A chamada “economia prateada” representa uma oportunidade estratégica para aproveitar o terceiro bônus demográfico, escreve o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves (Fernando Vivas/Exame)
Redação Exame
Publicado em 26 de abril de 2025 às 07h55.
Por José Eustáquio Diniz Alves*
O aumento da expectativa de vida da população mundial é uma conquista recente na trajetória da humanidade. Durante mais de 200 mil anos, desde o surgimento do Homo sapiens, as taxas de mortalidade e natalidade eram elevadas e o padrão de vida da maioria das pessoas era extremamente baixo.
Até o início do século XIX, grande parte das crianças morria antes de completar cinco anos, e mais da metade dos bebês não chegava à idade adulta. Crianças, adolescentes e jovens tinham um horizonte de vida limitado, e poucos conseguiam atingir a maturidade.
O custo humano, social e econômico da alta mortalidade era imensurável. A perda precoce de vidas comprometia o progresso humano e o desenvolvimento econômico, pois não há avanço sustentável do bem-estar sem a prevalência de vidas longas, capazes de acumular conhecimentos e experiências. Tampouco é possível alcançar prosperidade sem a ampliação das condições de saúde, educação e trabalho. Em outras palavras, o progresso das nações depende da disponibilidade de uma ampla rede de “capital humano”.
A transição demográfica foi fundamental para a superação da pobreza e o avanço do desenvolvimento humano em escala global. O Brasil, até meados do século passado, era um país majoritariamente rural, pobre, com uma economia frágil e pouco diversificada, além de altos índices de analfabetismo.
Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, o país vivenciou uma rápida queda na mortalidade e uma transformação significativa em sua estrutura etária. Essa mudança ocorreu em sinergia com o aumento da capacidade produtiva, a elevação da renda per capita e a melhoria nas condições de saúde, educação e proteção social.
Em 1950, a mortalidade infantil era de 157 óbitos a cada mil nascimentos; em 2025, caiu para 12 por mil — uma redução expressiva que reflete os avanços acumulados ao longo das décadas.
O gráfico abaixo, com dados da Divisão de População da ONU, mostra que, no Brasil, a expectativa de vida ao nascer era de 48,5 anos em 1950, chegou a 76,2 anos em 2025 e deve alcançar 86,8 anos em 2100. A expectativa de vida para as pessoas que chegaram aos 65 anos era de 11,6 anos em 1950, chegou a 18,1 anos em 2025 e deve alcançar 24 anos em 2100.
Desta forma, em 1950, os idosos brasileiros de 65 anos tinham uma sobrevida de 11,6 anos, alcançando em média 76,6 anos e, em 2025, a sobrevida passou para 18,1 anos, alcançando 83,1 anos. Em 1950, a percentagem de brasileiros que chegavam aos 65 anos era de 41,7%, esta percentagem passou para 81,3% em 2025. Uma expectativa de vida mais longa é, obviamente, uma conquista muito positiva.
A percentagem de brasileiros que chegavam aos 80 anos era de 13,2% em 1950, passou para 52,1% em 2025 e deve alcançar 79,2% em 2100. A percentagem de brasileiros que chegavam aos 100 anos era de somente 0,02% em 1950, passou para 1,5% em 2025 e deve alcançar 8,9% em 2100.
Portanto, não houve apenas um aumento da expectativa de vida ao nascer — impulsionado, sobretudo, pela redução da mortalidade infantil —, mas também um crescimento significativo da longevidade. Uma parcela cada vez maior da população passou a atingir os 65 anos, e até mesmo a proporção de pessoas que alcançam os 100 anos tem aumentado de forma notável.
A mudança na estrutura etária — resultante da queda da fecundidade — aliada ao aumento da longevidade, tem provocado uma transformação significativa na composição da população, com o crescimento proporcional do número de idosos.
De fato, no Brasil, a população com idade entre 0 e 49 anos já está em declínio, e o único grupo que continua a crescer é o de pessoas com 50 anos ou mais. A era da “oferta ilimitada” de trabalhadores jovens chegou ao fim, e as gerações 50+ passam a assumir um papel cada vez mais relevante na sociedade e na economia.
O Brasil conta não apenas com um número crescente de idosos, mas também com idosos que vivem por mais tempo. Uma das três leis da dialética afirma que “mudanças quantitativas acumuladas em um sistema ou processo, em certo ponto crítico, levam a uma mudança qualitativa”. É exatamente isso que está ocorrendo no país: o aumento quantitativo da população idosa tem o potencial de se converter em uma mudança qualitativa profunda.
Atualmente, mais de 81% dos brasileiros vivem até os 65 anos, e mais de 52% alcançam os 80 anos.
Com a prevenção de doenças e o avanço da medicina, a tendência é de que a mortalidade se concentre em torno de uma idade biológica máxima, ao invés de se estender indefinidamente. Esse fenômeno é conhecido como "compressão da mortalidade" — um conceito demográfico que descreve a concentração das mortes em idades mais avançadas, reduzindo a variabilidade na idade de óbito.
Se o crescimento da proporção de idosos saudáveis vier acompanhado de inclusão social e de sua inserção ativa e colaborativa na sociedade, a população idosa deixará de ser vista como um fardo e passará a ser reconhecida como um vetor de progresso pessoal e social. Promover um envelhecimento ativo e saudável é essencial, não apenas para garantir qualidade de vida aos idosos, mas também para gerar impactos positivos na economia.
Prolongar a longevidade saudável não é apenas uma exigência ética — é também uma estratégia de inteligência econômica. A maior riqueza é a saúde. A seguir, apresentamos uma síntese dos benefícios desse processo, organizada em dois eixos: pessoal e econômico/social.
• Saúde preventiva e bem-estar: acesso regular à saúde com consultas de rotina, exames preventivos e vacinação; alimentação balanceada e rica em nutrientes, adaptada às necessidades da idade; exercícios físicos regulares com caminhadas, dança, natação, musculação leve e saúde mental com combate à solidão, apoio psicológico, atividades cognitivas (leitura, cursos, jogos).
• Participação social: o voluntariado contribui para o senso de propósito e pertencimento; as atividades comunitárias permitem oficinas, rodas de conversa, clubes, eventos culturais e o uso da tecnologia facilita a inclusão digital viabilizando a conexão com familiares, aprendizado e entretenimento.
• Educação ao longo da vida: a educação continuada pode ocorrer com cursos livres, EJA (Educação de Jovens e Adultos) e universidades abertas à terceira idade. A manutenção da curiosidade intelectual e adaptação ao mundo em transformação aumenta o diálogo intergeracional e fortalece o capital humano.
• Autonomia e segurança: o envelhecimento deve ser acompanhado de moradias adaptadas, transporte acessível, políticas de proteção contra violência e abuso e de apoio ao planejamento financeiro e previdenciário para garantir independência econômica.
• Estilo de vida sustentável: uma longevidade com baixo impacto ambiental envolve hábitos ecológicos com baixa emissão de carbono, com consumo consciente e uma vida mais conectada à natureza.
• Longevidade produtiva: estímulo à permanência voluntária no mercado de trabalho com condições flexíveis; valorização da experiência e conhecimento acumulado por pessoas idosas e criação de políticas que favoreçam o empreendedorismo na terceira idade.
• Economia da longevidade: geração de novos mercados: turismo sênior, moda adaptada, tecnologia assistiva, cuidados personalizados e investimento em produtos e serviços voltados para esse público movimenta a economia.
• Redução de custos em saúde: prevenção e promoção da saúde reduzem a incidência de doenças crônicas e internações hospitalares e ações em saúde pública voltadas para o envelhecimento ativo reduzem a pressão sobre os sistemas de saúde.
• Coesão social e intergeracional: integração entre gerações fortalece laços sociais, previne o isolamento e incentiva trocas de conhecimento e políticas inclusivas que envolvam todas as idades promovem estabilidade e desenvolvimento sustentável.
Envelhecer de forma saudável e ativa não significa apenas viver mais, mas viver melhor — tanto do ponto de vista individual quanto social. Os jovens podem acabar passando várias décadas interagindo ativamente com seus avós e bisavós, o que teria implicações significativas para a transferência de conhecimento e valores em um novo mundo de gerações sobrepostas e empresas absorvendo as vantagens da diversidade etária.
A chamada “economia prateada” representa uma oportunidade estratégica para aproveitar o terceiro bônus demográfico. O primeiro passo para concretizar os dividendos da longevidade é desmistificar mitos negativos sobre idosos e superar o preconceito etário. A segunda metade da vida deve ser encarada com a mesma esperança, expectativa e rigor que a primeira metade.
Construir uma longevidade que seja saudável, sustentável, produtiva, colaborativa e feliz exige a articulação entre políticas públicas, sociedade civil, iniciativa privada e o engajamento de cada indivíduo. Trata-se de um esforço coletivo e individual voltado para o progresso de todas as pessoas e para a construção do bem-estar das nações.
Referências:
ALVES, JED. Os desafios e oportunidades do envelhecimento populacional brasileiro, Exame, 24/01/2025
ALVES, JED. A crescente força das gerações prateadas no Brasil, Exame, 22/02/2025
ALVES, JED. O envelhecimento populacional é uma conquista civilizacional, Exame, 29/03/2025