Eduardo Bolsonaro: ele é o nome de maior influência na confusa bancada do PSL no Congresso e ligado à corporação policial (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 9 de fevereiro de 2019 às 08h00.
As eleições de 2018 deram à Polícia Federal a oportunidade de conquistar uma bancada na Câmara. São três delegados e três agentes que, somados aos demais candidatos que entraram na disputa, mas não se elegeram – um deles se tornou suplente de senador pelo Pará – alcançaram um total de quatro milhões de votos, pouco mais de 3% do eleitorado, mas o suficiente para marcar presença na “nova era” da política.
A estrela cintilante do bloco é o deputado Eduardo Bolsonaro, o mais votado da história das eleições para o Legislativo (foram mais de 1,8 milhão de votos por São Paulo), o 03 do presidente Jair Bolsonaro, nome de maior influência na confusa bancada do PSL no Congresso e ligado à corporação policial que tem como atribuição o combate ao crime organizado e à corrupção, bandeiras da candidatura do pai.
Policial federal, o 03 é, também, a grande esperança dos agentes, que brigam para tirar um naco do poder dos delegados, numa luta interna de quase 30 anos. Escrivão licenciado, Eduardo é amplamente favorável às propostas que a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) encampou: uma reforma da segurança pública que comece pela reestruturação nas polícias, com carreira única nas corporações, ciclo completo de investigação (qualquer órgão de repressão começa e termina um caso), desmilitarização das PMs e o fim do inquérito policial, fonte do poder absoluto dos delegados federais e civis. Para emplacar a reforma, a entidade pretende pressionar governo e Congresso.
Mas, ainda que encampada por Eduardo, não é fácil levar a reforma adiante; o projeto esbarra nos planos do superministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, que levou para a Esplanada dos Ministérios todos os delegados que integravam a “República de Curitiba”, espinha dorsal da Operação Lava Jato. O ex-juiz é mais suscetível ao lobby dos delegados, que comandam as investigações e nunca aceitaram abrir mão do poder.
Na segunda passada (04), Moro lançou um pacote anticrime, propondo mudanças na legislação – da prisão após segunda instância e crime para caixa 2 ao endurecimento de penas. Criticado por juristas e advogados, o pacote também prevê o excludente de ilicitude – anistiando ou reduzindo a pena de crimes cometidos por policiais em serviço.
O foco, segundo Moro, é o enfrentamento a organizações violentas, como PCC, Comando Vermelho e milícias – calcanhar de Aquiles do governo Bolsonaro. Nenhuma das medidas, porém, toca na reestruturação dos órgãos policiais ou no sistema de segurança atual.
“O ministro Moro está cercado de um grupo de delegados conservadores. O crime cresceu e se organiza, enquanto patinamos num modelo de segurança retrógrado e corporativo, que não consegue solucionar mais de 8% dos crimes violentos”, cutuca o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luiz Antônio Boudens.
Ele defende um plano de segurança perene, para além de governos, que começaria por um pacto entre órgãos policiais federais e estaduais para colocar na pauta política uma reforma estrutural do sistema de segurança. A liderança de Eduardo é vista como um trunfo para levar esse projeto adiante.
Já os delegados torcem o nariz. “O Eduardo Bolsonaro foi um bom escrivão, mas não é conhecido dentro da Polícia Federal por participar de alguma grande operação”, disse à Pública, o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvanir Félix de Paiva.
Neste início de legislatura, Eduardo Bolsonaro tem se desviado dos holofotes. Com o foco das atenções nas suspeitas que pairam sobre o irmão, o senador Flávio Bolsonaro, ele prefere atuar nos bastidores. Crítico do atual modelo de segurança, ele articula uma proposta que comece no legislativo e receba o apoio do governo.
Em palestras fechadas antes das eleições do ano passado, Eduardo disse várias vezes que vê “com bons olhos” a carreira única na polícia, desde que haja uma transição até que a figura do delegado deixe de ser a única autoridade. “Falam pra mim: pô, você não gosta de delegado. Critico os gestores, não o delegado. Sei que há um desgaste muito grande dentro da PF entre delegados e agentes, mas é como na PM, entre praças e oficiais”, afirma.
Eduardo também bate forte no inquérito policial, peça que para ele tornou-se desnecessária, uma vez que tudo o que se apura na fase policial se repete quando o caso chega ao judiciário. “O inquérito que a gente tem no Brasil é um modelo arcaico, que só se encontra no Zimbábue, Zaire e um ou outro país perdido na Ásia”, critica.
No modelo proposto pela Fenapef, a investigação teria um rito mais curto e seria vinculada ao Ministério Público ou ao Judiciário, eliminando a necessidade de formalizar tudo num inquérito que não tem importância jurídica sem a denúncia.
O deputado do PSL acha que é necessário fazer mudanças, mas sabe que isso significa comprar briga com a cúpula da polícia. “Se meter o dedo vai desagradar”, disse, em palestra a uma das turmas que se prepara para concursos a vagas na PF.
A carreira como policial federal do caçula dos filhos adultos de Jair Bolsonaro foi breve. Em 2009 ele se inscreveu em dois concursos, um para agente e outro para escrivão. Optou pelo segundo porque as chances eram maiores, já que eram 400 vagas contra 200. Na prova deixou em branco 12 questões relacionadas a arquivologia e informática, mas acertou 80 das 88 que respondeu e alcançou a 132º posição.
Seu batismo de fogo foi em Guajará Mirim, em Rondônia, na fronteira com a Bolívia, onde, além de escrivão, exerceu praticamente todas as atividades de polícia, do grampo às prisões. A principal clientela da polícia ali era traficante de cocaína.
A vida na fronteira durou apenas seis meses. Aprovado num concurso interno de remoção, Eduardo foi transferido em meados de 2010 para São Paulo e passou a atuar apenas como escrivão no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, mais tarde na sede da Superintendência da PF, na Lapa e, de lá, para Angra dos Reis, no Rio, já no final de 2014.
O policial federal Eduardo Bolsonaro foi, a rigor, como ele mesmo se autodefine, um “papeleiro”, o escrivão que encaminha mandados de prisão, buscas, intimação e põe no papel depoimentos e tudo mais que se movimenta num inquérito policial. “É um trabalho chato, que ninguém quer”, explicou aos concurseiros em uma palestra.
Seu período de atividade mais intensa foi no Aeroporto de Cumbica, recordista mundial em apreensão da cocaína transportada pelas “mulas” que vagam pelo planeta a serviço do tráfico internacional. Se enfrentou alongados e estafantes plantões para dar conta das prisões em flagrante, também tinha ali, a ponte aérea a seu alcance para descansar e fazer política ao lado do pai e dos irmãos no Rio.
A experiência policial seria um trampolim. Mal completara quatro anos na PF, optou pela carreira política. Por decisão da família, como tinha domicílio na capital, saiu candidato a deputado federal por São Paulo, um jeito de consolidar o poder político da família no eixo Rio-São Paulo e, ao mesmo tempo, não disputar com o pai uma vaga para a Câmara em 2014 nas bases que erigiram o clã no Rio.
Formado em direito pela UFRJ, Eduardo optou pela polícia depois de uma temporada de três meses como advogado estagiário na Vara de Execuções Penais da Defensoria Pública do Rio, em 2008. Diz que se decepcionou com o trabalho ao assistir uma defensora entrar na repartição comemorando o livramento condicional de um criminoso que, segundo ele, “tinha uma ficha criminal do tamanho do velho testamento”. Descobriu, então, que sua vocação era trabalhar para prender e não para soltar criminosos.
Eduardo herdou os trejeitos bélicos do pai. Ainda que tenha sido um “papeleiro” na PF, tem pose do policial operacional, tipo “cana pé na porta”. Diz que o “tesão de qualquer policial é pegar peixe grande, tipo Zé Dirceu” e participar de grandes operações. Mas avisa aos candidatos que “só meio por cento” dos policiais consegue participar de forças-tarefas como a Lava-Jato.
Eduardo carrega sempre uma pistola (ele diz isso), atira bem e nunca deixa de praticar. Não há registro de que tenha prendido ou matado algum criminoso. Ele conta que numa noite, quando voltava a pé para casa, na Lapa, em São Paulo, deparou com uma cena em que três ladrões assaltavam um estudante. Assim que a vítima passou por ele, sacou a arma e fez vários disparos para cima. Em vez de levarem as mãos à cabeça, como esperava, os ladrões fugiram, levando a mochila do estudante.
Na sequência do mesmo relato, diz que num conflito, “para não fazer mamãe chorar”, jamais colocaria a preservação do delinquente em primeiro lugar: “Esquece (a opção) de dar um tiro no joelho do cara. É um na cabeça, direto. Depois você desenrola”, disse, ao aconselhar os candidatos a uma vaga na PF, numa palestra em Cascavel, em julho do ano passado, a mesma em que afirmou que para fechar o Supremo Tribunal Federal era necessário apenas um cabo e um soldado, sem jipe.
Em todas as palestras em que falou sobre a carreira policial a candidatos que se preparavam para concursos, Eduardo repete detalhes sobre a vida difícil na fronteira, destino certo para quem está assumindo o cargo e onde viu muitos casamentos terminarem, critica procuradores e promotores que denunciam policiais pelo uso excessivo da força e invariavelmente ataca os defensores dos direitos humanos.
Bem antes do resultado da eleição, Eduardo Bolsonaro já garantia que uma das primeiras medidas do pai seria a edição do decreto que liberou a posse de armas, substituindo a comprovação de efetiva necessidade por uma simples declaração. “No porte dá para fazer a mesma coisa. Mas não seria para todo mundo, e sim por categoria”, afirmou à época, antecipando a próxima etapa da estratégia para derrubar o Estatuto do Desarmamento.
Os estudos para o concurso forçaram Eduardo, um carioca típico, a trocar o Rio por Brasília e São Paulo, e o afastaram do lazer predileto: as praias, as festas e os amigos. Mas o aproximaram cada vez mais do pai, de quem herdou o estilo verbal agressivo em contendas, mesmo que o oponente seja uma mulher.
“Otária”, “puta”, “vagabunda”, teria despejado contra a jornalista Patrícia Lélis, segundo consta na denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, quando esta, em julho de 2017, teria rompido um namoro de três anos. Dodge formalizou o pedido de abertura de processo com base no conteúdo de supostos prints guardados por Lélis, já que Eduardo, que usou o aplicativo Telegram, teria apagado as mensagens cinco segundos depois.
O “tom ameaçador” das “frases trocadas entre o congressista e a vítima”, segundo Dodge, é ilustrado na denúncia com prints das mensagens: “Eu acabo com sua vida”, “Tinha que ter apanhado mesmo (…) pra aprender a ficar calada”, “Mais uma palavra e acabo com vc”, “Somos fortes”, “Vai para o inferno, puta”, “Você vai se arrepender de ter nascido”, “Mais uma palavra (…) e eu vou pessoalmente atrás de você”, de autoria “demonstrada nas mensagens originadas de número vinculado ao Deputado Federal Eduardo Nantes Bolsonaro”, sempre segundo a denúncia.
Dodge levou a denúncia ao STF em abril de 2018 por ameaça por palavra ou gesto. No lugar da pena prevista, prisão de um a seis meses, a PGR fez uma proposta de transação penal (um tipo de acordo) com multa por danos morais a ser paga para a jornalista e pagamento mensal de 25% do salário de deputado, por um ano, ao Núcleo de Atendimento às famílias e aos autores de violência doméstica; além de prestação de serviços à comunidade por 120 horas, em um ano, na instituição Recomeçar – Associação de Mulheres Mastectomizadas de Brasília.
O STF notificou a defesa em novembro passado para que ela dissesse se aceita ou não o acordo, mas só na terça-feira passada (05), a defesa do deputado se manifestou desqualificando a versão de Patrícia à polícia, que consta da denúncia da PGR.
À Pública, Eduardo Bolsonaro disse que nunca namorou nem teve relação com a jornalista e que Lélis, segundo ele “uma mitômana diagnosticada” por perícia policial, tem uma longa carreira de denúncias mentirosas e delirantes (Veja a entrevista exclusiva do deputado à Pública).
Ele agora é um diplomata informal do governo, com a missão de articular parcerias internacionais.
Pupilo do controverso filósofo Olavo de Carvalho, Eduardo Bolsonaro usou os caminhos sugeridos pelo guru do bolsonarismo para se aproximar do estrategista americano Steve Bannon, ex-conselheiro do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Em um jantar em sua casa, Bannon anunciou a parceria com Eduardo Bolsonaro dentro da ideia de unir a direita internacional e organizar uma agenda de segurança inspirada nos métodos do FBI. Buscará também o apoio de Israel e de outros países.
Eduardo Bolsonaro ouviu de Olavo de Carvalho que se o novo governo conseguir avançar no controle da violência já terá atendido a expectativa da população. Passou então a investir numa aproximação mais intensa com os Estados Unidos.
“O Eduardo Bolsonaro é o protagonista da segurança e interlocutor importante para as mudanças. Seu gabinete sempre funcionou como extensão de nossas ‘casas’”, afirma o vice-presidente da Fenapef, Luiz Carlos Cavalcante, que defende parceria inspirada no modelo americano.
Cavalcante diz que até o choque de modernização em meados do século passado, os americanos enfrentaram as mesmas mazelas que ainda afetam a polícia brasileira: alta corrupção, assassinatos, ineficiência e desvios de toda ordem. Mas, segundo ele, investiram pesado na construção de uma doutrina de segurança que tornou o FBI e demais agências referências internacionais.
“É só pegar a polícia que dá certo no mundo”, diz Eduardo Bolsonaro, para quem nem seria necessário buscar inspiração no modelo americano. Ele diz que serve o exemplo do Chile, onde os carabineiros resolvem 98% dos crimes. O vice-presidente da Fenapef, afirma que uma polícia autônoma, auxiliada por órgãos de controle a serviço das investigações, como o COAF, longe das influências políticas e com independência financeira seria essencial.
“Da mesma forma que atingiu o PT, o chicote do COAF agora é no filho do presidente (o senador Flávio Bolsonaro). É assim que se age com independência e liberdade”, diz Cavalcante. Nesse quesito, agentes e delegados concordam.
“Não podemos ficar na dependência de governantes para trabalhar. Precisamos uma nova lei que junte orçamento, o fim das indicações políticas e mandato definido para o cargo de diretor. A cadeira deve ir até ele, e não o contrário”, diz Paiva. “A gente fez na marra uma PF de Estado”.
Com um quadro atual de 10.800 homens e sem concursos que reponham profissionais no ritmo das aposentadorias ou baixas por mortes, desde 2010 a PF perdeu 4.500 vagas. “Espero que ao ir para o STF daqui a dois anos, o ministro Sérgio Moro deixe como legado a reestruturação da PF”, afirma Paiva.
O deputado Eduardo Bolsonaro tem dito aos policiais que se empenhará para que seu pai faça mudanças profundas na PF e no sistema de segurança. Sua meta, cumprindo um dos principais compromissos de campanha, é reduzir os índices de violência e intensificar o combate a corrupção, com o fortalecimento de operações fundamentadas em forças-tarefas, como foi a Lava-Jato. A mudança, segundo o 03, começaria pelo estilo de a família governar.
“Quando meu pai decidiu sair candidato, fizemos um pacto: a gente não vai para a cadeia! Não vamos comprar o Congresso, não vai ter mensalão, petrolão. Morro de medo de ser preso”, disse Eduardo seis meses antes do irmão, o senador Flávio Bolsonaro, o 01, se ver envolvido nas suspeitas que pairam sobre as condutas de seu motorista, Fabrício Queiroz.
Antes das suspeitas de prática de “rachadinha” nos salários de funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, e de movimentações financeiras acima de rendimentos de seu assessor, enredado na teia das milícias cariocas, Eduardo, numa palestra a concurseiros da PF pronunciou uma frase emblemática: “Se a jiripoca cantar para o nosso lado, vai ser rápido”, disse ele, sugerindo que, no caso de frustração, a perda de apoio popular e político teria o efeito de uma avalanche sobre o governo de seu pai.
“Os agentes querem transformar os delegados em cargos comissionados. Mas eles precisam ter consciência de que suas bandeiras não serão implementadas”, provoca o delegado Paiva, dizendo que a categoria sabe que os agentes assediam o filho para se aproximar do pai.
Segundo ele, a estratégia é fomentada pelo Ministério Público Federal que também estaria interessada em acabar com o inquérito para tirar poder dos delegados e, assim, assumir definitivamente o protagonismo das investigações contra a corrupção.
Novato na política, o agente Ubiratan Antunes Sanderson, ex-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul, eleito deputado pelo PSL, diz que a reforma do sistema de segurança será colocada na pauta da Câmara assim que governo e Congresso decidirem o que fazer com a Previdência.
Sanderson considera que o lobby exercido até aqui pelos delegados é forte, mas acredita que a reforma desejada pelos agentes ganhará força pela ineficiência do atual modelo de investigação, num país com quase 64 mil assassinatos por ano, está por trás dos baixos índices de solução de crimes. “Mais à frente, a questão será o que fazer com os delegados. O Jair me disse que investirá em todos os quadros e que a PF terá toda a independência que precisa”, afirma o deputado.
É esse também o argumento de Boudens, presidente da Fenapef: “A dificuldade em solucionar casos como Marielle Franco (morta junto com seu motorista, Anderson Gomes) se deve mais ao nosso modelo ineficaz de investigação, que é de 1840, do que por outros fatores”.
Na avaliação dos dirigentes de entidades classistas, a PF tornou-se um ativo institucional tão importante que forçará naturalmente uma a queda de braço entre Moro e o filho do presidente, replicando no núcleo duro do governo, o conflito entre agentes e delegados.
*Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Pública.