Lava Jato: dinheiro das propinas da Petrobras circulou não só em paraísos fiscais, mas também em países com legislação severa (José Cruz/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 13h45.
São Paulo - Pelo menos oito delatores da Operação Lava Jato condenados pelo juiz federal Sérgio Moro foram ouvidos, ou estão em tratativas, de acordos de colaboração com autoridades de investigação dos Estados Unidos, Itália, Suíça e Peru.
O objetivo é identificar pessoas, empresas e bancos envolvidos com a movimentação de parte dos R$ 6,4 bilhões de propinas, desviadas da Petrobras, entre 2004 e 2014, que circulou em contas - algumas delas secretas - não só de paraísos fiscais, mas de países em que as leis contra os crimes financeiros são severas.
Foram ouvidos ou procurados para prestarem depoimentos quatro ex-funcionários da Petrobras, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento, Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional, Eduardo Musa, ex-gerente de Internacional e ex-Sete Brasil, e Pedro Barusco, ex-gerente de Engenharia.
Estão na lista ainda pelo menos dois executivos do cartel, Augusto Mendonça, dono do Grupo Setal, e Eduardo Leite, ex-executivo da Camargo Corrêa. Além dos operadores de propinas Alberto Youssef, doleiro, e Julio Camargo, lobista.
Nos Estados Unidos, onde o combate à lavagem de dinheiro virou prioridade, depois dos ataques do 11 de Setembro, em 2001, as conversas de membros do Departamento de Justiça com delatores da Lava Jato tiveram como foco a identificação de pessoas físicas e jurídicas que praticaram crimes em território norte-americano, apurou o jornal O Estado de S. Paulo.
As colaborações são feitas individualmente com os delatores, via defesas, sem a participação oficial dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato ou de órgãos do Ministério da Justiça.
Não há acordo de cooperação internacional, nesses casos, como o feito quando é pedida a quebra de sigilo bancário de uma conta na Suíça, por exemplo - que são feitas via Ministério da Justiça.
As tratativas individuais com os delatores são feitas com base em acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, de cooperação, que permite que o Departamento de Justiça norte-americano busque individualmente os investigados, que podem evitar serem alvo de processo naquele país.
Os acordos com os delatores são para possíveis investigações a serem abertas por autoridades norte-americanas e não têm relação com as ações movidas por acionistas da Petrobras - por prejuízos gerados na empresa, que tem ações na Bolsa de Nova Iorque, e que atingirão diretamente o caixa da estatal.
Além de questionarem os delatores sobre lavagem de dinheiro em solo norte-americano e pessoas e empresas locais envolvidas, o interesse foi a movimentação financeira das propinas nos bancos.
Há grupos de trabalho em Nova York e Washington. Um dos casos sob apuração trata da compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, em 2005 - caso emblemático do esquema Petrobrás, com prejuízo de quase R$ 1 bilhão.
A reportagem apurou, com profissionais com acesso às tratativas, que os acordos com os delatores da Lava Jato não buscam a recuperação de recursos, como nos feitos no Brasil, em que os delatores tiveram que devolver valores recebidos ilegalmente.
Em troca da colaboração com investigadores do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os delatores garantem o benefício de não serem processados pelos crimes cometidos no país. A Lei Anticorrupção dos Estados Unidos estipula que a Justiça norte-americana pode responsabilizar e punir executivos de empresas estrangeiras envolvidas em fraudes, praticadas em seu território.
As negociações acontecem em um momento em que a Lava Jato começa a expandir para outros países. Na semana passada, os procuradores da força-tarefa que iniciou as apurações, em 2014, ganhou um dos mais importantes prêmios anticorrupção dado pela entidade Transparência Internacional.
Os acordos em negociação com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos foram alvos de questionamentos da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nas primeiras audiências do processo com Moro, na 13ª Vara Federal, em Curitiba, em que ele é réu por corrupção e lavagem de R$ 3,7 milhões, pagos pela OAS, em forma de benesses no apartamento tríplex do Guarujá (SP).
Em entrevista coletiva à imprensa, na última semana, o advogado de Lula Cristiano Zanin Martins levantou suspeitas de irregularidades nos acordos com os Estados Unidos.
Um dos pontos questionados é a suposta participação do Ministério Público Federal brasileiro, como intermediador dessas negociações. "Estamos apurando como ele estão atuando", disse o advogado.
Segundo apurou a reportagem, nas conversas com quatro dos oito delatores da Lava Jato, as autoridades do Departamento de Justiça dos Estados Unidos não questionaram os interrogados sobre Lula. O Ministério Público Federal informou que não comenta assuntos sob sigilo.