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O que está no pacote social de Maia e Tabata que amplia o Bolsa Família

Para Ricardo Paes de Barros, pacote liderado por Tabata Amaral poderia expandir conhecimento sobre quem são os pobres do Brasil e suas reais necessidades

Pobreza: enquanto Brasil não usar expertise do IBGE para mapear os pobres, não será possível erradicar a pobreza (LightRocket/Getty Images)

Pobreza: enquanto Brasil não usar expertise do IBGE para mapear os pobres, não será possível erradicar a pobreza (LightRocket/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 16 de novembro de 2019 às 09h00.

Última atualização em 16 de novembro de 2019 às 10h00.

São Paulo — A crise econômica tem sido dolorosa para as camadas mais vulneráveis da sociedade. Nos últimos quatro anos, o número de brasileiros que vive em situação de extrema pobreza aumentou 50% e atingiu 13,5 milhões de pessoas, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2014, o país contava com 4,5 milhões de miseráveis. Isso significa que 9 milhões de brasileiros caíram abaixo da linha da extrema pobreza, ou seja, passaram a ter que sobreviver com menos de R$ 145 por mês.

O Brasil conta com políticas de proteção social, como o Bolsa Família — hoje o principal programa de combate à pobreza do país — para minimizar o impacto da escalada de vulnerabilidade. Os resultados apresentados pelo IBGE, contudo, mostram que não foi suficiente.

Este diagnóstico foi o estopim para a criação de um pacote social que a Câmara dos Deputados quer avançar, em contraponto à ausência de propostas do governo federal para atacar a pobreza no Brasil. A iniciativa foi do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que designou à deputada Tabata Amaral (PDT-SP) a coordenação das propostas.

"É importante para a Câmara do Deputados ter uma agenda positiva que se contraponha com as reformas econômicas que têm vindo do governo. Esse movimento não é só do Brasil, mas pode ser visto no mundo, que vem se mobilizando para conter o aumento da desigualdade. Aqui, a classe politica não está conseguindo dar uma resposta", diz Amaral em entrevista a EXAME.

O pacote conta com uma agenda de combate à pobreza multidimensional, que envolve garantia de renda, inclusão produtiva, proteção ao trabalhador, acesso à água e saneamento e incentivos de governança que reduza a pobreza com responsabilidade.

O projeto já foi apresentado a líderes partidários e, segundo Amaral, todos se comprometeram a apoiar a iniciativa. Será necessário editar oito projetos de lei, uma medida provisória e uma Proposta de Emenda Constitucional (veja mais no final).

Bolsa família

Um dos pilares do pacote é a solução dos problemas do próprio Bolsa Família. Nos últimos anos, o número de famílias que recebe o benefício básico de R$ 89 ficou praticamente estável — apesar da piora nos índices de pobreza.

Dados do Ministério da Cidadania mostram que, em 2014, havia 13,9 milhões de família beneficiadas pelo programa. No final do ano passado, o número chegou a 14,1 milhões.

Esses números, no entanto, não significam que 200 mil famílias foram incluídas no programa em quatro anos, e sim que o governo fez periodicamente uma revisão daquelas que ainda se encaixavam nas regras estabelecidas para garantir o benefício. Na atualização cadastral de 2018, por exemplo, 1,7 milhão de famílias foram excluídas do programa.

A porcentagem de famílias atendidas pelo programa, por outro lado, caiu de 14,9% em 2014 para 13,7% em 2018, de acordo com dados recentes da PNAD Contínua do IBGE.

Isso ocorreu diante da pior recessão econômica da história moderna do país, que provocou uma queda acumulada de 6,7% no Produto Interno Bruto (PIB) no biênio 2015-2016. Nos anos 2017 e 2018, houve uma pequena melhora, com crescimento de 1,3% e 1,1%, respectivamente — mas longe do suficiente para recuperar as perdas.

As taxas de desemprego também dispararam e foi só no ano passado que o mercado de trabalho brasileiro criou 529.554 empregos com carteira assinada — o primeiro resultado positivo anual depois de três anos de retração no emprego.

Em meio à deterioração econômica, o Brasil não fez mudanças nos programas de assistência social. Neste ano, o principal anúncio do governo Bolsonaro nessa área foi uma medida provisória que garante o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família, que estabeleceu um aumento de R$ 2,58 bilhões no orçamento do programa.

No entanto, ao longo dos anos, não houve mudanças no benefício. Para uma família em extrema pobreza, por exemplo, o pagamento se manteve em R$ 89 por pessoa, embora, pelos parâmetros do Banco Mundial, o valor deveria ter subido para R$ 114. Segundo o pacote da Câmara, que resolveria essa falha, a defasagem excluiu ao menos 3 milhões de pessoas que deveriam ser elegíveis.

Seguindo esta mesma lógica, o pacote social, além de ajustar a faixa de extrema pobreza para R$ 100 e da pobreza para R$ 250, cria também um novo benefício focalizado de R$ 100 para famílias com crianças de 0 a 6 anos, gestantes e lactantes; extingue a regra que limita a quantidade de filhos; proíbe o contingenciamento de gastos com o Bolsa Família; e propõe um desligamento gradual de três anos para os que forem deixando de ser elegíveis.

"A proposta do pacote social está correta, apesar de não mexer na desigualdade, mas sim nos índices de pobreza. Em um momento de crise econômica, o Estado precisa abrir a rede de proteção social ao máximo, para aumentar os beneficiários", diz o professor Marcelo Medeiros, um dos maiores especialistas do país em desigualdade.

Para o professor, que hoje é visitante da Universidade de Princeton, o investimento adicional proposto pelo projeto, de R$ 9,8 bilhões por ano, é "perfeitamente possível" de ser viabilizado.

"O Bolsa Família gasta R$ 30 bilhões por ano e, para inclusão de 3,2 milhões de crianças como propõe o pacote, o valor adicional está dentro das possibilidades de remanejamento", afirma.

Ainda que o investimento seja viável, um dos criadores do Bolsa Família, o professor do Insper, Ricardo Paes de Barros, avalia que o caminho necessário para aprimorar o programa não é gastar mais. "Neste momento, que estamos pensando sobre o que fazer, e ai vai talvez uma dose de crítica à proposta da Câmara, é que vemos a mão da generosidade, mas não a do gasto mais eficaz e eficiente. E é isso que precisamos".

Segundo o economista, falta para o Brasil saber quem são, onde moram e o que precisam para viver as pessoas na linha da extrema pobreza. A sugestão é de que a proposta utilize a expertise do IBGE para preencher um novo cadastro único, com informações completas e precisas sobre as condições de vida dessas pessoas.

"É impossível combater a pobreza sem ter contato com ela. Tem um pobre que precisa de creche perto de casa, outro precisa de gás de cozinha, já outro precisa terminar o ensino médio. A necessidade de cada pobre é diferente e se não tiver contato e visitar periódicas, a gente vai estar sempre lidando com a pobreza e não a erradicando", afirma.

O especialista aponta para a necessidade de um "mapa da pobreza" mostrando quantos pobres existem em cada município, para assim o governo distribuir uma cota máxima por cidade do Bolsa Família que faça com que o dinheiro chegue nas pessoas que de fato precisam.

Proteção ao trabalhador

O foco no emprego também está presente em duas propostas do pacote social. Uma envolve uma inclusão produtiva para o trabalhador, que tem como estratégia fazer com que pessoas em situação de vulnerabilidade criem seus próprios negócios. Incentiva, ainda, a integração entre currículo do ensino médio e qualificação para o trabalho, além de ampliar as possibilidades de acesso de pessoas com deficiência no mercado.

Para Ricardo Paes de Barros, a medida é válida para "que o pequeno empreendedor se aproveite do crescimento econômico que está por vir, seja com assistência técnica para lidar com a burocracia, seja por microcrédito orientado ou formação em economia solidária".

Já Marcelo Medeiros é cético em relação ao impacto da proposta. Ele avalia que ter um plano de inclusão produtiva "não faz mal nenhum, mas não se pode esperar resultados positivos". O motivo é que seria difícil para a pessoa na base da pirâmide saltar de uma vez para competir com todo o mercado. 

A segunda sugestão com foco no mercado de trabalho é, em resumo, integrar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com o seguro-desemprego. Como o seguro-desemprego foi um política criada para períodos transitórios sem trabalho e não para períodos longos de crise, sua duração é reconhecidamente muito baixa. Atualmente, o valor é pago entre três a cinco meses.

"Vamos atuar em todas as frentes vulneráveis para que, somadas às reformas econômicas, essa proposta faça o Brasil avançar", diz Tabata Amaral.

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