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O rolo compressor de Temer

Para analistas e parlamentares, Temer não fez mágica para conseguir os resultados da PEC do teto, apenas retomou o básico de um presidencialismo de coalizão

 (Paulo Whitaker/Reuters)

(Paulo Whitaker/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 28 de outubro de 2016 às 16h57.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h53.

A semana foi de comemoração no Palácio do Planalto. O presidente Michel Temer e sua equipe passaram no primeiro teste de articulação com o Congresso ao aprovar em segundo turno a PEC 241, do teto de gastos públicos, na Câmara dos Deputados. A medida que limita as despesas à inflação é vista como o primeiro passo para o ajuste fiscal, mas foi a expressiva votação que animou o governo.

Os 366 votos no primeiro turno, no último dia 10, e 359 na terça 25, mostram que a base de Temer segue coesa, indicando que os partidos deverão apoiar a PEC 241 também no Senado. É esperada uma proporção de votos parecida, na casa de 60 senadores, e sem alterações de texto. Cumpridas as expectativas, ao fim do mês de novembro estará pronta para entrar em vigor. Com todas as idas e vindas e as incertezas que ainda dominam o governo, em um ponto Temer tem cumprido as expectativas – o Congresso, com ele, não deve ser problema.

Após a aprovação do texto-base da PEC em plenário, o clima era de festa entre deputados aliados do governo. O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE) atribuiu o sucesso da votação ao diálogo. “Nunca tivemos um presidente da República que dialoga tanto com os deputados”, disse.

Quem vê a união entre Executivo e Legislativo dos tempos atuais chega a desacreditar que este é o mesmo Congresso com que Dilma Rousseff se digladiou. Em poucos meses, o governo acalmou os ânimos de parlamentares revoltos e os colocou novamente em direção aos interesses do Planalto.

Trabalhando tanto no impeachment quanto na PEC 241 com 70% de votos favoráveis no Congresso, lembra a atuação de um rolo compressor que passará adiante qualquer pauta.

Para analistas políticos e os próprios parlamentares consultados por EXAME Hoje, Temer não fez mágica, apenas retomou o básico de um presidencialismo de coalizão. “Ao longo da trajetória de Dilma, ficou caracterizado o relacionamento que ultrapassava a displicência, falta de atenção e até de respeito com o Congresso Nacional. Com Temer foi da água para o vinho, por conta de uma experiência congressual notável”, afirma Antônio Imbassahy, líder do PSDB na Câmara.

Na oposição, o deputado José Guimarães (PT-CE), ex-líder do governo na Câmara durante o governo Dilma, diz que o determinante foi a sedução de Temer aos parlamentares pela promessa de repartição de cargos ao articular seu futuro governo. “O PT não tinha problemas no primeiro mandato de Dilma, nem nos anos de Lula. Começou a não formar maioria assim que passou a ser construída a ideia do golpe e como seriam prestigiados aqueles que colaborassem”, diz. O líder do DEM, Pauderney Avelino, diz que era Dilma quem apelava aos cargos.

Para os analistas políticos, o loteamento de cargos, foi feito por Dilma, está sendo feito Temer, e deve continuar a ser feito enquanto as regras do jogo forem essas. É, afinal, um dos pilares para manter a governabilidade no presidencialismo de coalizão. A diferença entre eles está na relativa liberdade dada aos comandantes das pastas dada pelo peemedebista. “Hoje, 11 ministros são membros do legislativo ou presidentes nacionais de partido. Temer chamou o Legislativo para dentro do Executivo para dividir parte da resolução dos problemas”, afirma Juliano Griebeler,
cientista político da consultoria Barral M Jorge.

“Os ministérios não tinham liberdade para serem formuladores de políticas públicas, o que tirava influência do ministro. Recebiam ordens da Casa Civil para agir de forma A, B ou C. Não que hoje sejam 100% independentes, mas mandam sugestões para a Casa Civil, que avalia o que segue”, diz Lucas de Aragão, diretor da consultoria Arko Advice e colunista de EXAME Hoje.

Nos meandros de Brasília, em que parecer poderoso é tão importante quanto ter poder de fato, a simbologia desses detalhes importa. Participar de uma reunião, sentar à mesa, tirar uma foto, levar a família para jantar no Palácio e, principalmente, mostrar que está alinhado a uma política vencedora para a eleição que virá é bom para o ego e para pretensões no próximo pleito.

O resultado dos métodos de Temer se mostrou cedo. Um levantamento da Arko Advice, de agosto, mostra alguns frutos desse cenário. Michel Temer teve média de apoio na Câmara como interino maior do que Dilma em seus dois mandatos. Pautas favoráveis ao governo então provisório tiveram apoio de 54% dos parlamentares, enquanto a ex-presidente teve 48%. Os mais fiéis a Temer são partidos nanicos – e mais suscetíveis a cargos e proximidade com o poder – como PRTB, PRP, PHS, PPS e PSC.

O teste vem aí

Nada disso, obviamente, é garantia de sucesso nas pautas futuras. Nos bastidores da votação da PEC, EXAME Hoje ouviu parlamentares admitirem que aquela pauta era mais tranquila porque tinha efeitos mais distantes da população e influenciava pouco no dia a dia do eleitorado. A reforma da Previdência, que vem a seguir, terá, segundo eles, tramitação muito mais difícil, com manifestações populares muito mais contundentes. Será a hora do teste de verdade.

Mas os números expressivos de agora geram confiança de que o governo terá força para aprovar também reformas mais duras. A previdência deve levar a um déficit de 181,2 bilhões de reais no Orçamento de 2017, com tendência de severa alta para o futuro, puxada pelo envelhecimento da população. A XP Investimentos estima que, sem as reformas, a dívida bruta do país poderia chegar perto dos 110% do PIB em cerca de 10 anos.

A tendência é que o governo envie um texto duro para que tenha margem de corte e de barganha para negociar. Até o momento, sabe-se apenas que o Planalto quer idade mínima de 65 anos para o pedido de aposentadoria, para quem tem no mínimo de 25 anos de contribuição

“Projetos mais polêmicos, que têm mais proximidade com o dia a dia da base eleitoral, podem causar divergências mais sérias na base do governo. Vale para Previdência, para reforma trabalhista. Mas não dá para acreditar em reprovação. Precisa perder mais de 50 votos”, diz Juliano Griebeler, da Barral M Jorge. Ainda assim, é improvável que o texto seja aprovado na íntegra, como aconteceu com a PEC do Teto. Aprovar entre 60% e 70% do texto original, no cálculo de analistas políticos, já seria um grande negócio.

Amor e ódio

Ainda que popular no Congresso, Temer sofre nas ruas. A última pesquisa de opinião é a Ibope de outubro, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que mostra 14% de avaliações boas e ótimas. É um ponto percentual a mais que a edição anterior do levantamento, enquanto ruim e péssimo estaciona em 39%.

A consequência é insatisfação demonstrada pela população. Durante a votação da PEC, na terça, um grupo de estudantes chegou a ser retirado da galeria da Câmara por gritos contra a proposta, mas sem esquecer o tradicional “Fora, Temer”. O protesto, evidentemente, partiu de um nicho muito específico (e organizado) da população. Mas o temor é que o aborrecimento cresça com a tramitação da Previdência.

“A aprovação não sobe pelo momento de avaliação negativa de todos os políticos. A economia muito ruim e o desemprego acabam conspirando junto na avaliação do governo. Tem que aguardar para ter os resultados, mas acho que as pessoas percebem a vontade de acertar”, afirma Imbassahy, do PSDB.

O caminho ainda parece distante. Ainda mais depois desta quinta-feira 27, quando Temer ironizou com empresários um protesto de centrais sindicais contra a flexibilização dos direitos trabalhistas na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto. Em provocação que não faz seu estilo, disse ao público do evento: “Quem sabe, quando os senhores saírem, convidam aqueles que estão lá fora [para trabalhar em suas empresas]”. A frase deixa claro: a chance de Temer fazer um governo no mínimo razoável está em sua habilidade com o Congresso. Decididamente, o endosso não virá das ruas.

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