Repórter
Publicado em 3 de outubro de 2025 às 20h39.
A onda de casos de intoxicação por metanol após ingestão de bebida alcoólica no Brasil reacendeu um episódio trágico, ocorrido há 26 anos, envolvendo o consumo da substância. O surto havia sido provocado por ação criminosa, segundo a polícia.
Em 1999, na Bahia, foram registrados vários casos de contaminação pelo consumo de cachaça clandestina misturada com metanol. Mais de 400 pessoas foram intoxicadas e 35 morreram em 10 municípios do estado, como Nova Canaã, Dário Meeira, Ibicuí, Poções e Itiruçu.
Na época, a Polícia detectou uma elevada concentração de metanol em cachaças comercializadas em bares da região. A Polícia Técnica do Instituto Médico Legal da Bahia havia informado à imprensa naquela ocasião que as amostras coletadas tanto de bebidas quanto do sangue de indivíduos intoxicados revelaram que a quantidade de metanol por 100 ml de álcool variava de 2,85 a 20 ml.
As autoridades concluíram que se tratava de adulteração criminosa e determinaram o fechamento de estabelecimentos. A polícia também decretou a prisão de quatro suspeitos, mas apenas um deles foi detido e outros os três fugiram. Não há informações se os suspeitos foram punidos pelo crime.
A atual situação é acompanhada por diversas autoridades federais e estaduais. Segundo o último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde nesta sexta-feira, 3 de outubro, foram confirmados 113 registros de intoxicação por metanol após ingestão de bebida alcoólica. Os estados de Bahia, Paraná e Mato Grosso do Sul notificaram os primeiros casos em investigação. Em todo o país, são 11 casos confirmados e 102 em investigação.
Do total de 113 notificações por esse tipo de intoxicação, 101 são em São Paulo (11 confirmados e 90 em investigação), 6 casos em investigação em Pernambuco, 2 em investigação na Bahia e no Distrito Federal, e 1 caso está sendo investigado no Paraná e Mato Grosso do Sul.
Dessas notificações, 12 são de óbitos. Um óbito confirmado no estado de São Paulo e 11 estão sendo investigados (8 em SP, 1 em PE, 1 na BA e 1 no MS).
Desde 2005, ao menos 12.604 pessoas morreram em decorrência de intoxicação por metanol em diversos países, em grande parte devido ao consumo de bebidas adulteradas, de acordo com um levantamento do Médicos Sem Fronteiras (MSF). Somente em 2025, 364 pessoas morreram. Desde 1998, o monitoramento registrou um total de 40,1 mil pessoas afetadas e 14,3 mil óbitos.
Ao contrário do etanol, utilizado nas bebidas alcoólicas, o metanol é um composto industrial amplamente usado como solvente, combustível e anticongelante. Quando ingerido, ele se converte em formaldeído, que em seguida se transforma em ácido fórmico, um subproduto altamente tóxico ao organismo.
O ácido fórmico provoca danos a diversos tecidos do corpo, incluindo o nervo óptico e o sistema nervoso, podendo levar à cegueira, coma e até à morte, caso não haja tratamento imediato. A terapia visa interromper a conversão do metanol em ácido fórmico, com o uso do etanol como antídoto, já que ele compete pela mesma via de metabolização.
Segundo informações da Associação Brasileira de Neuro-oftalmologia (ABNO), os sintomas da intoxicação por metanol geralmente surgem entre 12 e 24 horas após a ingestão, podendo aparecer antes, dependendo da quantidade consumida. Entre os sinais mais comuns estão dor de cabeça, náuseas, vômitos, dor abdominal, confusão mental e, especialmente, visão embaçada ou cegueira súbita.
Normalmente, os surtos de intoxicação por metanol estão relacionados à adulteração de bebidas alcoólicas com o composto, uma prática que ocorre principalmente para reduzir os custos, já que o metanol é mais barato que o etanol. O problema é ainda mais grave quando se considera que 21% do consumo de álcool mundial provém de fontes ilegais, mostram estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o MSF, milhares de pessoas são envenenadas anualmente pelo metanol, com uma taxa de mortalidade que varia entre 20% e 40% em surtos. Apenas 10 ml da substância já são suficientes para causar cegueira, e 30 ml é a dose mínima fatal para um adulto.
O MSF alerta que “devido aos desafios no diagnóstico e à limitada conscientização pública, muitas mortes e ‘surtos’ nunca são identificados como intoxicações por metanol”. No entanto, as estatísticas indicam que a Ásia é a região com maior incidência desses casos, com surtos frequentes na Indonésia, Índia, Camboja, Vietnã e Filipinas.
O grupo coleta dados a partir de reportagens, publicações acadêmicas e informações oficiais. A Indonésia lidera o número de surtos de intoxicação por metanol, com 334 episódios desde 1998.
No entanto, o país com o maior número de pessoas afetadas é o Irã, com 9,6 mil casos registrados. Em uma única ocasião, no início de 2020, 5.876 pessoas foram intoxicadas após rumores espalharem que o álcool protegeria contra a Covid-19, resultando em 800 mortes.