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O que Sérgio Moro no governo significa para Bolsonaro, o PT e a Lava Jato

"É boa para o Bolsonaro, pois dialoga com quem é simpático a ele, mas também reforça a teoria da conspiração", diz Humberto Dantas

Moro: o mundo político reagiu de forma dividida à nomeação, enquanto o mercado financeiro respondeu com euforia (Rodolfo Buhrer/Reuters)

Moro: o mundo político reagiu de forma dividida à nomeação, enquanto o mercado financeiro respondeu com euforia (Rodolfo Buhrer/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 1 de novembro de 2018 às 13h56.

Última atualização em 1 de novembro de 2018 às 19h38.

São Paulo - O juiz virou político: nesta quinta-feira (01), Sérgio Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PSL) e com isso abandona definitivamente a magistratura.

O mundo político reagiu de forma dividida à nomeação, enquanto o mercado financeiro respondeu com euforia e a imprensa internacional destacou a ambiguidade do caso.

"Bolsonaro promete emprego sênior para o juiz que prendeu o seu rival", diz a manchete do jornal conservador britânico The Times.

De acordo com cientistas políticos, a decisão reforça ao mesmo tempo o discurso anticorrupção da campanha de Bolsonaro e a narrativa de que o juiz é parcial e perseguiu o PT (Partido dos Trabalhadores) para ganho próprio.

"O Moro é um símbolo desse maniqueísmo e sua indicação mantém os ânimos esticados. É boa para o Bolsonaro, pois dialoga com quem é simpático a ele, mas também reforça a teoria da conspiração", diz Humberto Dantas, professor de ciência política da FESP-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

A defesa do ex-presidente Lula entrou ontem com um pedido de absolvição ou anulação do processo em que ele é acusado de receber um terreno da Odebrecht como pagamento de propina, alegando que Moro não tem competência para julgar a ação.

Anna Julia Menezes, advogada especialista em direito penal e processual do escritório Vilela, Silva Gomes e Miranda Advogados, acredita que daqui para frente todas as defesas de envolvidos em processos com o magistrado usarão o argumento de parcialidade.

"Essa escolha de Moro é algo único na história do Brasil e abre margem para que aleguem isso", ressalta, notando que a interpretação de parcialidade é difícil de ser provada na Justiça e fica sob responsabilidade do Supremo Tribunal Federal (STF). 

"É um alento para o PT porque dá gás para a ideia de que tudo que o Moro e a Lava Jato queriam era tirar o partido do poder, colocar outro lá e se aproveitar disso. Mas a Lava Jato não é só o Moro e prendeu muita gente que não é do PT", diz Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas e colunista de EXAME.

Ele acredita que a sobrevivência da operação não está em jogo, devido ao fato da maior parte das investigações já estar em curto e não depender do juiz, além de terem como base a legislação de 2013 das delações premiadas que permanece em vigor.

Até que se haja um novo nome, quem ficará responsável pela 13ª Vara Federal de Curitiba, onde estão os processos criminais da Lava Jato, será a juíza substituta Gabriela Hardt.

Ela já atuou em casos da operação, como ao determinar a prisão do ex-ministro José Dirceu em maio deste ano, quando Moro estava em Nova York.

Atuação no governo

Outra grande dúvida é de como será a atuação de Moro, que afirmou em mais de uma ocasião que nunca entraria na política, dentro do governo federal.

Bolsonaro promete independência e uma estrutura de "superministério", mas a transição da lógica do Poder Judiciário para a do Poder Executivo e a sua falta de experiência administrativa podem pesar.

Também não se sabe como será sua relação com o presidente e seu efeito sobre a governabilidade. Como Moro vai lidar com figuras dentro do governo que são investigadas, por exemplo?

Onyx Lorenzoni, confirmado ministro da Casa Civil, já confessou ter recebido e não declarado R$ 100 mil de um empresário durante a campanha eleitoral de 2014, o que configura o crime de caixa 2.

Alberto Fraga, aventado pelo próprio Bolsonaro como possível ministro da secretaria de governo dias antes do segundo turno, também é condenado por corrupção. Sua nomeação foi descartada hoje pelo próprio Fraga.

Ética e legalidade

Ao aceitar ser ministro da Justiça, Sérgio Moro deve se afastar imediatamente das audiências e investigações, mas a sombra da sua nomeação pode recair sobre acontecimentos dos últimos meses.

Uma semana antes do primeiro turno, Moro quebrou o sigilo de parte da delação do ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. O vice-presidente eleito Hamilton Mourão também disse que Moro já havia sido contatado pela equipe de Bolsonaro durante a campanha.

O episódio vem se somar a outras polêmicas, como o grampo da ex-presidente Dilma Rousseff, em que Moro foi repreendido pelo STF e se desculpou, e seu questionamento da ordem de soltura de Lula em julho, quando ele entrou em campo no meio de suas férias e desafiou a hierarquia do Judiciário.

"Em termos éticos, não tem dúvida de que o Moro é questionável sobre diversos aspectos. Ele estava no centro das atenções e deixou que isso acontecesse", diz Dantas.

"Ele leva como maior qualidade ao ministério o prestígio. Mas a reputação dele, e da Lava-Jato por consequência, já está arranhada", diz Praça.

Em relação aos próximos passos, a tendência é que outros juízes já estejam a par das questões que Moro cuidava.

"O volume de trabalho é gigantesco, por isso já existem pessoas preparadas para assumir suas tarefas", explica Carla Rahal, advogada criminalista, sócia do escritório Viseu Advogados.

Anna Júlia explica também que haverá uma seleção de alguns juízes que têm a mesma competência que Moro — que não escolherá seu substituto.

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