O STF pode anular os direitos políticos de Dilma Rousseff?
Em um processo marcado por controvérsias, sentença final do impeachment de Dilma vira razão para disputa no STF
Dilma Rousseff após seu impeachment fala no Palácio da Alvorada no dia 31 de agosto de 2016 (REUTERS/Bruno Kelly)
Talita Abrantes
Publicado em 2 de setembro de 2016 às 15h21.
São Paulo – Em um processo marcado por controvérsias e questionamentos ao Supremo Tribunal Federal (STF), decisão do Senado de manter os direitos políticos de Dilma Rousseff (PT) mesmo após impeachment leva a crise política de volta para a mais alta corte do país.
Desde ontem, ao menos seis mandados de segurança pedindo a anulação da segunda parte da votação do julgamento final da petista foram protocolados no Supremo. A expectativa é de que PSDB, DEM e PMDB entrem com outra ação nesta sexta (2).
A princípio, o Senado faria apenas uma votação para determinar o impeachment e a inabilitação de Dilma Rousseff, conforme previsto na Constituição. No entanto, aliados da petista no Congresso entraram com um pedido para fatiar a votação em duas — algo que foi acatado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que presidiu o julgamento.
No total, 42 senadores votaram pela inabilitação política da ex-presidente – eram necessários 54 votos para cassar os direitos políticos dela.
Todos os pedidos protocolados até o momento partem do pressuposto de que a decisão é inconstitucional e abre um pretexto perigoso no cenário jurídico nacional.
A decisão pode ser anulada pelo STF?
Todo processo de impeachment é composto por um viés jurídico e outro político. Mas, na prática, são as ações políticas que determinam o seu resultado já que são os parlamentares que assumem o papel de juízes no processo. Com isso, raramente o Supremo interfere nessas decisões colegiadas.
“Em matéria de impeachment, o STF pode pouco porque assim quer a Constituição, que confiou ao Senado e não ao STF o processo e o julgamento do presidente da República na matéria”, disse ontem no Twitter o ex-ministro da corte Joaquim Barbosa.
Seguindo essa lógica, segundo ele, é “dificílimo” que o STF reverta a decisão de livrar Dilma da inabilitação dos direitos políticos. “O raciocínio é simples: se o próprio Senado que a tirou brutalmente do cargo, num segundo momento 'tirou o pé do acelerador'... irá o STF cassar-lhe um direito que os senadores entenderam por bem preservar?", escreveu.
De acordo com o professor Oscar Vilhena, da FGV Direito SP, indagação semelhante se seguiu à sentença de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Antônio Ribeiro/Veja
Rosane e Fernando Collor de Mello, com a faixa presidencial, durante sua posse na Presidêndia da República.
Quando renunciou antes da votação final do Senado, Collor tinha o objetivo de se livrar da segunda parte da pena por crimes de responsabilidade: a inabilitação política. Para impedir isso, o Senado de 1992 considerou que fim do mandato e direitos políticos eram penas separadas. Por 71 votos a 8, os senadores determinaram a inabilitação política de Collor por 8 anos.
Naquele momento, o STF também foi questionado, mas optou por manter a sentença dos parlamentares. “O Supremo entendeu que a decisão do Senado é soberana”, diz Vilhena. "Ainda que não pareça a opção mais acertada, quem tem competência para dar a última palavra no julgamento do impeachment é o Senado".
A decisão é inconstitucional?
Para Paulo Blair, professor de Direito Constitucional da Universidade Brasília (UnB), a decisão dos senadores está em desacordo com a regra de impeachment estabelecida na Constituição Federal.
De acordo com ele, o fim do mandato e a inabilitação política “não são penas cumulativas, nem acessórias. Elas são o núcleo da mesma pena”, afirma. Em outros termos, elas estariam vinculadas — uma não poderia ser efetivada sem a outra.
“O sentido da norma é inequívoco, não é salutar para as instituições que o sentido expresso da norma se dobre a vontades de qualquer natureza”, afirma o advogado eleitoral Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei Ficha Limpa.
Essa interpretação, contudo, não é unânime no meio jurídico.
Em entrevista ao projeto História Oral, da FGV, o ex-ministro do STF Sidney Sanches, que conduziu o julgamento de Collor, relata que afirmou aos senadores que existiam duas interpretações sobre o tema: uma que defende que as duas penas são vinculadas e outra, que elas são autônomas. Ele, então, delegou ao Senado a escolha por qual interpretação adotar no caso.
Na visão de Vilhena, da FGV, a mesma lógica serve para pautar o processo mais recente. “De acordo com o precedente do próprio Senado, são [pena] autônomas. Ele pode aplicar uma sem aplicar a outra”, diz.
A decisão pode salvar Cunha?
REUTERS/Adriano Machado
Deputado Eduardo Cunha durante sessão da CCJ da Câmara, em Brasília
Em um primeiro momento se questionou as reais intenções do Congresso para abrandar pena de Dilma Rousseff. Questionou-se até se isso abriria um precedente para livrar políticos com o mandato cassado da inelegibilidade.
“Evidente que isso pode contribuir para outras decisões do Congresso em que eventuais políticos que tenham seu mandato cassado reinvidiquem que mantenham sua pena de suspensão de direitos aplicada. O Congresso vai caso a caso decidir”, afirma Oscar Vilhena. “Isso é um problema”.
De acordo com os juristas, a sentença do Senado, no entanto, não esvazia o efeito da Lei da Ficha Limpa. “No caso da Ficha Limpa é uma condenação que se dá no Judiciário”, afirma Vilhena. Não dependendo, portanto, da sanção dos parlamentares.
Com isso, de acordo com Marlon Reis, a Ficha Limpa pode ser usada como uma espécie de antídoto para impedir que parlamentares cassados ou condenados voltem a se candidatar para cargos eletivos por até oito anos.
“Se o deputado Eduardo Cunha for cassado, a medida de ineligibilidade ocorre automaticamente sem depender da vontade dos congressistas, basta a cassação. Não se trata de uma medida que se possa entender que eles podem cassar e não permitir a que ele fique inelegível”, afirma Reis.
A Lei Ficha Limpa determina a inelegebilidade por oito anos de um político que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado. O texto da norma, no entanto, não versa sobre casos de impeachment. Por isso, coube ao Senado reinterpretar a Constituição.
Na manhã de hoje, o presidente Michel Temer (PMDB) minimizou a decisão do Senado de poupar Dilma Rousseff (PT) da pena de ficar longe de cargos públicos por até oito anos. Segundo ele, isso seria apenas “ um pequeno embaraço”.
Vale lembrar que a decisão — que contou com o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB) — foi pivô do primeiro estremecimento da base de Michel Temer após o impeachment.
São Paulo – O julgamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi finalizado na tarde desta quarta-feira. Ela foi declarada culpada de cometer crimes de responsabilidade fiscal durante o seu mandato. O processo foi iniciado em dezembro do ano passado, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, aceitou uma denúncia contra a ex-presidente. Nos últimos dias, o Brasil acompanhou o julgamento da petista. Os 81 senadores brasileiros serviram de júri no processo. Durante a sessão (que foi dividida em diversos dias), defesa e acusação puderam levar testemunhas e fazer suas sustentações. O dia mais importante foi a segunda-feira, quando Dilma Rousseff compareceu como ré frente ao Senado. Lá, fez sua defesa e foi questionada por 47 senadores. Veja a seguir os dias do julgamento de Dilma Rousseff em fotos.
2. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o relator do processo, o senador Antonio Anastasia, no segundo dia de julgamento do impeachment - 26/08/2016zoom_out_map
2/18(Reuters)
Todo o julgamento final do processo contra Dilma Rousseff foi conduzido pelo presidente do STF Ricardo Lewandowski. O ministro foi paciente e tentou se distanciar ao máximo de disputas partidárias. Antes do início do julgamento, se esperava uma posição de serenidade e pulso firme por parte de Lewandowski. Foi isso que o Brasil viu durante os longos dias no Senado. Na foto, tirada durante o julgamento, o ministro aparece ao lado do senador Antonio Anastasia (PSDB). Anastasia foi o relator do processo e votou a favor da condenação de Dilma Rousseff.
Uma das figuras centrais de todo o processo de impeachment de Dilma Rousseff foi a jurista Janaína Paschoal. Autora do pedido de impedimento e acusação no processo, ela foi de extrema dedicação. Em poucas oportunidades Paschoal deixava o plenário. Na foto, ela está cercada por senadores.
Do lado da defesa, quem atraiu as atenções foi o advogado José Eduardo Cardozo. Ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União do Brasil, ele foi o responsável pela defesa de Dilma Rousseff. Na foto, ele aparece ao lado de Ricardo Lewandowski e dos senadores Raimundo Lira (PMDB) e Ronaldo Caiado (DEM) no primeiro dia o julgamento do impeachment.
Um episódio muito comentado do segundo dia da sessão foi a discussão entre Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, e Gleisi Hoffman (PT). A senadora petista disse que o Senado não tinha moral para julgar Dilma Rousseff. Calheiros começa uma fala para acalmar todos os presentes, mas acaba falando mais do que deveria.
Aécio Neves foi outra figura central do julgamento. Ex-rival de Dilma Rousseff na corrida pela Presidência, em 2014, ele foi o senador ao qual Dilma dedicou mais tempo em sua resposta quando questionada no Senado. Na foto, Aécio conversa com o presidente da sessão, Lewandowski.
A segunda-feira, dia 29 de agosto, foi o dia de maior importância em todo o julgamento. Nele, Dilma Rousseff compareceu ao Senado na condição de ré. Ela fez um longo discurso, no qual relembrou o período do regime militar, além de seu tratamento contra um câncer. Dilma respondeu a perguntas diretas de 47 senadores.
Para sua defesa, Dilma foi acompanhada de seu padrinho político ao Senado. O ex-presidente Lula acompanhou o pronunciamento e as respostas de Dilma das galerias do Senado. Ele também usou seu tempo para conversar com senadores e para tentar mudar votos e evitar o impeachment da ex-presidente.
Outra presença de renome no dia que Dilma compareceu ao Senado foi o músico Chico Buarque. Opositor ferrenho ao impeachment, ele ficou sentado ao lado de Lula nas galerias do Senado. Durante a visita, ele disse que aquela era sua última oportunidade de conhecer o Palácio da Alvorada, já que não deveria se convidado novamente pelo próximo presidente.
A segunda-feira foi uma maratona de perguntas e respostas para Dilma. Ao final do dia, a ex-presidente evitava se alongar em respostas. O motivo era simples: sua voz estava acabando. Em certo momento, ela disse preferir não fazer uma pausa, já que a qualquer momento ficaria incapaz de continuar falando com senadores.
Enquanto no Senado a conversa era civilizada (ao menos na maior parte do tempo), fora o clima era outro. Em São Paulo, manifestantes contra o impeachment e a Polícia Militar entraram em confronto na Avenida Paulista. Na foto, o protesto aconteceu na segunda-feira. No dia seguinte, as cenas se repetiram.
O dia 30 de agosto foi marcado pelas sustentações finais da acusação e da defesa. Na imagem, Janaína Paschoal dá suas últimas palavras no julgamento de Dilma Rousseff. Na ocasião, ela atribuiu a Deus a composição de todo o processo.
Também no dia 30 de agosto, terça-feira, José Eduardo Cardozo fez sua sustentação de defesa. Ele foi elogiado por membros do PT. Mesmo assim, ele não foi capaz de virar o jogo e mudar os votos de muitos senadores. Na manhã do dia seguinte, o Brasil veria que os votos necessários para a cassação de Dilma seriam dados.
A quarta-feira dia 31 de agosto foi o grande dia. 81 senadores deram seus votos sobre se Dilma havia infringido a lei de responsabilidade fiscal durante seu mandato. O resultado final foi 61 votos a favor do impeachment e 20 votos contra. O efeito: Dilma sofreu impeachment e não poderá completar os quatro anos no poder.
A Avenida Paulista, em São Paulo, foi tomada por pessoas comemorando o resultado. A avenida foi palco de algumas das principais manifestações políticas contra (e a favor) de Dilma Rousseff ao longo dos últimos meses.
Após o resultado, Dilma Rousseff fez um pronunciamento ao país. Nele, a ex-presidente sustentou a tese de que houve um golpe parlamentar. "Por mais de 13 anos, realizamos com sucesso um projeto que promoveu a maior inclusão social e redução de desigualdades da história de nosso País", disse. Veja o pronunciamento na íntegra aqui.
Após a votação, Michel Temer compareceu ao plenário do Senado. Lá, tomou posse como presidente em definitivo do Brasil. Durante a tarde, o presidente fez a primeira reunião ministerial.
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