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O que falta para o Brasil adotar o voto facultativo?

Especialistas divergem se este é o momento de discutir um sistema de voto opcional ou se devemos esperar mais

Urna eletrônica: encontro obrigatório a cada dois anos (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Urna eletrônica: encontro obrigatório a cada dois anos (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 29 de setembro de 2016 às 06h00.

Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 11h36.

São Paulo – Sempre que chega uma eleição vem a pergunta: por que ainda somos obrigados a votar?

Há muito tempo se discute a possibilidade de instauração do voto facultativo no Brasil. Mas são diversos os fatores que travam a discussão, em especial a vontade política para tal.

A mudança de regra teria que tramitar como Proposta de Emenda Constitucional (PEC), com votação em cada Casa do Congresso em dois turnos, mais sanção presidencial.

Atualmente, é a Lei Nº 4737/1965 que determina o voto como obrigatório no Brasil, além dos dispositivos e penas a quem não comparece ao pleito. Além de multa de 3% a 10% do salário mínimo na região, o eleitor pode travar seu passaporte e ser impedido de assumir cargos públicos, por exemplo.

Com a imposição, o país segue na tendência contrária ao resto do mundo. O estudo World Fact Book, da CIA, detalha o tipo de voto em mais de 230 países no mundo e mostra que o Brasil é um dos (apenas) 21 que ainda mantém a obrigatoriedade de comparecer às urnas.

Também estão nesse time México, Argentina, Austrália e Peru, entre outros. Aqui, o voto é opcional apenas para jovens de 16 e 17 anos, além de idosos acima dos 60.

O que falta então ao nosso país para trocar de time? Para a maior parte dos especialistas consultados por EXAME.com, maturidade política.

Para Rodolfo Teixeira, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), a atual descrença na classe política pode levar a uma grave deserção do brasileiro do processo eleitoral.

Além da Operação Lava Jato, que gerou suspeição em políticos e partidos no país, o especialista indica que a revolta é problema mundial, explicitado pela crescente popularidade de estadistas de fora do “sistema tradicional”, com os candidatos norte-americanos Bernie Sanders e o próprio Donald Trump.

Para ele, portanto, essa situação somada a uma cultura interna que entende o voto como dever e não direito poderia deixar o processo ainda menos representativo, privilegiando a militância organizada.

“A tendência é que grupos como sindicatos, religiosos e do setor financeiro e agronegócio recebam uma fatia maior dos votos, de cadeiras e eleitos”, afirma o professor. “Não adianta copiar países desenvolvidos no processo eleitoral sem estar lá em determinados aspectos”.

De acordo com Teixeira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é forçado a dar condições para que as eleições sejam realizadas nos municípios mais remotos do país por conta da obrigatoriedade do voto. Em caso de um sufrágio opcional, haveria possibilidade de esse esforço deixar de ser feito.

O jurista Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral e membro da comissão de reforma política da OAB de São Paulo, concorda e acredita que o eleitor brasileiro ainda é “deficitário” do ponto de vista de educação política, sem ser maduro o suficiente para entender a importância do voto.

“Se fosse implementado hoje [o voto facultativo], mais da metade dos eleitores não votaria. Isso é desastroso”, afirma. "O dogma de que político é tudo bandido e a desesperança na eleição dá margem para que pessoas ruins consigam se eleger”.

Para o advogado, há muitas reformas mais necessárias no momento que vivemos, como a cláusula de barreira, que limitaria a quantidade de partidos com representação no Legislativo através de uma porcentagem mínima de votos. Dessa forma, também se acertariam detalhes da propaganda eleitoral mais restritiva, divisão de fundo partidário e o financiamento de campanha.

Não é bem assim...

O cientista político e professor da FGV-Rio Carlos Pereira pensa diferente. O especialista acredita que as sete eleições presidenciais depois do fim da ditadura militar mostram que o momento democrático do Brasil está consolidado. O voto facultativo seria mais um passo a uma democracia plena.

“O argumento de que o eleitor pobre e menos escolarizado deixaria de votar parte de um pressuposto da vitimização. É uma visão muito protecionista”, diz Pereira. “O eleitor mais pobre tem acesso à informação e é politizado: ele sabe quanto está custando um litro de leite, uma passagem de ônibus, se o bairro está violento, se tem desemprego na família. É totalmente plausível que ele faça um diagnóstico e decida em quem votar e se quer votar.”

O cientista político diz que o grupo brasileiro de baixa renda votava com setores mais conservadores em meados do século 20. Com o tempo e propostas, acabou migrando para partidos à esqueda, como o PT.

Essa capacidade de migração da preferência a despeito da renda e escolaridade, mostraria que há consiciência clara de preferências políticas.

“O Chile passou a ter voto facultativo recentemente e a população de baixa renda não deixou de participar do jogo de forma significativa”, diz Pereira. “Aqui, as sanções que parecem brandas, como a multa e impossibilidade de participar de concursos, pesa na vida de quem é mais pobre e torna a eleição um fardo a ser cumprido”.

Vale ou não?

Paulo Henrique Soares é consultor legislativo do Senado Federal e autor de um estudo que elenca vantagens e desvantagens do voto facultativo no Brasil.

Em conclusões básicas, Soares indica que apesar de um possível incremento de qualidade para o pleito, com eleitores mais motivados, a obrigatoriedade do voto é quase nula por falta de sanção mais séria.

“Manter a obrigatoriedade é bom para o espetáculo, em que os eleitores de todo o Brasil comparecem às urnas na Festa da Democracia. Um teatro do dia das eleições”, diz. “Mas é questão de princípio, não é democrático impor o voto”.

Para o consultor, a principal dificuldade de alterar o processo eleitoral é a disposição dos parlamentares em alterar um processo eleitoral que os beneficia. Segundo Soares, políticos têm hoje um trabalho de convencimento — o “vote em mim”,  mas, com voto facultativo, ganhariam mais um: o “vá votar”.

“Há muito interesse no mercado de votos. Se acabar com a obrigatoriedade, que vantagens vão ter? Nenhuma”, afirma. “No Congresso Nacional de hoje, não passa a mudança. Não vão mudar o que está funcionando para eles”.

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