Apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL) durante a eleição presidencial, no Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de outubro de 2018. REUTERS / Pilar Olivares (Pilar Olivares/Reuters)
Naiara Albuquerque
Publicado em 15 de outubro de 2018 às 14h39.
Última atualização em 15 de outubro de 2018 às 16h31.
São Paulo - Ansiedade, medo e preocupação. São esses os sentimentos que o psiquiatra Luiz Scocca, formado pela Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), mais tem ouvido em seu consultório particular, localizado na zona oeste de São Paulo. Até aí, nada de novo, considerando que estamos falando de um escritório psiquiátrico. A motivação que tem levado muitos de seus pacientes a procurar ajuda, no entanto, não podia ser mais atual: as eleições de 2018.
A polarização política já acentuada no país ganhou combustível na corrida eleitoral do segundo turno — a ser disputado por Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) no dia 28 de outubro —, e eleitores e candidatos usam como nunca suas redes sociais para se manifestar politicamente. O problema é que o campo de batalha virtual favorece a formação de "bolhas" e a falta de diálogo entre pessoas que pensam diferente - sobretudo entre os mais jovens.
Especialistas ouvidos por EXAME explicam como esse cenário de intolerância vem prejudicando o debate público e afetando o modo como lidamos com as relações humanas. Confira abaixo.
Um dos mais importantes vilões do bem estar do eleitor hoje é o discurso violento, que prejudica a livre expressão entre as pessoas, na visão da psicóloga e professora da Faculdade de Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Gabriela Gramkow. O diálogo, para ela, é uma ferramenta potente contra o processo de esgotamento mental pelo qual as pessoas — cada vez mais isoladas — têm passado. "É um desamparo psíquico extremo que segrega os indivíduos em si próprios", explica a especialista. A situação se agrava ainda mais à medida que a falta de diálogo afeta as esferas familiares, cotidianas, educacionais e de trabalho.
Entre 30 de setembro e 11 de outubro, houve ao menos 70 ataques motivados pela divergência política no Brasil, segundo levantamento da Agência Pública em parceria com a Open Knowledge Brasil. Desse número, 50 foram cometidos por eleitores do Bolsonaro; 6 contra eleitores do Bolsonaro e 15 agressões não definidas. Os registros são apenas de casos de agressões e ameaças feitas ao vivo, nos quais a integridade física de pessoas correu risco.
A intensificação do medo de novos ataques foi o que motivou, na semana passada, a criação da página no Instagram "Ele não vai nos matar", em referência ao candidato do PSL. O intuito é denunciar locais onde agressões a LGBT's motivadas pelas eleições aconteceram. A página conta com 104 mil seguidores.
Temores e preocupações têm assolado pacientes de todos os espectros políticos, mas os mais jovens devem pagar mais caro, pelo menos no que diz respeito à saúde mental. Isso porque, primeiro, eles estão mais expostos a informações negativas compartilhadas nas redes sociais, onde o discurso de ódio e as notícias falsas correm soltos; segundo, como explica o psiquiatra Luiz Scocca, porque há um excesso de expectativa. "Toda a expectativa das pessoas mais jovens, ainda mais presentes nas redes sociais, vêm aumentando nos últimos anos. Eles selecionam o que há de melhor para postar em suas redes sociais, explicitando essa busca por perfeição e resultados excelentes", analisa. Scocca revela que seus pacientes de 18 a 37 estão mais ansiosos com o futuro político do Brasil. "Quem não frequenta tanto as redes sociais, se mostra menos preocupado", analisa. Ainda assim, "o medo está contagiante".
A ansiedade tem algumas reações corporais que podem ser notadas, como o aumento dos batimentos cardíacos, tremores, transpiração exacerbada e sintomas relacionados à liberação de cortisol e adrenalina no organismo. Nas palavras de Luiz Scocca, toda essa ansiedade é um "mecanismo de defesa e alerta que se torna constante" criado pelo corpo. No Brasil, segundo pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% da população sofre com ansiedade. Ao todo, são 18,6 milhões de pessoas. O país também é o que tem maior taxa de depressão da América Latina. São 11,5 milhões de brasileiros que sofrem com esse problema; 5,8% da população.
Além de afetar a saúde mental, a falta de diálogo e a tolerância impactam também a forma como o debate público está sendo formado. É o que explica Eduardo Grin, cientista político e professor da FGV de São Paulo.
O Brasil tem hoje dois pólos políticos muito distantes. De um lado, o candidato de extrema-direita do PSL, Jair Bolsonaro, "que ficou conhecido por usar palavras de ordem", ressalta o analista. E, do outro Fernando Haddad, do PT, que leva o nome de um "partido presente nas últimas eleições, mas que falhou na economia". "O impacto disso é que valores conhecidos de liberdade de expressão e de convivência coletiva em uma democracia começa, aos poucos, a ser substituído por outros valores, como o ódio, a violência e formas irracionais de expressão", analisa Grin. Para ele, a entrada de Jair Bolsonaro na disputa eleitoral mudou as regras do jogo democrático, até então estabelecido: o presidenciável do PSL representa a entrada de um player de fora dos partidos mais tradicionais, assim como a ideia de um líder forte e autoritário que desafia alguns valores desse jogo, como a liberdade de expressão."Quanto mais polarizado for o contexto, maior a possibilidade de surgir partidos políticos anti-sistema", explica.
"O que temos que focar agora é como garantir o funcionamento da democracia", enfatiza Grin. "As instituições políticas são conquistas civilizatórias e elementos organizadores na sociedade. Vai existir um esforço muito grande independente do vencedor dessa disputa", conclui.