Bárbara Ferreira Santos
Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 07h30.
Última atualização em 9 de fevereiro de 2017 às 07h30.
São Paulo – A indicação do ministro afastado da Justiça, Alexandre de Moraes, para substituir a cadeira de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF) colocou em debate a forma como a indicação para a maior corte do país é feita.
Indicado pelo presidente Michel Temer (PMDB), Moraes teve suas credenciais colocadas em xeque para assumir o posto, principalmente pela ligação com o Executivo. Além de ser um ministro do governo vigente, ele ocupou outros cargos de confiança, como o comando da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB), e é filiado ao PSDB.
Por ter uma forte ligação com o governo, críticos têm apontado conflitos de interesses entre Moraes e as funções do cargo para o qual ele foi indicado. Como ministro do STF, ele seria, por exemplo, o revisor da Operação Lava Jato, que investiga políticos ligados ao PMDB, partido de Temer, e ao PSDB.
Especialistas ouvidos por EXAME.com afirmam que o Supremo precisa revisar a forma como os ministros são selecionados, para evitar favorecimento ao Executivo e ao Legislativo nos processos. A discussão está em pauta entre magistrados e congressistas há muitos anos, bem antes do início do governo Temer e da chegada da polêmica envolvendo Alexandre de Moraes.
Em sua tese de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), defendida em 2000, o próprio ministro da Justiça afastado defendeu que ocupantes de cargos de confiança não possam assumir uma cadeira do Supremo exatamente por caracterizar conflito de interesse.
Na segunda-feira, o presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira Neto, disse que, embora a entidade concorde com a indicação de Moraes para o cargo, o país precisa promover uma mudança na forma de seleção do STF. “Estamos trabalhando para que haja uma discussão e futura automação no sistema de indicação”, disse Neto. Uma das ideias que ele abraça é a de que o próprio STF inicie o processo de indicação ao montar uma lista tríplice, que seria encaminhada para a escolha do presidente e depois submetida ao Senado.
Para Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, uma reforma no Supremo é “possível, viável e importante” de ser feita. “O que você tem hoje é um processo político insuficiente em termos de controle, com a ideia de que só o Senado é suficiente para barrar conflito de interesse com a presidência”, afirmou o especialista.
Ele disse que a sabatina no Senado tem, historicamente, caráter homologatório da decisão do presidente, sem um “teste adequado e maduro se o candidato possui as características necessárias” para o cargo.
Glezer questiona também o curto tempo de discussão dos nomes indicados para o cargo, que não permite um debate social aprofundado. “O que é possível ser feito neste momento é cobrar que a sabatina seja bem feita no Senado, sem pressa”, afirmou o professor.
Como o modelo brasileiro foi copiado do sistema americano, o presidente é o responsável pela indicação do candidato e o Congresso é quem é responsável por sabatinar o escolhido, dando o aval ou não para a nomeação.
“O problema é que, na prática, essas sabatinas são muito mais rápidas no Brasil e não são tão profundas quanto as dos EUA. Lá, não é incomum o nome indicado ser rejeitado”, afirmou Roberto da Silva Ribeiro, consultor legislativo do Senado Federal e que escreveu artigos sobre os projetos que tramitam na casa com propostas de alteração do sistema de seleção de ministros do STF.
Segundo Ribeiro, atualmente há pelo menos 12 projetos tramitando no Congresso sobre essa pauta. No entanto, apenas um deles já passou da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e está pronto para ser votado no plenário da casa. Todos os outros estão em discussões iniciais.
O especialista afirmou que, entre os modelos que tramitam no Senado, estão a formação de uma lista tríplice pelo presidente e até mesmo uma lista com nomes sugeridos por órgãos da magistratura (como o STF e a AMB), de advogados (como a Organização dos Advogados do Brasil), de parlamentares e do executivo.
“É preciso racionar esse poder de escolha, que hoje está concentrado na figura do presidente”, afirmou Ribeiro. “O ministro do Supremo pode decidir temas que vão ser de interesse da população e do Congresso sem se submeter a um crivo das urnas. Isso demonstra a importância da votação para escolher quem vai ficar no cargo.”
Tanto Ribeiro quanto Glezer defenderam um limite de tempo para o mandato dos ministros do STF, regra comum em cortes europeias. “Ao mesmo tempo, deveriam ser impostos limites para as atividades depois do mandato. Quem atuou como ministro do STF não poderia exercer advocacia porque tem influência demais e poder demais. Tem que ter mais transparência no processo e mais controle posterior à saída também”, afirmou Rubens Glezer.