"Muitas pessoas que estão no campo nos dizem: não tem o que fazer, vai queimar tudo", diz ativista (Ascom/CBMMS/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 10 de setembro de 2020 às 12h00.
Última atualização em 10 de setembro de 2020 às 12h14.
O Pantanal sofre uma temporada de queimadas sem precedentes em sua história -- e não há sinais de que o fogo esteja diminuindo. Os danos são irreparáveis: a área queimada neste ano já chega a 12% da área do Pantanal, segundo dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área é correspondente a doze vezes a cidade de São Paulo.
"Esses eventos extremos acontecem periodicamente, mas um evento tão extremo quanto esse ainda não tinha visto, e estou aqui há 20 anos", disse à AFP o diretor do Instituto SOS Pantanal, Felipe Dias.
Os satélites do Inpe detectaram mais de 12.000 focos de incêndio desde janeiro, mais do que os de 2018 e 2019 juntos. Mesmo faltando mais de três meses para que 2020 acabe, o número já é maior que o de 2005, que até agora cumpria o papel de ano recorde (12.536 focos).
Por trás desses números, existe um verdadeiro massacre da biodiversidade. "Pouquíssimos animais sobrevivem, o fogo causa estragos fatais. Para os que conseguem, as sequelas são muito graves (...), ou morrem de sede e fome", explica Juliana Camargo, presidente da AMPARA Animal, uma ONG que tenta salvar espécies em risco de extinção.
"Muitas pessoas que estão no campo nos dizem: não tem o que fazer, vai queimar tudo", acrescenta.
Nem mesmo o envio do Exército à região em agosto conseguiu controlar os incêndios. Além das autoridades, muitos voluntários tentam ajudar os bombeiros a combater o fogo. São principalmente moradores locais que vivem do ecoturismo.
A região recebe visitantes de todo mundo que admiram, em pequenas embarcações, jacarés e capivaras das áreas inundadas.
Nesta semana, as chamas chegaram ao parque natural Encontro das Águas, perto da fronteira com o Paraguai, considerado o lar da maior população de onças-pintadas do mundo.
Em um vídeo que passou a circular nas redes sociais e a ser citado pela oposição, o presidente Jair Bolsonaro aparece em uma reunião ministeral, sentado ao lado de uma criança, e ri sobre a situação do Pantanal. "Tá pegando fogo no Pantanal?", pergunta ela.
Em resposta, Bolsonaro e participantes da reunião começam a rir -- entre eles o vice-presidente Hamilton Mourão, que também lidera os esforços de combate ao desmatamento na Amazônia. Uma pessoa não identificada na sala responde que "tá pegando fogo, mas o presidente mandou dez aviões lá para ajudar a apagar".
Como é possível que o presidente e seus ministros consigam rir diante da TRAGÉDIA que acontece no Pantanal? O governo não apenas reage tardia e ineficazmente ao desastre ambiental nos nossos biomas: ele debocha dos brasileiros. Pare de rir do povo, Bolsonaro! #PantanalEmLuta pic.twitter.com/kT9hye3bVd
— Alessandro Molon 🇧🇷 (@alessandromolon) September 8, 2020
O presidente Bolsonaro é alvo de críticas por sua política ambiental, tendo recebido uma série de questionamentos internacionais com relação aos incêndios na Amazônia. Neste ano, grupos de investidores se reuniram repetidas vezes com o governo cobrando ações mais rigorosas contra a degradação ambiental no Brasil.
O Senado também aprovou nesta quarta-feira um requerimento para a criação de uma comissão temporária externa para acompanhar as ações de enfrentamento contra os incêndios no Pantanal, no momento em que o bioma tem sido alvo de grandes queimadas.
O pedido, apresentado pelo senador Wellington Fagundes (PL-MT), prevê que a comissão, formada por 4 membros, terá 90 dias para, por exemplo, monitorar as ações tomadas e avaliar providências adotadas a fim de evitar novos focos de incêndio.
"O Pantanal é um bioma específico, é um patrimônio da humanidade. E hoje todos nós estamos aterrorizados com o que está acontecendo", disse Fagundes, segundo a Agência Senado.
O desastre no Pantanal foi causado, em primeiro lugar, por uma seca excepcional. De janeiro a maio - estação das chuvas -, caiu metade da chuva esperada, e muitas áreas não chegaram a ser inundadas, como ocorre nessa época do ano. "Áreas extremamente secas, aliado a grandes temperaturas e a vento forte, estão pegando fogo de forma muito intensa", explica Felipe Dias.
Mas apenas a seca não explica tudo. Segundo o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro, do Instituto Centro de Vida (ICV), "a substituição de plantas nativas por pastagens exóticas" fragilizou a resistência da vegetação.
Estudos também mostram que o desmatamento na Amazônia, ao norte do Pantanal, tem impacto no volume de chuvas em outras regiões porque afetam as nuvens que se deslocam com o vento -- os chamados "rios voadores".
"É muito cedo para saber se a seca observada nestes últimos anos no Pantanal está diretamente ligada a este fenômeno, mas é inegável que, pessoas como eu, que cresceram na região, puderam observar com clareza as mudanças climáticas", afirma Vinicius Silgueiro.
Tasso Azevedo, coordenador do Mapbiomas, uma plataforma colaborativa que reúne dados científicos, ou de ONGs, teme que esta seca se transforme em uma "nova normalidade".
"Se entrarmos em um período de seca prolongado no Pantanal, com mais incêndios em áreas já queimadas, a vegetação corre o risco de não poder se regenerar", alertou.