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Publicado em 17 de abril de 2024 às 16h56.
O Senado aprovou nesta terça-feira, 16, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que proíbe o porte e a posse de qualquer quantidade de drogas. A aprovação ainda não é definitiva, uma vez que a matéria precisa ser validada sem alterações pela Câmara dos Deputados para ser promulgada.
De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o projeto foi protocolado em setembro de 2023, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgava uma ação sobre a descriminalização do porte de maconha.
O avanço da matéria no Congresso é visto como um recado dos parlamentares ao STF. Senadores e deputados entendem que o Supremo está avançando em sua prerrogativa ao decidir sobre o tema considerável sensível aos políticos.
Mas, afinal, o que os parlamentares pretendem mudar em relação à lei antidrogas em vigor e qual será o impacto da aprovação no julgamento do STF sobre a descriminalização da maconha? A EXAME conversou com advogados criminalistas e constitucionalistas para explicar a questão.
O texto da PEC torna mais rígido o entendimento em vigor — da lei de Drogas aprovada em 2006 — ao considerar crime a posse e porte de drogas sem autorização legal, como maconha, cocaína e LSD, independentemente da quantidade.
Durante a tramitação, o texto foi ajustado para que exista a diferenciação entre o usuário e o traficante, avaliação que caberá à Justiça, de acordo com o conjunto de provas capturadas pela polícia. Se ficar comprovado que a pessoa tinha em sua posse uma substância ilícita apenas para uso pessoal, a pessoa será submetida a pena alternativa à prisão e a tratamento contra a dependência química. O texto, porém, não define critérios objetivos para essa diferenciação.
A matéria não altera a atual lei de drogas, que já prevê a diferenciação entre traficantes e usuários. Hoje, o porte de drogas por usuários é crime, mas foi despenalizaoa em 2006. Ou seja, uma pessoa considerada usuária não é presa.
A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) prevê penas por porte que variam entre: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Na prática, o que os parlamentares querem é incluir a redação que proíbe o porte e posse de drogas na Constituição Federal.
Segundo o criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz Bottini, a PEC tenta constitucionalizar "a criminalização do usuário".
"A estratégia é enfrentar eventual decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a criminalização do usuário seria inconstitucional", diz Bottini.
No STF, os ministros discutem se o porte de drogas para consumo próprio é crime e qual deve ser a quantidade fixa para diferenciar o usuário do traficante.
Em linhas gerais, o Supremo julga a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). A Corte já formou a maioria para determinar uma quantidade, mas ainda não definiu quantos gramas, e está a apenas um voto de formar maioria a favor da descriminalização do porte da maconha. O placar da ação está 5 a 3.
Bottini avalia que, mesmo com a aprovação e promulgação da PEC, a discussão no Supremo poderá continuar, uma vez que a Corte avalia uma recurso de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões — sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.
"A alteração promovida pelo Senado não deve afetar as conclusões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema", afirma o criminalista.
Críticos da PEC em tramitação do Congresso questionam a sua constitucionalidade. Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Rodrigo Brandão, a proposta viola cláusulas pétreas -- dispositivos da Constituição que não podem ser alterados -- dos direitos e garantias individuais. Por isso, o texto pode ser considerado inconstitucional em eventual questionamento na Justiça.
"A criminalização do uso de pequenas quantidades de drogas leves ofende a dignidade da pessoa humana enquanto autonomia. Isto não quer dizer que o seu uso seja positivo, ou que não deva ser reprimido pelo Estado; apenas que não pode sê-lo pelo direito penal", explica.
O magistrado exemplifica que medidas que causam mal ao indivíduo, como greve de fome, automutilação e masoquismo, não podem igualmente ser criminalizadas.
"A questão do uso de drogas deve ser reprimida por sanções não penais e o usuário tratados pelos serviços médicos do Estado, e não pelo aparato policial e criminal", diz.
O professor da UERJ afirma ainda que o princípio da igualdade, também uma cláusula pétrea da Constituição, é violado no texto proposto na PEC.
"A ausência de distinção clara entre usuário e traficante, que a PEC agrava, pois depende exclusivamente das circunstâncias fáticas do caso, gera impacto desproporcional em detrimento de negros e pobres, que não raros são considerados traficantes em situações que brancos e ricos são considerados usuários", afirma.
Cristiano Avila Maronna, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro "Lei de Drogas interpretada na perspectiva da liberdade", também afirma que a PEC é inconstitucional e diz que em outros países a discussão da descriminalização das drogas ocorreu em meio à disputa entre o Judiciário e o Legislativo.
"É uma discussão normal [no Supremo]. Até porque outras cortes supremas já declararam inconstitucionais dispositivos legais semelhantes ao nosso que criminalizavam a droga para uso pessoal. Isso aconteceu na Argentina, Colômbia, México e na África do Sul. É coerente o Judiciário realizar o que chamamos de controle de constitucionalidade. É algo trivial e típico", afirma.
Em um cenário de promulgação da PEC brasileira, o criminalista vê espaço para o Supremo derrubar a nova regra, citando paralelo na Colômbia, que passou pelo mesmo cenário.
"Na Colômbia isso aconteceu, exatamente dessa forma. A Suprema Corte declarou inconstitucional a lei que criminaliza o porte de drogas, o Congresso respondeu constitucionalizando a criminalização, e a Corte Suprema declarou que essa nova lei é inconstitucional", explica Maronna. "O que se espera de uma Corte Suprema é que ela cumpra o seu papel."