Lula e Lira: presidente da República e da Câmara se reuniram após ruídos na articulação política (Sergio Lima/AFP/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 5 de junho de 2023 às 14h21.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reuniu na manhã desta segunda-feira, 5, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tratar sobre a crise na articulação política do governo na Câmara.
A reunião aconteceu depois que a medida provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios foi aprovada às vésperas de perder validade e sob pressão contrária de deputados do Centrão. Após o encontro, Lira concedeu entrevista à CNN e deu alguns recados sobre a conversa com Lula.
Arthur Lira disse que a Câmara tem dado sinais de amadurecimento em aprovar pautas de interesse do governo, apesar de muitos partidos não comporem a base, mas ponderou que o "combustível está acabando".
"Eu entendo que nenhum partido deve se sentir obrigado a votar em matérias do governo sem ser base do governo. O que a Câmara tem feito é ter dado sinais claros de um amadurecimento, de uma civilidade política muito grande em negociar temas a distrito ao que eles representam, mas lógico que esse combustível está acabando. Esse sinal foi feito em reunião onde estavam todos os líderes da Câmara, oposição, independentes e do governo", disse Lira durante entrevista à CNN, após encontro com presidente no qual, segundo ele, foram tratados "problemas macros e projetos importantes".
Lira reforçou que o principal problema do governo é a falta de uma base efetiva e ponderou que o Executivo tem contado com a "boa vontade" dos partidos no processo de aprovação de matérias, como a MP dos Ministérios, aprovada às vésperas de perder a validade e sob pressão contrária de parlamentares do Centrão.
"O governo precisa fazer, junto com seus líderes e com quem trabalha na articulação, um processo de arregimentação de uma base que se mostre cristalina. Hoje o governo tem contado com a boa vontade desses partidos que estão votando republicanamente", avaliou o presidente da Câmara.
Lira confirmou que Lula se reunirá com líderes partidários nesta segunda-feira, em uma nova estratégia de articulação política do governo. Como mostrou a reportagem, o presidente convocou esta reunião diante das dificuldades claras na relação com o Congresso, inclusive de partidos da base. Antes reticente a entrar nas negociações, Lula se viu obrigado a rever a estratégia após o risco de derrota na medida provisória da reestruturação dos ministérios.
"Esperamos que dessa reunião o presidente possa ouvir, escutar e saber o que já sabe, porque todos os problemas inerentes da base do governo, que é atribuição da articulação, que é atribuição das lideranças do governo, ele precisa normalizar", disse Lira.
Lira disse que Lula exigirá que os ministérios, antes da elaboração e envio de medidas provisórias ao Congresso, discuta as matérias com ele e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). De acordo com Lira, ainda não há pacificação entre as duas Casas sobre o rito de tramitação das MPs.
"Uma coisa ficou clara na conversa hoje com o presidente. Ele falou que ia exigir dos seus ministros que antes do envio e da elaboração de qualquer medida provisória o governo conversasse com o presidente do Senado e com o presidente da Câmara. Por que isso? Porque não há ainda uma pacificação entre Câmara e Senado com relação à instalação de comissões mistas e rito de medidas provisórias”, disse Lira. Ele ponderou que houve melhora no diálogo com Pacheco, mas reconheceu que a discussão sobre MPs ainda não foi resolvida.
A tramitação das medidas provisórias atrasou no primeiro semestre por causa de um desacordo entre Câmara e Senado. Os deputados queriam manter o rito da pandemia, quando as MPs passaram a ser votadas primeiro no plenário da Casa Baixa e depois no da Alta, sem análise prévia de uma comissão mista. O Senado insistiu no retorno do rito descrito na Constituição, e as comissões mistas voltaram.
Essas medidas são editadas pelo Executivo e têm força de lei a partir de sua publicação por até 120 dias. Para continuarem valendo depois desse prazo, precisam de aprovação do Legislativo.
Lira disse que não tratou de nomeação para ministérios em reunião a sós com Lula, mas reconheceu que o governo terá que equilibrar o jogo na composição das pastas para ter maior conforto junto ao Parlamento.
"Câmara ficou nesta situação sub-representada (na divisão de ministérios) ou representada por decisões que não pertenceram diretamente a partidos. Se o governo escolheu essa maneira, lógico ele vai ter que mudar o rumo dessas escolhas e equilibrar esse jogo para que ele tenha maior conforto", afirmou. "Se foi feito certo ou errado, a situação que a gente vive hoje fala por si", reforçou.
Ele também disse não ter tratado de liberação de cargos e emendas em reunião com Lula nesta manhã, mas ressaltou as dificuldades na articulação. De acordo com Lira, o alerta feito pela Câmara na semana passada, com risco de derrota na medida provisória da reestruturação dos ministérios, foi um "bom recado para que o governo recomponha seu rumo a tempo".
"O Parlamento não vai faltar com temas importantes para o País, mas agora, todos líderes da casa, governo sabe, articulação sabe que o ponto fatal de consumo de combustível próprio do prestígio interno do presidente da Câmara e dos líderes para com os deputados está findando", alertou.
O presidente da Câmara afirmou que pediu ao presidente da República uma maior "ajuda" do governo na aprovação da reforma tributária. Lira prometeu pautar a matéria ainda neste semestre, antes do recesso parlamentar, mas disse que não poderia assumir o compromisso de aprovação da pauta.
"Eu quero pautar (reforma tributária), não posso assumir compromisso e a responsabilidade de aprovar. Eu, hoje na conversa, pedi toda ajuda ao governo, governo precisa se mobilizar porque medidas importantes para facilitação da angariação de votos no plenário dependem de medidas econômicas do Ministério da Fazenda, depende de medidas políticas do governo, depende de articulação também do governo com entes federativos, governadores, prefeitos de capitais e cidades pequenas e também dos setor privado", disse Lira durante entrevista.
Nos bastidores, parlamentares avaliam que falta um maior engajamento do presidente e do governo como um todo na aprovação da reforma tributária, que envolve interesses de diversos setores e entes. "Eu pedi, lógico, envolvimento do governo e o presidente tem realmente interesse nessa matéria, porque sabe que isso é importante para o País", continuou Lira.
Sobre a declaração do ministro da Casa Civil, Rui Costa, de que Brasília seria uma "ilha da fantasia", Lira afirmou que é preciso "comedimento" por parte desses ministros e disse que "essas coisas não ajudam", em meio à crise na articulação.
"O presidente da República, homem experiente, está literalmente a par de tudo que vem acontecendo e sabe das dificuldades e facilidades do processo como está a se desenrolar", disse Lira em entrevista. "Ele sai ouvindo sugestões e opiniões, lógico que isso é uma questão de cunho e escolha pessoal, ninguém está querendo indicar ninguém, ninguém está querendo escolher ninguém, mas há de se ter um comedimento por parte desses ministros, principalmente com declarações", continuou em referência a declaração dada por Rui Costa.
Ex-governador da Bahia, Rui Costa participou da inauguração do Hospital Regional Piemonte do Paraguaçu, em Itaberaba (BA), representando o governo federal, ao lado da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Durante o evento, o ministro afirmou que levar a capital do País para Brasília fez "muito mal ao Brasil" por "afastar" os congressistas da "vida das pessoas".
"Aquele negócio de botar a capital do País longe da vida das pessoas, na minha opinião, fez muito mal ao Brasil. Era melhor [a capital] ter ficado no Rio de Janeiro, ou ter ido para São Paulo, para Minas ou Bahia, para que quem fosse entrar num prédio daquele, ou na Câmara dos Deputados ou Senado, passasse, antes de chegar no seu local de trabalho, numa favela, embaixo de viaduto, com gente pedindo comida, vendo gente desempregada", declarou o ministro.
Apesar das críticas dos parlamentares com a articulação política do governo, comandada por Rui Costa e pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Lira evitou comentar que a troca dos dirigentes das pastas seja um caminho para melhorar a relação com o Congresso. Ele afirmou que determinadas escolhas são da cota individual do presidente.
O presidente da Câmara voltou a dizer que seu papel é de ser um "facilitador" e "desmistificar" a queda de braço constante entre "Lula e Lira". Ele ponderou, por outro lado, que o Congresso eleito tem um perfil liberal e conservador, com pautas próprias, e assumiu que determinadas matérias de governo terão dificuldades de serem discutidas.