Infraestrutura (Divulgação/Divulgação)
Luiza Calegari
Publicado em 12 de setembro de 2017 às 06h30.
Última atualização em 12 de setembro de 2017 às 14h47.
São Paulo – O Brasil – e o mundo – podem estar em um momento de inflexão no setor de infraestrutura. O desenvolvimento tecnológico está chegando às áreas de planejamento mais lento, e o país precisa modernizar sua visão estratégica nesse campo.
A avaliação é de Norman F. Anderson, fundador e presidente da CG/LA Infrastructure, que promove nesta semana o 15º Fórum Latino-Americano e Brasileiro de Liderança Estratégica em Infraestrutura, em São Paulo.
Anderson é membro do Conselho do Fórum Econômico Mundial, fez mestrado em Administração Pública em Harvard, e defende a participação popular nas decisões estratégicas sobre infraestrutura, com comunicação facilitada pela tecnologia.
Em entrevista a EXAME.com, ele afirmou que, ao contrário do senso comum, "infraestrutura é uma decisão estratégica", que precisa resultar em um bom projeto de longo prazo.
Veja os principais momentos da entrevista:
EXAME.com: A infraestrutura no Brasil sofre de descontinuidade crônica, já que, historicamente, cada governo muda as prioridades dos projetos. Por onde começar a resolver esse problema?
Norman Anderson: Esse é um problema também em outros países. Para mim, é preciso pensar uma visão de país. Aqui nos Estados Unidos, um projeto leva mais de nove anos para conseguir aprovação, por exemplo. Você tem que ter uma visão, pensando em quais projetos são necessários para o país, e conseguir as autorizações com muita antecedência. Todo mundo pensa em infraestrutura como obra pública, mas na verdade é uma decisão estratégica. A decisão de agora precisa resultar em um bom projeto para daqui a 30, 40 anos. Tem muito menos a ver com política e muito mais a ver com a economia de um país.
Quais são os maiores gargalos de infraestrutura do Brasil, na sua avaliação?
Todo mundo fala de portos, logística, ferrovias. Em relação a isso, a percepção no Brasil é de que as grandes obras de infraestrutura estão sempre relacionadas com a corrupção. Mas o desafio é encarar o outro lado da infraestrutura, o que afeta o dia-a-dia das pessoas: estamos falando de saúde, de mobilidade. Levar duas, três horas para chegar no trabalho é horrível. E isso também precisa ser pensado. A alternativa é incluir as pessoas nas decisões, na fiscalização.
De que forma a população pode participar dessas decisões?
Pela tecnologia. Com um smartphone, você pode se comunicar com as construtoras, sugerir melhorias nos projetos, fiscalizar os prazos. Existem iniciativas bem-sucedidas aqui nos EUA e na Austrália. As empresas precisam ser transparentes e pensar não só nos próprios resultados, mas no serviço que estão prestando à população. É preciso partir para a ideia de infraestrutura estratégica, com participação popular.
As concessões e privatizações anunciadas pelo governo vieram em um bom momento?
Vieram em um ótimo momento. Tem muito dinheiro no mundo procurando lugar para ser investido, digamos assim. Os projetos anunciados pelo governo estão maduros, são necessários, devem atrair muito interesse sim.
E quanto ao risco político?
Ele não é tão grande. As empresas estão mais inclinadas a investir no Brasil do que na Índia, por exemplo. A percepção é de que, apesar da incerteza política, vai tudo bem com a economia.
Especificamente em relação à energia elétrica, quais são as implicações de privatizar uma empresa como a Eletrobras?
O maior problema do Brasil é ter muita usina hidrelétrica sendo que, a cada década mais ou menos, vocês passam por uma seca [que reduz os níveis dos reservatórios e pode comprometer a geração de energia]. Vocês precisam de gás natural, que está sempre disponível.
Primeiro tem que decidir o modelo energético do país. O corpo de executivos do setor de energia brasileiro é dos melhores do mundo, eu falo com gente do setor no mundo inteiro. Mas onde o Brasil quer estar em 10, 15 anos? Não tem problema nenhum em fazer um modelo híbrido para dinamizar uma empresa como a Eletrobras [parte com o governo, parte com a iniciativa privada]. Nesse caso, o diabo mora nos detalhes.
Mas, e a China? O país tem se movimentado no sentido de dominar a produção de energia em vários países, não há o risco de entregar a segurança energética nas mãos só de empresas chinesas?
Estrategicamente, o Brasil precisa investir e procurar a competição com outros players mundiais. Além disso, é preciso fortalecer as empresas nacionais. Tem muito dinheiro circulando internamente, e o país tem que ser um protagonista muito forte nessas privatizações, para poder competir de igual para igual com empresas de outros países - inclusive da China.
A ideia que se tem, no entanto, para fortalecer as empresas no Brasil, é recorrer ao BNDES. Essa dependência é saudável?
Não, nem um pouco. O BNDES deve ter um papel mais estratégico na economia brasileira. O banco de desenvolvimento do Canadá (o Business Development Bank of Canada), por exemplo, está tendo um papel de estrategista, investindo nos sistemas de água, em locais que realmente precisam da intervenção do Estado. É mais interessante que o BNDES faça esforços mais vigorosos do que ocupar espaços tão grandes.
Mas como, então, criar empresas fortes e fortalecer o mercado interno sem depender tanto do BNDES?
Essa é uma pergunta estratégica para o Brasil agora, porque grandes empresas nacionais caíram na Lava Jato. É preciso, primeiro, separar dois aspectos: um deles é que, em termos técnicos, essas empresas chegaram a ser as melhores do mundo, em expertise nas suas áreas. O segundo, o grande problema, foram as práticas éticas.
Mas, para além dessas considerações, o modelo passado, os modelos da Eletrobras, da Odebrecht, nasceram de projetos de país grandiosos. O futuro vai ser mais específico. A infraestrutura está mudando completamente, estamos falando de veículos sem condutor, de big data, que em nenhuma parte do mundo há regras de utilização desses dados para benefício do povo. Estamos no momento de inflexão para uma mudança muito grande nesse campo.
Quais são os destaques positivos do Brasil na infraestrutura?
Existe, em primeiro lugar, a criatividade brasileira para solucionar problemas, e isso no aspecto positivo mesmo. O Brasil tem muito potencial para ser modelo para a América Latina, se desenvolver uma integração. A economia do Brasil está começando a crescer de novo, bem no momento em que a revolução tecnológica está chegando à infraestrutura. Esses dias, estava jantando em São Paulo e alguém comentou que o metrô era horrível, mas para mim é muito interessante. Pelo menos na linha amarela tem muita informação, te avisa onde está, para onde está indo, [tudo] em inglês. Tem muito potencial aí, na questão dos projetos de saneamento, no desenvolvimento de combustíveis.
E, por fim, quais são as perspectivas? Qual deve ser o caminho tomado pelo Brasil daqui para a frente?
O Brasil precisa decidir onde quer estar no mundo nas próximas décadas, e isso passa pelo investimento em infraestrutura e também na educação. É aí que os gastos do governo têm que se concentrar. Esse debate é muito importante, tem que tirar a infraestrutura da política e colocá-la como projeto de país. Qualquer partido que chegue ao poder precisa falar que o projeto é importante, precisa querer desenvolver os projetos de um jeito melhor, ser mais inovadores, deixar que os cidadãos participem mais ativamente. É preciso abrir as decisões para o povo, para que a participação seja contínua na escolha de onde, como e quanto vai ser investido.