiciário, e outros 8% não têm opinião formada. A sondagem, a qual EXAME teve acesso exclusivo, ouviu 1.523 brasileiros no dia 8 de setembro. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos.
Cláudio Couto, coordenador do mestrado profissional em gestão e políticas públicas da FGV-SP, analisa que os números mostram que as pessoas querem o respeito das autoridades pela Justiça. “Apesar da fala reforçar seu apoio entre os mais radicais, o presidente se desgasta com a maior parte da população”, diz.
Apesar disso, Couto lembra que Bolsonaro já fez este movimento outras vezes. “Talvez ele esteja com medo e, por isso, aparenta um certo recuo. Na época da prisão do Fabrício Queiroz [nas investigações do esquema de rachadinha no gabinete de um dos filhos do presidente] ele ficou escondido, sem dar declarações por uns dias”.
Durante o ato de apoio ao governo no dia 7 de setembro, o presidente afirmou que não vai mais cumprir as decisões de Alexandre de Moraes. A fala veio na esteira de decisões do ministro do STF, que determinou a prisão de diversos apoiadores bolsonaristas, em investigações sobre fake news. Bolsonaro também foi incluído no inquérito na semana passada, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", disse o presidente na Avenida Paulista, em São Paulo.
Maurício Moura, fundador do IDEIA, avalia que há três grupos na população quando se analisa a fala de Bolsonaro. “Tem um grupo bastante engajado com a narrativa bolsonarista. Há outro com absoluto desconhecimento do tema. A maioria não acredita que seja razoável descumprir decisões judiciais”, diz.
Pela Constituição, ninguém pode desobedecer uma ordem judicial. O presidente do STF, Luiz Fux, reforçou esta regra prevista na legislação brasileira, no seu discurso de abertura da sessão de julgamentos da corte na última quarta-feira, 8.
"Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", afirmou Fux, em resposta aos ataques de Bolsonaro.
Em uma entrevista coletiva nesta quinta-feira, 9, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a assessoria jurídica da Casa está analisando as falas do presidente. “Ninguém é obrigado a cumprir decisão inconstitucional. Uma decisão correta da Justiça todos nós temos a obrigação de cumprir”, afirmou.
A pesquisa ainda perguntou aos brasileiros sobre o tamanho das manifestações em apoio ao governo no dia 7 de setembro. Para 48%, elas foram menores do que a expectativa. A Polícia Militar de São Paulo estimou que 125 mil pessoas estiveram presentes na Avenida Paulista. Bolsonaro esperava 2 milhões de pessoas.
Para Maurício Moura, o tamanho dos atos de apoio ao governo federal foram abaixo do esperado. “As reivindicações estavam desalinhadas com as pautas relevantes para a maior parte da população. Por outro lado, há um percentual minoritário claramente muito engajado com as causas do presidente Bolsonaro”, diz.
O cientista político Cláudio Couto avalia que no caso da Avenida Paulista, as manifestações orgânicas costumam reunir, sobretudo, pessoas da Grande São Paulo. Mas nos atos de 7 de setembro, era possível ver grandes grupos de caravanas vindos de outros estados. “Ele mostrou um poder de mobilização entre apoiadores, no entanto não espontâneo”, diz.
Nas faixas presentes nas mobilizações estavam pedidos inconstitucionais, como o fechamento do Congresso e do STF, além de intervenção militar. Os temas eram diferentes de muitos problemas dos brasileiros, como a demora na vacinação contra a covid-19, preço alto da gasolina, risco de falta de energia, e alta da inflação.
Entre os entrevistados pelo IDEIA, 59% discordaram das pautas apresentadas nas manifestações. Apenas 6% concordaram com as demandas dos apoiadores do governo, e 35% não têm uma opinião formada.
As contas de Bolsonaro nas principais redes sociais atingiram na terça-feira, 7, o maior número de interações da história, como mostra levantamento da consultoria de análise de redes sociais Bites feito a pedido da EXAME.
Bolsonaro chegou a 18,9 milhões de interações ao longo do 7 de Setembro, patamar que supera todas as outras datas, como sua eleição em 2018 ou o começo da pandemia em março de 2020, que detinha o recorde anterior.
Seu desafio, na outra ponta, é que o recorde foi puxado pelo mesmo grupo de sempre, o que pode indicar uma dificuldade do presidente em falar com novos públicos.
"Na prática, parece que Bolsonaro tem ficado mais isolado dentro de uma bolha", diz André Eler, diretor-adjunto da Bites.
"É uma base ainda muito grande, que consideramos muito relevante. Só que todas as mensagens compartilhadas com maior repercussão são desses apoiadores habituais", diz. "Quando vemos pessoas da sociedade civil, gente não muito ligada à política falando, todas as mensagens com maior repercussão são contra Bolsonaro."
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