O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante visita em Ocupação em Sumaré (Divulgação/Instituto Lula/Divulgação)
Luiza Calegari
Publicado em 10 de março de 2018 às 06h30.
Última atualização em 10 de março de 2018 às 06h30.
São Paulo – Depois que a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e às vésperas do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4) julgar os últimos recursos da defesa, as maiores esperanças de Lula estão nas mãos do STF e circundando a polêmica sobre a prisão após a segunda instância ou só depois do trânsito em julgado. O que isso significa?
Até 2016, qualquer pessoa que fosse condenada pela Justiça tinha o direito de aguardar em liberdade até que todos os recursos possíveis estivessem esgotados. O julgamento final, a última sentença válida, é o que é chamado de “trânsito em julgado”.
No entanto, naquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento sobre o assunto, no julgamento do Habeas Corpus 126.292. Em 17 de fevereiro, a maioria dos juízes decidiu manter a pena de um ajudante-geral condenado à pena de 5 anos e 4 meses de prisão pelo crime de roubo qualificado.
Ele tinha sido condenado na primeira instância. A defesa recorreu, então, ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou o recurso e determinou que fosse expedido o mandado de prisão.
A defesa foi, então, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para questionar o mandado de prisão decretado pelo TJ-SP. O pedido também foi negado, e assim chegou ao STF.
Até esse julgamento, o entendimento do STF era que a pena só poderia ser cumprida após o trânsito em julgado. Essa decisão foi tomada em 2009, quando a corte analisou o HC 84078 e mudou o entendimento sobre a prisão em segunda instância.
Até 2009, o STF entendia que executar a pena antes do esgotamento dos recursos não feria a presunção da inocência. Ou seja, o tema tem ido e voltado na corte máxima do país já há anos.
A Constituição é a lei que prevalece sobre todas as outras leis no país, e o STF é a instância que julga a constitucionalidade das decisões tomadas nos degraus inferiores.
No que diz respeito a esta polêmica, a Constituição determina que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Além da Constituição, o artigo 283 do Código de Processo Penal afirma que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Em 2016, o relator do HC 126.292 foi o ministro Teori Zavascki, morto em janeiro do ano seguinte. Ele argumentou que se deve presumir a inocência do réu até a decisão em segunda instância. Depois disso, o princípio não vale mais, segundo ele, porque o STJ e o STF vão julgar só o mérito jurídico das sentenças, e não as sentenças em si.
Como exemplo, o ministro lembrou a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, que determina a inelegibilidade de qualquer réu com sentença proferida na segunda instância.
“A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”, alegou Zavascki em seu voto.
Naquela ocasião, o entendimento de que cabe prisão após a segunda instância prevaleceu por 7 votos a 4.
A favor da prisão após a 2ª instância em fevereiro 2016, votaram então os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. A favor da prisão apenas após trânsito em julgado votaram Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Em outubro do mesmo ano, o STF voltou a analisar a questão, desta vez julgando em caráter liminar as ações do Partido Ecológico Nacional (PEN) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pediam que a decisão de fevereiro fosse revertida. Tratam-se das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.
Dessa vez, o relator do caso foi Marco Aurélio Mello, que recomendou que o pedido do PEN e da OAB fosse aceito. No entanto, ele foi voto vencido mais uma vez: Fachin, Barroso, Zavascki, Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia escolheram manter a decisão de fevereiro.
Dias Toffoli mudou seu voto e acompanhou Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Lewandowski, ressaltando, no entanto, que caberia prisão após o recurso apresentado ao STJ. O placar dessa votação, portanto, foi de 6 a 5.
Todo esse imbróglio levou a uma situação delicada. Até hoje, ministros que foram contra o entendimento do plenário continuam concedendo pedidos de habeas corpus a condenados em segunda instância, enquanto outros mantêm a prisão – ou seja, o destino dos réus varia de acordo com o ministro sorteado para julgar seu caso.
Agora, a questão pode ser pautada de novo no STF, a depender da atual presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia – os outros ministros concordam sobre a importância de revisar a questão, mas Cármen Lúcia já deu a entender, em mais de uma ocasião, que não pretende pautar o tema em plenário.
A defesa do ex-presidente Lula apresentou ao STF um recurso para que ele possa aguardar a avaliação das instâncias superiores em liberdade.
O advogado de Lula e ex-ministro do STF, Sepúlveda Pertence, até encaminhou um e-mail para Cármen Lúcia solicitando uma audiência, mas, segundo a Folha de S.Paulo, não foi sequer respondido pela presidente.
Como alternativa para não julgar o mérito da ação de Lula agora, Cármen Lúcia poderia optar por colocar em julgamento as ADCs que foram julgadas em outubro de 2016, mas desta vez em caráter definitivo. Elas já foram liberadas por Marco Aurélio Mello, relator do caso, em dezembro do ano passado.
Outra possibilidade é que um dos ministros apresente outro pedido de concessão de habeas corpus de menos publicidade, para que o tema seja apreciado e o entendimento seja aplicado ao caso de Lula. Até agora, ninguém quis fazer isso.
Cármen Lúcia já mandou um recado aos colegas, dizendo que ela não é a única que pode trazer ações à mesa, já que a regra permite que outros ministros façam o mesmo. Mas esse não é o protocolo normalmente adotado pela Corte, e nenhum dos ministros quer assumir o ônus de tomar esse tipo de iniciativa.
Existem algumas incógnitas sobre esse novo julgamento, se é que ele vai acontecer: Alexandre de Moraes, por exemplo, ainda não se pronunciou em plenário sobre o tema. Ele foi nomeado por Michel Temer para substituir Teori Zavascki após a morte do ex-ministro. Em um julgamento na Primeira Turma, no entanto, ele já defendeu que os réus possam ser presos logo após a decisão da segunda instância.
Gilmar Mendes, por sua vez, já sinalizou que pode mudar seu entendimento sobre a prisão após a segunda instância se o tema for pautado novamente. Nesse caso, ele acompanharia o entendimento de Dias Toffoli de que a prisão estaria liberada após o julgamento dos recursos no STJ.
Com essa configuração, o placar se inverteria: ficaria em seis votos a favor da prisão só após trânsito em julgado, contra cinco a favor da prisão após a segunda instância.
Enquanto isso, o relógio, portanto, trabalha contra o ex-presidente Lula: o Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4) tem sessões de julgamento marcadas para os dias 14, 22 e 26 de março. A qualquer momento eles podem anunciar seus veredictos sobre os embargos de declaração apresentados pela defesa.
A tradição do TRF4 é de expedir o mandado de prisão imediatamente após essa decisão. Durante o julgamento do caso de Lula, em 24 de janeiro deste ano, o desembargador Leandro Paulsen já indicou que é isso mesmo que pode acontecer.