Escolas: especialistas apontam que, para além da nomenclatura, é preciso prioridade de fato à educação na pandemia (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Carolina Riveira
Publicado em 16 de maio de 2021 às 08h00.
Última atualização em 16 de maio de 2021 às 17h55.
Passado um ano da pandemia, os impactos da covid-19 na educação seguem sendo dos mais devastadores — e silenciosos.
Em grande parte pelo descontrole no combate à doença e a reabertura de outras atividades comerciais como prioridade, o Brasil esteve entre os países onde as escolas ficaram fechadas por mais tempo, segundo relatório das Nações Unidas. A volta às aulas no começo deste ano acabou interrompida pela nova onda de covid-19, que fez o Brasil chegar a ter mais de 4.000 mortos por dia.
Pesquisa da startup de dados Behup mostrou que os pais ainda não se sentem confortáveis em mandar os filhos de volta à escola. Nas públicas, só 34% dos pais confiam que a escola dos filhos “está preparada para realizar os protocolos sanitários”. Nas privadas, a taxa é maior, de 62%, mas ainda longe da unanimidade.
A sondagem, feita por aplicativo, contou com entrevistas com 1.527 mães e pais nacionalmente.
Carol Dantas, diretora da Behup, diz que chamou sua atenção o fato de os pais ainda apontarem as crianças como grandes agentes transmissores da doença. Na prática, estudos vêm mostrando que, para uma volta às aulas com segurança, o mais importante é evitar que os adultos na escola, e não as crianças, sejam os focos transmissores.
“Os números mostram ainda uma grande diferença de gênero, com mães mais impactadas, e grande impacto na saúde mental das crianças”, diz Dantas. Dentre os entrevistados, 62% das mães disseram que as escolas fechadas na pandemia tiveram impacto em sua saúde mental, ante 49% dos pais. Os adultos também responderam ter sentido aumento do vício em jogos e celular e maior irritação por parte dos filhos.
Com a média móvel de mortes hoje por volta das 2.000 vítimas — e o risco de uma terceira onda ainda pairando —, a comunidade educacional discute os desafios de retomar parte das aulas presenciais. Enquanto isso, problemas do ano passado, como a oferta de equipamentos aos alunos e preparação da infraestrutura das escolas, ainda não foram equacionados nacionalmente.
Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que o descontrole da pandemia no Brasil e a falta de confiança nos órgãos competentes colaboraram para o cenário em que tanto profissionais de educação quanto famílias não se sentem seguros.
Costin, que é ex-diretora do Banco Mundial, tem conversado com frequência com gestores educacionais e governos em outros países, e diz que fica claro o quanto o Brasil ficou para trás. "Na maioria dos países, quem coordenou a resposta educacional à covid foi o Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Saúde. Aqui, ficamos sem os dois. Isso gerou um clima de insegurança muito grande entre profissionais de educação e pais."
A especialista aponta que muitos estados implementaram medidas para mitigar os danos, mas critica o que avalia ter sido uma falta de coordenação nacional. Uma das principais controvérsias na gestão educacional da pandemia diz respeito ao veto do presidente Jair Bolsonaro ao PL da Conectividade, aprovado no Congresso para compra de pacotes de dados e tablets para quase 19 milhões de alunos mais pobres e mais de 1 milhão de professores. O Senado analisará o veto nesta semana e pode derrubá-lo.
Sem o Ministério da Educação (MEC) tomando a frente, a vacinação dos professores, outro tema crucial, também não entrou nas prioridades quando o Plano Nacional de Imunização foi construído no ano passado. "Muitos países optaram por vacinar seus professores junto com profissionais de saúde, o que faz muito sentido se temos a educação como prioridade e quisermos uma volta mais cedo e segura", diz Costin.
O debate da vez em Brasília é o projeto de lei (PL 5.595) aprovado na Câmara e que torna a educação atividade essencial. A maior crítica ao PL é o fato de ordenar que escolas voltem nacionalmente em qualquer momento da pandemia, sem levar em conta as especificidades de cada lugar e sem que haja contrapartidas para isso — como coordenação e apoio financeiro do MEC. O projeto precisa agora ser apreciado pelo Senado.
Nas escolas públicas ou privadas, há amplo consenso de que a educação presencial é prioridade e que as atividades online são apenas medidas paliativas em boa parte dos casos. Mas a comunidade educacional ainda debate os meios de chegar lá.
No Brasil e em todo o mundo, reabrir as escolas com segurança passa por implementar protocolos para muito além do álcool em gel. O coronavírus se transmite pelo ar e, partindo desse pressuposto, é assim que as escolas precisam se preparar para aumentar a segurança.
A pesquisa da Behup mostra que uma das principais preocupações dos pais é a capacidade das escolas de monitorar casos sintomáticos (50% avalia que isso será feito nas privadas, e 30% nas públicas).
Mas mesmo em medidas ainda mais simples, a confiança dos pais é baixa. Nas escolas públicas, 40% acredita que serão disponibilizadas máscaras a professores e funcionários, e 64% diz o mesmo nas privadas.
Desde a volta às aulas presenciais, se tornaram comuns nas redes sociais imagens de escolas com protocolos que especialistas chamam de "teatro da desinfecção": foco demais no álcool em gel e pouco na ventilação.
“No primeiro momento, se vendeu uma ideia de que a ‘parafernália’ fosse muito importante”, diz Arthur Fonseca Filho, diretor da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar). "No fundo, a ciência prova que o importante é máscara, higiene, distanciamento e monitoramento de casos. Isso sequer custa tão caro."
Filho acredita que o protocolo não vem sendo um problema nas escolas associadas da Abepar, mas reitera que elas atendem um público específico, de maior nível socioeconômico, e que há grande diversidade no universo de escolas particulares. “Dito isso, das nossas escolas, os pais que mandaram os filhos de volta estão satisfeitos”, diz.
Nas escolas públicas, que respondem por mais de 80% do total de 180.000 escolas brasileiras, a heterogeneidade é ainda maior.
Especialistas defendem, por exemplo, que os adultos da escola, mais transmissores, recebam máscaras melhores, cirúrgicas ou PFF2. Por ora, em boa parte dos estados e das escolas particulares, a escolha das máscaras têm ficado a cargo dos próprios profissionais, o que abre margem para problemas. Falta também treinamento aos responsáveis da escola para usar as proteções com segurança e eventualmente cobrar e fiscalizar os colegas.
Em audiência no Senado para debater as aulas presenciais nesta sexta-feira, 14, o médico Márcio Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, citou estudo europeu que mostra que o uso de máscara e distanciamento de carteiras foram medidas mais eficientes para conter o vírus nas escolas na comparação com outras medidas mais caras e menos factíveis, como divisórias de acrílico.
“Há como transformar a escola num ambiente mais seguro do que ficar em casa. Pode não ser fácil. Pode não ser simples. Mas vejam que as medidas não são complexas: controlar a entrada dos alunos, espaçar as carteiras, não compartilhar materiais entre os alunos e reduzir as turmas”, disse.
Os testes periódicos, a grande preocupação dos pais, são uma medida ideal, embora seja uma frente na qual o Brasil vem pecando. O país não conseguiu desde o começo da pandemia fazer testagem em massa e usar os resultados para encontrar e prevenir disseminação de novos casos. Não há até hoje dados oficiais sobre testagem no Brasil, o que dificulta ainda mais que isso seja implementado nas escolas. A testagem foi uma estratégia usada em países mais ricos e mesmo em vizinhos como Chile e Uruguai.
Nos EUA, apesar do sistema de grande independência dos estados, o governo do presidente Joe Biden anunciou no começo de março 12 bilhões de dólares para possibilitar maior segurança na volta às aulas. O recurso inclui sobretudo ampliação de testagem e treinamento nas escolas para garantir que não se tornem foco de contágio. Anúncios do tipo fizeram mesmo líderes de sindicatos de profissionais de educação no país passarem a apoiar uma reabertura presencial mais ampla — as aulas já voltaram no país, mas ainda não com 100% da capacidade.
"Nós precisamos voltar, é imprescindível essa volta, mas as escolas públicas desse país precisam ter infraestrutura e dinheiro para fazer isso", disse ao Senado a diretora da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Andrea Pereira da Silva, que também é secretária municipal em Oliveira (MG). "Queremos voltar às aulas, mas não estamos vendo ajuda para que isso aconteça."
Já o debate sobre priorizar professores na vacinação só deve se tornar mais concreto nos próximos meses. Nacionalmente, o grupo ainda não foi contemplado no Plano Nacional de Imunização, que no momento tem como foco pessoas com comorbidades e idosos.
Rodrigo Otávio Moreira da Cruz, secretário executivo do Ministério da Saúde, disse ao Senado na sexta-feira que estima a primeira dose para os professores no começo de junho, quando avançarem “um ou dois grupos” dentre os prioritários. “Nossa expectativa é de que na primeira quinzena de junho, pelo menos a primeira dose seja levada a essa categoria tão importante do país”, disse.
Muitos estados se anteciparam e começaram a vacinar professores, mas a medida ficou nebulosa após decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. Determinou-se que estados devem cumprir o PNI nacional, sob pena de incorrer em improbidade administrativa.
São Paulo foi o primeiro a começar a vacinar professores e outros trabalhadores de escolas acima de 47 anos, em 10 de abril, mas a imunização parou enquanto faltam ainda mais de 500.000 profissionais no estado, das redes públicas e privadas. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o lobby de outras áreas que defendem serem priorizadas também ajudou a travar a imunização. A Secretária de Educação do Estado ainda não divulgou data para que novos grupos de profissionais de educação sejam vacinados.
Estados como o Maranhão, Bahia, Espírito Santo e outros, incluindo alguns municípios específicos, como a cidade do Rio de Janeiro, também implementaram programas de vacinação na educação. Mesmo com a decisão do STF, o estado do Rio Grande do Norte também anunciou nesta sexta-feira que começará a vacinar os professores a partir de 24 de maio.
Enquanto isso, pesquisa com quase 9.000 professores feita pela Rede Conectando Saberes, da Fundação Lemann, mostrou que só pouco mais de um terço dos docentes disse que conhece e concorda com o plano de retomada das aulas presenciais em seus municípios.
Os resultados da pesquisa, feita em 87 cidades, apontaram por outro lado que 83% dos professores das redes municipais se sentem bem adaptados às ferramentas tecnológicas. De mensagens no WhatsApp a vídeos, os professores viraram “youtubers” do dia para a noite e tiveram de se esforçar para tentar, de alguma forma, salvar o ano letivo dos alunos. “Essas ferramentas serão especialmente importantes daqui em diante para a superação das defasagens educacionais acumuladas durante a pandemia”, disse em nota Daniel de Bonis, diretor de políticas educacionais da Fundação Lemann.
Já avaliar os alunos tem se mostrado um desafio, segundo a pesquisa, e a maioria dos professores considera que atividades de reforço serão essenciais para a recuperação do conteúdo.
O problema não acabará nem mesmo com todas as escolas abertas. Enquanto a pandemia não for controlada — o que ainda pode demorar a ocorrer no Brasil —, o ensino híbrido vai continuar, assim como a necessidade de equacionar urgentemente o desafio dos alunos que não têm os equipamentos básicos para estudar. Depois da pandemia, o saldo seguirá devastador: será preciso garantir que os alunos recuperem a aprendizagem perdida e, para tal, que sejam recepcionados de forma adequada em meio aos impactos na saúde mental.
O Brasil precisará ter as conversas difíceis — incluindo ampliação do investimento em educação, como no ensino integral, que é mais caro, mas mais efetivo. O preço a pagar no futuro pode ser muito mais alto.