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O que diz o projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas

Texto foi proposto pelo governo em fevereiro de 2020 e tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, mas é alvo de críticas de ambientalistas e grupos indígenas

Coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, discursa em ato no Senado (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, discursa em ato no Senado (Marcos Oliveira/Agência Senado)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 10 de março de 2022 às 17h58.

Última atualização em 10 de março de 2022 às 18h15.

O projeto de lei que busca liberar a mineração em terras indígenas será votado com urgência pela Câmara dos Deputados. Apesar de o tema contar com forte resistência popular, a tramitação acelerada foi aprovada por 279 dos 462 deputados presentes na sessão de quarta-feira, 9, mesmo dia em que artistas e entidades da sociedade civil fizeram uma ato em frente ao Congresso, pedindo a derrubada de projetos que possam gerar impacto ambiental no país

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O texto que trata da mineração foi proposto pelo governo em fevereiro de 2020 e defendido publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. O chefe do Executivo afirmou, no Twitter, que o projeto resolveria o problema da falta de fertilizantes gerado pelas sanções econômicas aplicadas à Rússia, país que vende a maior parte dos insumos usados no Brasil, devido à guerra na Ucrânia.

“Em 2016, como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira”, escreveu Bolsonaro. “Nosso Projeto de Lei n° 191 de 2020 ‘permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, acrescentou.

Agora, com o pretexto da guerra, Bolsonaro resolveu investir no projeto. O requerimento de urgência aprovado pela Câmara foi sugerido pelo líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e assinado por parlamentares do Centrão. No plenário, Barros afirmou que não há “açodamento” na discussão, já que a mineração em terras indígenas estava na plataforma de campanha de Bolsonaro. 

Com a urgência garantida, o texto pode ir direto para o plenário, sem passar por comissões que o discutiriam mais a fundo e poderiam fazer diversas audiências públicas com especialistas, por exemplo. Mas, diante de críticas pela rapidez na discussão de um assunto tão polêmico, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou na quarta-feira a criação de um grupo de trabalho de 20 deputados para avaliar o texto, com a duração de 30 dias. 

Aliado de Bolsonaro, Lira diz que não tem pressa para a votação nem compromisso com o mérito, mas já deixou claro que não vai jogar o projeto “para debaixo do tapete”. Ele acredita que o tema poderá ser avaliado pelo plenário entre 12 e 14 de abril, depois de passar pelo colegiado. “O grupo de trabalho pode e deve melhorá-lo ou regulamentá-lo de maneira mais eficaz”, disse.

Mas parte dos deputados, principalmente da oposição, não quer mudar o texto, mas derrotá-lo completamente. “É um absurdo a urgência nesse projeto”, disse o deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), na sessão de quarta-feira. “O senhor Arthur Lira está sendo aquele que articula o ‘projeto dos mercenários’ contra os povos indígenas e deve responder por isso”, afirmou o deputado Glauber Braga (PSol-RJ).

O que diz o projeto

Em resumo, o projeto permite a exploração de reservas de potássio nos territórios indígenas, o que ajudaria a garantir a produção de fertilizantes no Brasil, que hoje importa 85% do que é usado pelo agronegócio. O texto também autoriza a exploração das terras indígenas em outras atividades econômicas, como agricultura e turismo.

Deputados contrários à proposta alegam que essa exploração seria desnecessária, porque apenas 11% dos 13,7 milhões de hectares passíveis de extração de potássio estão em terras indígenas, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A pesquisa mostra que as reservas existentes no Brasil poderiam garantir o abastecimento até 2100.

Nesse sentido, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), única representante indígena na Câmara, afirmou, em plenário, que o texto “traz a tragédia” para os povos indígenas. “Por que sacrificar a vida dos povos indígenas, se há potássio fora, em São Paulo, em Minas Gerais e em Sergipe? Há outras soluções que não esse PL da tragédia”, apontou.

O texto traz algumas condições para a mineração e a exploração do potencial hidrelétrico dos territórios, como a realização de estudos técnicos prévios, a oitiva das comunidades afetadas, a indicação do presidente da República das terras adequadas para exploração e a autorização do Congresso.

Para explorar os territórios, o presidente deverá enviar um pedido de autorização ao Congresso, o que poderá ser encaminhado mesmo que os indígenas não concordem. “O pedido de autorização poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas afetadas, desde que motivado”, diz o texto.

No pedido, o presidente deverá detalhar informações técnicas sobre as terras indígenas em que se pretende realizar as atividades, definir os limites da área de interesse e descrever as atividades que serão desenvolvidas. Também será cobrado um estudo técnico prévio e um relatório com o resultado da oitiva das comunidades afetadas. 

O projeto estabelece que, caso a terra indígena esteja em área de segurança nacional ou em faixa de fronteira, o Conselho de Defesa Nacional deverá ser ouvido antes do encaminhamento do pedido de autorização. As áreas autorizadas pelo Congresso para a realização das atividades de pesquisa e lavra minerais serão licitadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). 

Os grupos indígenas afetados pela medida serão indenizados em valor que será calculado de acordo com o grau de restrição do usufruto sobre a área da terra ocupada pelo empreendimento. O texto também prevê pagamentos a título de participação nos resultados, valor que será repassado a conselhos curadores compostos por pelo menos três indígenas. 

Próximos passos

Para Barros, líder do governo na Câmara, o governo tenta, com isso, apenas regulamentar a exploração em terras indígenas, prevista na Constituição. “Não se pode fazer isso sem uma lei específica. Nós estamos cumprindo com os anos de atraso à Constituição”, disse, na quarta-feira.

O texto, se aprovado pela Câmara, ainda precisará passar pelo Senado. Após receber artistas que participaram do Ato pela Terra, na quarta-feira, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), garantiu que as propostas que impactam o meio ambiente não serão analisadas de forma apressada pelos senadores.

“Nós vamos ter toda a cautela porque não podemos ser compreendidos — nem o Congresso Nacional nem o nosso país — como párias internacionais afastados da pauta do meio ambiente”, disse Pacheco. Também na quarta-feira, ele defendeu que sejam buscadas soluções que garantam a autonomia do Brasil na produção de fertilizantes.

O país precisa "encontrar caminhos" para não ser mais dependente de outras nações nesse mercado, disse Pacheco. “O que nós temos de cuidar é de tentar potencializar essas reservas [de potássio] para a produção de fertilizantes, de preferência sem atentar contra florestas ou áreas indígenas etc. Essa é a inteligência que nós temos de ter. Eu acredito muito na ciência”, afirmou.

 

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