Medicamentos para obesidade serão usados no Rio de Janeiro em 2026, com foco no SUS (GettyImages)
Agência de notícias
Publicado em 12 de janeiro de 2025 às 14h31.
A cidade do Rio de Janeiro planeja um novo programa de combate à obesidade que vai oferecer medicamentos como a semaglutida e a liraglutida, inicialmente indicados para o controle da diabetes, mas que se popularizaram por causa do efeito de perda de peso.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, isso deve ser feito a partir de 2026, mas um grupo de trabalho já foi criado para planejar a melhor estratégia de uso do medicamento.
Apesar de ter causado algum alvoroço, a iniciativa carioca não é nova. A liraglutida já é utilizada em cidades de Goiás, Distrito Federal e Espírito Santo, e também faz parte de protocolos de tratamento do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do estado do Rio de Janeiro (Iede), do Hospital das Clínicas e do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo.
Ainda não há indicativo de incorporação dessas substâncias no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 2023, a fabricante Novo Nordisk pediu que a Comissão de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) avaliasse a inclusão, mas o parecer foi negativo. Apesar dos estudos que mostram a eficiência do medicamento, a estimativa de impacto orçamentário foi considerada elevada: R$ 12,6 bilhões em 5 anos.
Mas esse cenário pode mudar num futuro próximo. Depois da queda da patente, outros laboratórios passaram a produzir medicamentos à base de liraglutida e, em dezembro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso no Brasil dos dois primeiros deles, produzidos pela EMS. Com mais concorrência, a tendência é de que o preço do medicamento diminua.
Já a semaglutida permanece como patente exclusiva da Novo Nordisk até março de 2026 e, por enquanto, não é usada por nenhum serviço público. Nas farmácias, o preço das ampolas para um mês de uso varia de R$ 800 a R$ 2.000, dependendo da dosagem.
A liraglutida é um pouco mais barata e pode ser comprada por cerca de R$ 700, mas exige aplicação diária, enquanto a semaglutida deve ser injetada uma vez por semana.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Karen de Marca, se diz otimista com a adoção dos medicamentos na rede pública do Rio e com a possibilidade de que isso inspire outros entes públicos na mesma direção.
Ela também é diretora técnica-assistencial do Iede, uma das unidades públicas do Brasil que já utilizam a liraglutida em alguns pacientes.
"Essas medicações são da classe dos agonistas do GLP-1. Nos estudos, se percebeu que ela conseguiu um bom controle glicêmico e também ajudou na manutenção dos níveis de insulina. É uma molécula bem completa. Nós temos receptores para essa molécula em diversos órgãos do corpo, desde o sistema nervoso central, onde ela ajuda no componente de saciedade. Por isso, percebemos que além do controle do diabetes, ela também pode ser útil ao paciente com obesidade", explica a especialista.
A vice-presidente da SBEM considera que a adoção desses medicamentos no serviço público de saúde é uma estratégia interessante também pelos estudos que demonstram diminuição da mortalidade por doença cardiovascular e das ocorrências de doenças crônicas como hipertensão arterial.
"Quando a gente pensa em introduzir uma medicação no Sistema Único de Saúde, você tem que pensar no real benefício, para quem ela serve, quanto ela custa e o que ela vai economizar. Então, se a gente pensar que é uma molécula bastante complexa, que consegue melhorar o controle glicêmico, controlar o peso e fazer uma perda de peso que pode chegar a até 25%, ainda por cima com benefícios cardiovasculares, que é a principal causa de morte dos pacientes diabéticos com obesidade, é muito interessante. E você diminui custos por internação cardiovascular, por complicações da diabetes, por amputação, custo de remédio pra hipertensão, pra doença renal."
Essa é a principal justificativa da Prefeitura do Rio para adotar o medicamento. O secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, acredita que ele pode acabar representando uma economia para os cofres públicos:
"Hoje o Rio de Janeiro gasta mais ou menos R$ 130 milhões por ano com internações provenientes de problemas com diabetes e obesidade. A expectativa é de que, com a semaglutida e um programa mais amplo de combate à obesidade, a gente consiga reduzir essas internações e possa de fato avançar cada vez mais na melhoria da qualidade de vida".
De acordo com o secretário, a Prefeitura já está em contato com quatro laboratórios: a Novo Nordisk, e outros três que devem começar a fabricar o medicamento a partir da quebra da patente.
Soranz garante que a medicação será oferecida dentro de um tratamento integrado: "O desenho clínico de acompanhamento do paciente vai ser a partir das Clínicas da Família. O médico da família vai definir qual o protocolo terapêutico. Se vai precisar tomar medicação, fazer dieta, exercício, se precisa de cirurgia bariátrica."
Para a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o ideal seria que os pacientes tivessem acesso a centros de tratamento multidisciplinares: "Um lugar completo, que você tenha educador físico, nutricionista, psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, clínico geral que possa acompanhar esse tratamento. Eu realmente vejo como uma necessidade ter uma equipe multiprofissional, porque a obesidade é multifatorial. A medicação trata a obesidade, mas ela não trata os motivos que levaram ao ganho de peso".
A endocrinologista alerta também que os programas públicos precisam de protocolos para garantir o melhor uso dessa estratégia: "Aqui no Iede, por exemplo, a gente está dispensando a Liraglutida para pacientes com obesidade acentuada, que não responderam a outras medicações, que têm outras comorbidades. E diante desse quadro, vale a pena você investir em uma medicação mais cara".
Até mesmo as bulas dos medicamentos disponíveis no Brasil – o Saxenda, que contém liraglutida, e o Wegovy, que contém semaglutida – indicam que eles são recomendados para adultos com índice de massa corporal acima de 30 kg/m², caracterizando obesidade, ou 27 kg/m² na faixa de sobrepeso, desde que o paciente tenha algum problema de saúde relacionado a essa condição.
Os medicamentos também podem ser usados por adolescentes acima de 12 anos com obesidade e pelo menos 60 kg. Em todos os casos, a recomendação é de que o medicamento seja associado a dieta e exercícios físicos.
Já o remédio à base de semaglutida mais famoso, o Ozempic, não tem recomendação em bula para uso contra obesidade, mas apenas para pacientes adultos com diabetes tipo 2 não controlada.
Apesar disso, a eficácia das substâncias atrai muitas pessoas que não se encaixam nos critérios, mas querem emagrecer por razões estéticas. A venda de todos esses remédios exige apresentação de receita médica, mas, como a receita não é retida, é possível adquirir sem recomendação. A Anvisa está discutindo se eles devem ser colocados na mesma categoria dos antibióticos, o que obrigaria as farmácias a reterem uma via da receita com identificação do comprador.
Em dezembro, as sociedades brasileiras de Endocrinologia e Metabologia e de Diabetes e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade divulgaram uma carta aberta defendendo a retenção de receita para venda desses medicamentos.
Karen de Marca reforça que o uso sem acompanhamento pode gerar efeitos adversos como náuseas, constipação e perda de massa magra, além de agravar transtornos psicológicos.
"A gente vê que existe também uma perda de massa magra que pode deflagrar um processo de sarcopenia. Pode também ter uma dependência, no sentido de não se ver sem aquela medicação, porque precisa se sentir magra", explica.
A psicóloga Flavia Ferreira da Silva compartilha sua experiência com os medicamentos. Após ser diagnosticada com pré-diabetes e obesidade, ela iniciou o uso sob supervisão médica. "Quando comecei o tratamento, estava com 98 kg. Hoje peso 70 kg e minhas taxas estão boas", disse.
Entretanto, o engenheiro Danilo Vidal Ribeiro relatou complicações ao usar a semaglutida. "Tive dores abdominais e precisei parar. É essencial ter acompanhamento médico", alertou.