Brasil

O que muda para o trabalhador com a decisão de Gilmar Mendes sobre pejotização? Entenda

A visão de especialistas é que a suspensão temporária da tramitação dos casos diminui a insegurança jurídica do país em relação à questão, além de criar uma perspectiva de pacificação dos casos

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 17 de abril de 2025 às 06h01.

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de suspender todos os processos sobre a pejotização coloca as disputas judiciais sobre o tema em um ponto crucial, segundo advogados trabalhistas ouvidos pela EXAME. A visão dos especialistas é que a suspensão temporária da tramitação dos casos diminui a insegurança jurídica em relação à questão, além de criar uma perspectiva de pacificação dos casos.

A chamada pejotização é uma prática pela qual uma empresa contrata um trabalhador sob a forma de pessoa jurídica (PJ) para exercer funções típicas de um vínculo trabalhista, mas sem garantir os direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como férias, 13º salário, FGTS e demais benefícios. Esse modelo tem gerado diversos processos, pois trabalhadores questionam a validade dessas contratações.

Esse tipo de contrato é comum em diversos setores, como representação comercial, corretagem de imóveis, advocacia associada, saúde, artes, tecnologia da informação, entregas por motoboys, entre outros.

O Supremo já julgou ações sobre possíveis casos de fraude em contratações PJ. Segundo a pesquisa “Terceirização e pejotização no STF: análise das reclamações constitucionais”, realizada pela FGV Direito-SP, 6 em cada 10 casos analisados entre janeiro e agosto de 2023 confirmaram relações de terceirização. Os casos, porém, não criaram um entendimento sobre a questão. Por isso, tribunais regionais avaliaram ações semelhantes de diferentes formas pelo país.

Dados do painel Corte Aberta, citados pelo portal Jota, mostram que pela primeira vez reclamações trabalhistas superaram as civis no STF. O montante representou 42% do total. Em um ano, o número de ações quase dobrou, de 2.594 em 2023 para 4.274 em 2024. 

Na Justiça do Trabalho, a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) ocupa a 16ª lugar no ranking de assuntos mais debatidos, com mais de 285 mil processos em tramitação.

O que vai mudar com a decisão de Gilmar Mendes sobre pejotização

A medida cautelar de Mendes, referendada pelo plenário da Corte, não resolve o mérito da questão. O ministro definiu que o STF determinará, em um julgamento de repercussão geral, quais critérios e como a Justiça deve analisar casos de contratação de PJs para avaliar eventuais fraudes, além de definir se a Justiça do Trabalho é o tribunal competente para avaliar casos semelhantes.

"O que vemos hoje é que a Justiça do Trabalho tem interpretado de formas diferentes a validade da contratação de PJs, e essa divergência só aumenta a insegurança jurídica. O Tema 1389 é crucial porque discute pontos como a competência para julgar fraudes, a legalidade da contratação de autônomos e PJs, e a responsabilidade pela prova", afirma Karolen Gualda Beber, advogada e coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Manssur Advogados.

A advogada destaca que dar um entendimento único é essencial para a segurança jurídica das empresas, pois, na sua avaliação, a "interpretação da Justiça do Trabalho tem prejudicado a autonomia das empresas".

"A uniformização do entendimento sobre a licitude da contratação de PJs é fundamental para promover maior segurança jurídica para todas as partes envolvidas", diz.

O que esperar do julgamento sobre a pejotização?

Priscila Ferreira, mestra em Direito do Trabalho pela PUC-SP e sócia do escritório Ferreira & Garcia Advogados, afirma que espera que o julgamento do mérito no STF precisa reforçar o equilíbrio, para conciliar modernização produtiva com respeito aos direitos sociais fundamentais.

"O Direito do Trabalho não pode se descolar de sua função protetiva originária [do trabalhador]. Espera-se que o julgamento de mérito no STF reforce esse equilíbrio", diz Ferreira.

Ela afirma ainda o equilíbrio entre a liberdade contratual e a dignidade do trabalhador é frágil e exige análise casuística, isto é, caso a caso.

Leonardo Carvalho, sócio da área Trabalhista do escritório Barreto Veiga Advogados, concorda e espera que o Supremo adote um posicionamento que considere as peculiaridades de cada caso, como a remuneração dos profissionais. Ele cita o conceito de hiper suficiência, profissional que tem diploma de nível superior e ganha um salário alto. 

"Essa abordagem ajudaria a diferenciar trabalhadores mais sofisticados, que têm conhecimento do contrato que estão assinando. Isso poderia se tornar um parâmetro para definir o que é a pejotização e quando ela seria legal", diz.

O especialista avalia que a legislação atual, que inclui a reforma trabalhista realizada em 2017, tem uma base sólida sobre conceitos de trabalho autônomo, relações de prestação de serviços e CLT. O problema é a interpretação, na prática, dessas leis.

"O STF tem um papel importante em esclarecer essas interpretações, mas, no fundo, a questão é saber se a prática do trabalho autônomo está sendo respeitada ou se há uma subordinação, que caracterizaria um vínculo de emprego", afirma.

Carvalho esclarece ainda que o STF, neste caso, não vai tratar da uberização, conceito que envolve a relação entre um prestador de serviço e uma plataforma ou aplicativo, como motoristas da Uber ou 99.

Assim como a pejotização, a relação envolve trabalho autônomo, mas tem diferenças estruturais e também não é pacificada, com decisões diferentes a depender do tribunal.

Acompanhe tudo sobre:Supremo Tribunal Federal (STF)JustiçaMercado de trabalho

Mais de Brasil

Como regularizar o título de eleitor: prazo acaba na segunda-feira

IBGE: casamentos homoafetivos masculinos diminuem, mas aumentam entre mulheres

Número de nascimentos no Brasil em 2023 foi o menor dos últimos 45 anos, aponta IBGE

Justiça de SP volta a suspender operação de mototáxi na cidade após recurso da Prefeitura