Candidatos entram no segundo turno em situações diferentes (Montagem/Exame)
Clara Cerioni
Publicado em 8 de outubro de 2018 às 18h19.
Última atualização em 8 de outubro de 2018 às 20h47.
São Paulo - "O segundo turno é uma nova eleição": o clichê é repetido à exaustão, mas será que ele vale em meio a tantas surpresas?
Líder no primeiro turno com 46% dos votos válidos, Jair Bolsonaro (PSL) fez uma transmissão ao vivo no Facebook após a divulgação dos resultados ao lado do seu "Posto Ipiranga" Paulo Guedes.
Ele voltou a questionar o sistema de votação, dizendo que teria vencido no primeiro turno se não fossem fraudes (das quais não apresentou provas).
Já Fernando Haddad (PT), que teve 29% dos votos, usou seu primeiro discurso de segundo turno para se posicionar como símbolo de união e apontar riscos para a democracia.
Para Fernando Schuler, cientista político do Insper, embates com esse tipo de retórica prejudicam o país: “Não se discute programas de governo. Vamos dar um cheque em branco para o próximo presidente”.
Em entrevista na manhã desta segunda-feira (8) para a rádio Jovem Pan, Bolsonaro disse que não irá mudar a sua postura no segundo turno:
“Eu não posso virar o ‘Jairzinho Paz e Amor’ e me violentar. Eu tenho que continuar sendo a mesma pessoa. É lógico que a gente usa sinônimos, de vez em quando eu falava palavrões, eu não falo mais”.
Antes mesmo dos resultados altamente favoráveis ao seu candidato, Gustavo Bebiano, presidente do PSL, já negava uma suavização do discurso: “É porrada. Com o PT não tem conversa”.
Na madrugada desta segunda-feira (8), uma discussão política terminou com a morte de um mestre de capoeira, em Salvador, na Bahia.
A vantagem de Bolsonaro é óbvia: ele precisa conquistar muito menos votos novos do que Haddad para vencer. A consultoria política Eurasia calcula a chance de sua eleição em 75%.
Um relatório do Goldman Sachs de hoje aponta que "o principal desafio para Bolsonaro é evitar grandes erros de campanha"; após a facada que recebeu em Juiz de Fora no começo de setembro e sua hospitalização, ele ficou fora de embates públicos.
A última pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo divulgada no dia 6 de setembro mostra que a rejeição de Bolsonaro é mais alta entre as mulheres (49%), jovens (48% de 16 a 24 anos), pessoas com baixa escolaridade (46% até a quarta série do ensino fundamental), pobres (53% até um salário mínimo), católicos (46%), pretos e pardos (47%) e moradores do nordeste (58%).
"Ele vai manter o discurso em termos morais, mas tentando atacar de forma pontual parte dos passivos que causam sua rejeição, como falta de preparo e capacidade de governar. Vai insistir que tem equipe preparada para assumir e que não ameaça a democracia", diz Christopher Garman, cientista político e diretor para as Américas da consultoria política Eurasia.
A mesma pesquisa do Ibope/Estadão/TV Globo mostra que Haddad tem rejeição alta entre os homens (43%), entre os eleitores de 25 a 34 anos (39%), escolarizados (52% com ensino superior), ricos (57% com mais de cinco salários mínimos), evangélicos (45%), brancos (45%) e sulistas (48%).
A associação da imagem de Haddad ao ex-presidente Lula funcionou para conseguir transferir os votos necessários para o segundo turno, mas pode atrapalhar a partir de agora.
“O grande risco é manter essa imagem. É difícil imaginar que ele vai conquistar o eleitorado com essa proximidade. O ‘lulismo’ foi suficiente para o primeiro turno”, disse Schuler.
A primeira agenda oficial de Haddad nesta segunda-feira foi sua tradicional visita ao ex-presidente Lula, que cumpre pena na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Haddad disse que o que vai "nortear as discussões" no segundo turno "é principalmente o modelo econômico, que de um lado defende o neo-liberalismo e do nosso lado o desenvolvimento com inclusão social”.
O desafio é vencer resistências internas no PT, onde sua ascensão como candidato dependeu de Lula, e ao mesmo tempo acenar ao mercado financeiro, como já tem feito privadamente.
"Lula vai ser um estrategista na campanha e, se Haddad for eleito, no governo. A estratégia agora é fazer um aceno ao centro em termos eleitorais, não econômicos. O segundo não é a mesma coisa que o primeiro, e dá pra fazer o primeiro sem fazer o segundo", diz Garman.
"Uma coisa é se colocar uma força moderadora da sociedade, outra coisa é dizer que vai fazer ajuste e reformas - que não é uma palavra boa nesse momento. Mas o debate será quem é o partido da mudança, e acho que a mensagem do Bolsonaro é mais poderosa", completa.
(Com Estadão Conteúdo)