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Opinião: Longevidade cognitiva aprimorada (ou os 70 anos são os novos 50)

Pesquisa em 41 economias de mercado indica que, em média, uma pessoa de 70 anos em 2022 apresentava a mesma capacidade cognitiva que uma pessoa de 53 anos em 2000

Longevidade: Esse fenômeno, frequentemente descrito como “os 70 anos são os novos 50”, evidencia um notável processo de rejuvenescimento cognitivo nas gerações mais velhas (Westend61/Getty Images)

Longevidade: Esse fenômeno, frequentemente descrito como “os 70 anos são os novos 50”, evidencia um notável processo de rejuvenescimento cognitivo nas gerações mais velhas (Westend61/Getty Images)

Publicado em 3 de agosto de 2025 às 08h01.

Por José Eustáquio Diniz Alves* - A transição demográfica — caracterizada pela redução das taxas de mortalidade e natalidade — foi um dos fenômenos mais marcantes do século XX.

No século XXI, a principal dinâmica populacional global será a mudança na estrutura etária. Paralelamente à queda nas taxas de natalidade, a expectativa de vida ao nascer aumentou nas primeiras décadas dos anos 2000.

De modo geral, também houve avanço na expectativa de vida saudável, ou seja, o número de anos vividos sem doenças crônicas tem crescido em ritmo semelhante.

O capítulo 2 do relatório World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado em abril de 2025 e intitulado “The Rise of the Silver Economy: Global Implications of Population Aging”, destaca melhorias significativas nas capacidades físicas e cognitivas de pessoas com mais de 50 anos em várias economias avançadas — embora persista uma heterogeneidade expressiva entre diferentes grupos socioeconômicos.

O relatório mostra que, em muitos países, os indivíduos não apenas vivem mais, mas também envelhecem com melhor saúde, o que contribui para trajetórias profissionais mais longas e produtivas.

Além disso, a capacidade funcional dos idosos tem melhorado ao longo do tempo: as gerações mais recentes apresentam maior vigor físico e desempenho cognitivo superior em comparação com as gerações anteriores da mesma faixa etária.

Uma pesquisa abrangendo uma amostra de 41 economias de mercado — entre avançadas e emergentes — indica que, em média, uma pessoa de 70 anos em 2022 apresentava a mesma capacidade cognitiva que uma pessoa de 53 anos em 2000.

Esse fenômeno, frequentemente descrito como “os 70 anos são os novos 50”, evidencia um notável processo de rejuvenescimento cognitivo nas gerações mais velhas.


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Ao longo de uma década, esse avanço nas habilidades cognitivas tem sido associado a impactos significativos no mercado de trabalho: estima-se um aumento de aproximadamente 20% na probabilidade de pessoas mais velhas permanecerem ativas economicamente — seja trabalhando ou procurando emprego —, um acréscimo de cerca de seis horas na média de horas semanais trabalhadas, e um crescimento de 30% nos rendimentos do trabalho, entre os que estão empregados.

O gráfico abaixo ilustra essa evolução, demonstrando como, em média, indivíduos de 70 anos em 2022 possuem uma capacidade cognitiva comparável à de pessoas de 53 anos no ano 2000 — evidência clara do rejuvenescimento funcional e intelectual das atuais gerações mais longevas.

Ao mostrar que as capacidades cognitivas das pessoas de 70 anos hoje se comparam às de pessoas de 53 anos no ano 2000, o relatório do FMI indica uma transformação profunda na maneira como devemos entender o envelhecimento populacional — não apenas como um processo biológico, mas como um fenômeno social, econômico e cultural em rápida mutação.

1) Redefinição do que significa ser "idoso"

Se os septuagenários de hoje têm desempenho cognitivo semelhante ao de pessoas de meia-idade há duas décadas, então o limiar tradicional de “velhice” está desatualizado. Isso desafia indicadores clássicos de envelhecimento, como a proporção de pessoas com 60 anos ou mais, pois essas pessoas estão envelhecendo de maneira diferente — com maior autonomia, produtividade e capacidade de aprendizado.

2) Impactos na força de trabalho e aposentadoria

Com melhor cognição, muitas pessoas podem continuar trabalhando por mais tempo, especialmente em ocupações que exigem conhecimento, experiência e julgamento. Idosos mais ativos e mentalmente saudáveis tornam-se consumidores sofisticados, impulsionando setores como tecnologia, educação continuada, turismo, cultura e serviços financeiros. Ao contrário da narrativa do "envelhecimento como ônus", essas gerações podem continuar contribuindo economicamente, com aumento da produtividade, inclusive como empreendedores, cuidadores, professores e voluntários.

3) Mudança na razão de dependência e nos custos sociais

Melhores capacidades cognitivas significam menor necessidade de cuidados precoces, o que reduz os custos com saúde e assistência de longa duração no curto e médio prazo. Embora o risco aumente com a idade, melhorias em educação, estilo de vida e acesso à saúde cognitiva retardam o início e a severidade de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. Reforça-se a importância do investimento em educação, nutrição e estímulo cognitivo desde a infância até a velhice, promovendo a saúde e a educação diária e continuada.

4) Implicações para políticas públicas

Indicadores como "idade de dependência" precisam ser atualizados para refletir a nova realidade cognitiva e funcional dos idosos. Programas de capacitação contínua tornam-se centrais para garantir a inserção e adaptação dessas gerações às transformações tecnológicas e sociais. A educação ao longo da vida vale para todas as pessoas e para todas as faixas das gerações prateadas. A mobilidade e participação social de idosos cognitivamente saudáveis demanda cidades acessíveis, seguras e integradas.

5) Desigualdades intrageracionais

É importante destacar que essa melhoria média das capacidades cognitivas não é igual para todos. Diferenças por renda, gênero, raça, educação e região espacial persistem e devem ser reduzidas. A “geração prateada cognitivamente ativa” é majoritariamente composta por pessoas com melhor acesso à educação, saúde e ambientes sustentáveis. Neste sentido, políticas de equidade devem garantir que os benefícios desse avanço não se concentrem apenas entre os mais favorecidos e que haja universalização dos direitos básicos de cidadania.

6) Envelhecimento feliz

Não basta ter uma vida longa e saudável se não houver alegria de viver. O envelhecimento feliz - a experiência de bem-estar e satisfação na longevidade - importa porque, sem ela, a vida longa é um fardo. A alegria pode ser experimentada mesmo em situações supostamente adversas. Independentemente da idade, as pessoas podem optar por duas mentalidades: envelhecer como declínio ou envelhecer como crescimento contínuo. A mentalidade de declínio acredita que tudo piora à medida que você envelhece e depois morre. A mentalidade de crescimento vê o envelhecimento como um período de progresso contínuo para se tornar quem você é. Essa mentalidade reconhece não apenas os desafios e as perdas do envelhecimento, mas também as oportunidades e os pontos fortes.

7) O bônus do envelhecimento

O avanço das capacidades cognitivas nas gerações mais velhas desafia a ideia de que o envelhecimento populacional seja necessariamente um fardo. Em vez disso, ele pode representar uma janela de oportunidade demográfica, desde que as instituições, o mercado de trabalho, os sistemas previdenciários e as políticas públicas se adaptem a essa nova realidade. Isso exige um envelhecimento ativo, produtivo e inclusivo, com foco em justiça social e sustentabilidade intergeracional.

A longevidade cognitiva aprimorada está correlacionada com o aumento da produtividade social  e com a capitalização do 3º bônus demográfico da economia prateada. O envelhecimento populacional deve ser acompanhado da capacitação e do empoderamento dos cidadãos idosos, tanto como consumidores, mas principalmente como membros ativos e valorizados da comunidade.

Prosperar na velhice significa viver de forma plena, com propósito e satisfação, mesmo diante dos desafios que acompanham o envelhecimento. Trata-se de maximizar a saúde física, a função cognitiva, o bem-estar emocional, as conexões sociais e o senso de significado na vida. Prosperar não implica estar livre de dificuldades ou problemas de saúde, mas sim cultivar resiliência, adaptabilidade e a capacidade de encontrar valor e alegria no cotidiano. A longevidade bem-sucedida não ocorre por acaso: ela é fruto de escolhas, atitudes e ações que buscam, ativamente, elevar a qualidade de vida.

O envelhecimento da população deixou de ser sinônimo de declínio físico e mental. As chamadas gerações prateadas apresentam hoje nível de capacidade cognitiva significativamente superior ao das gerações anteriores na mesma idade, o que amplia seu potencial de contribuição econômica, social e cultural. Se "Os 70 anos se tornaram os novos anos 50", é fundamental que as oportunidades para os idosos se materializem de forma concreta nos níveis individual, local e nacional.

Nesse contexto, a longevidade cognitiva aprimorada não representa apenas uma extensão do tempo de vida, mas uma expansão das possibilidades de participação ativa e significativa na sociedade. Quando valorizada de maneira inteligente e inclusiva, essa nova condição dos idosos transforma-os em agentes de desenvolvimento:

  • No plano individual, vivem com mais saúde, autonomia e propósito.
  • No plano local, fortalecem comunidades e redes de solidariedade.
  • No plano nacional, impulsionam o crescimento econômico, a inovação e a coesão social.

Essa tríade representa um novo paradigma para o envelhecimento — não como uma carga, mas como uma vantagem estratégica e sustentável para o futuro da sociedade.


Referências:

ALVES, JED. O envelhecimento populacional é uma conquista civilizacional, Revista Exame, 29/03/2025

https://exame.com/brasil/opiniao-o-envelhecimento-populacional-e-uma-conquista-civilizacional/

World Economic Outlook. The rise of the silver economy: global implications of population aging, IMF, April 14, 2025 https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2025/04/22/world-economic-outlook-april-2025

 

 

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