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OPINIÃO: O Rio Grande do Sul está devastado; o gaúcho está mais forte do que nunca

O senso de identidade pode ser a chave não somente para a reconstrução, mas para uma grande aceleração econômica e social nos próximos 50 anos

Rio Grande do Sul: chuva já deixou 100 mortos no estado  (Porto Alegre City Hall/AFP Photo)

Rio Grande do Sul: chuva já deixou 100 mortos no estado (Porto Alegre City Hall/AFP Photo)

Márcio Carvalho
Márcio Carvalho

Arquiteto e urbanista

Publicado em 8 de maio de 2024 às 14h02.

Última atualização em 8 de maio de 2024 às 14h16.

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Porto Alegre, em maior ou menor grau, desde "a grande enchente" de 1941, vive à sombra da iminência de uma nova enchente. A cidade foi preparada, a partir deste ano, para resistir. Resistência é uma palavra importante para descrever o senso "geográfico" que nutriu a construção de diques, sistemas de bombeamento das partes baixas da cidade e outras estruturas. Entretanto, nos últimos anos, chuvas torrenciais ou prolongadas vêm gerando situações emergenciais e colocando à prova esse sistema de resistência.

Porto Alegre tem sistemas de diques, incluindo o muro da Mauá (dique), as avenidas Beira Rio e Castelo Branco, mas os sistemas de bombeamento apresentaram falhas e, por isso, permitiram o alagamento do Centro, Praia de Belas, Menino Deus e Cidade Baixa nos últimos dias. São bairros localizados dentro da área protegida pela "resistência urbana” projetada a partir de 1941. Então, foi algo inesperado, até porque essa "grande cheia moderna" elevou o nível do Guaíba para 4,76 metros, sendo superada pela "grande cheia contemporânea", de 2024, onde a água já chegou a 5,3 metros.

O senso geral é de "desorientação". Embora as equipes voluntárias estejam internamente organizadas, há um senso de "não saber o que fazer para ajudar".  O grupo atuando na produção de lanches, por exemplo, tem dificuldade de saber onde entregar e, às vezes, precisa rodar de abrigo em abrigo, pois não há uma estrutura de centralização de esforços. Muitos grupos de WhatsApp temáticos reuniram voluntários que acabaram organizando as necessidades específicas, o que é necessário e onde. E a comunicação acontece por meio destes grupos, priorizando as doações de qualquer tipo, de alimentos, higiene etc.

Estamos resolvendo um dia para planejar o próximo, de acordo com os "sensos" do que se obtém nos grupos temáticos do WhatsApp. Há grupos sobre produção e coleta de alimentos, marmitas e lanches, outros com listas online de abrigos e necessidades, grupos de resgate com links para cadastrar, em mapas online, pontos que precisam ser atendidos. A sociedade está se organizando de forma espontânea para estabelecer uma "defesa civil" paralela, enquanto os esforços de estado não chegam ou são insuficientes. Em cada ponto de recebimento de desabrigados, em cada abrigo, a maioria dos atuantes são voluntários da sociedade civil "em tentativa de organização". A cada dia, nós criamos um novo plano para apoiar a comunidade, de acordo com as prioridades mapeadas.

Trabalhar é exercer um papel na sociedade. Cada exercício profissional especializado supre uma necessidade da sociedade no micro, que funciona também em nível macro, como um organismo vivo de diálogo entre oferta e demanda. Os empresários têm, por definição, o papel de organizar esse sistema massivo, identificar necessidades e supri-las com seus produtos e serviços. E se organizar em entidades temáticas, estabelecendo o que conhecemos por "sociedade civil organizada". Nestas relações de representatividade e capacidade de geração e distribuição de recursos, para mim, reside uma das chaves de qualquer sistema democrático, onde a sociedade estabelece diálogos com estruturas de estado e governo a partir da capilaridade de suas percepções. Vimos muitas entidades se organizando rapidamente para o enfrentamento, pois já nutrem em suas bases esse senso profissional de gestão da entidade.

Acredito que o momento é de estabelecer, junto a governos e à estrutura de Estado, esse diálogo mais próximo. Para, como sociedade, identificar e encontrar formas organizadas de suprimento emergencial e de estruturação de planos de estado que são, portanto, de longo prazo, transcendendo governos e suas relações políticas. Um plano de resiliência não pode ser um plano deste ou daquele governo, nem desta ou daquela entidade. Deve, sim, ser um plano coletivo de futuro do estado do RS, a ser desenvolvido, executado e fiscalizado também de forma coletiva, unindo os poderes do estado e entidades da sociedade civil organizada que transitam em mandatos. Para projetar, executar e, principalmente, fiscalizar um plano de resiliência de longo prazo, cuja base executiva seja preparada por técnicos, não por políticos.

Isso precisará de recursos e mecanismos compatíveis com a velocidade de mobilização da sociedade civil organizada. E não com a burocracia do estado. É fundamental, como sociedade, diante de um potencial catástrofe ambiental, sabermos o que precisa ser feito e qual é o papel de cada um que se dispõe a voluntariar, engrossando a mão de obra necessária no enfrentamento da primeira onda.

Entretanto, mais importante ainda é entender que, no curto/médio prazo, haverá uma redistribuição no sistema. Demandas por infraestrutura e moradia serão emergentes, assim como o preenchimento de lacunas de mercado de trabalho deixado pelas empresas que não conseguirão resistir às consequências. E, neste ponto, investimento coletivo na geração de oportunidades de emprego e renda.

A base de um estado é a nação. O que vemos no Rio Grande do Sul é a força de um povo. "O Rio Grande do Sul pode estar devastado, o gaúcho, não. O gaúcho está mais forte do que nunca", ouvi do meu amigo e conterrâneo Roberto Sirotsky, grande empresário e ser humano. E não pode haver verdade maior. Quem não está ajudando em campo está consternado, se sentido em dívida com seu povo, por não poder fazer mais ou por estar bem, enquanto dezenas de milhares estão desabrigados.

Este senso de identidade ancorada no território em que habitamos é de uma potência inimaginável. E pode ser a chave para não somente a reconstrução, mas para uma grande aceleração econômica e social do Rio Grande do Sul nos próximos 50 anos.

*Márcio Carvalho é arquiteto e urbanista, empresário, presidente do Instituto Cultural Laje de Pedra e diretor da Associação de Amigos do MACRS - Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul. É também sócio-fundador e diretor da Smart Arquitetura para a vida Contemporânea e do Kempinski Laje de Pedra.

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