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O 'pós-Sabesp', biogás, restauração florestal: os planos da secretaria de meio ambiente para 2025

Em entrevista à EXAME, a secretária Natalia Resende destrincha os próximos passos de São Paulo para ser protagonista na agenda verde

Natália Resende Andrade Ávila
Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de SP - Sabesp

Foto: :Leandro Fonseca
Data: 22/07/2024 (Leandro Fonseca/Exame)

Natália Resende Andrade Ávila Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de SP - Sabesp Foto: :Leandro Fonseca Data: 22/07/2024 (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 27 de dezembro de 2024 às 09h22.

Última atualização em 27 de dezembro de 2024 às 17h42.

Após 500 dias na liderança de um processo minucioso para privatizar a Sabesp, que trará investimentos de R$ 68 bilhões até 2029, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de São Paulo, Natália Resende poderia desacelerar. Mas não é o caso.

Em entrevista à EXAME na sede da Secretaria, em Pinheiros, Resende mantém o ritmo intenso dos meses anteriores. Ela se debruça sobre o "pós-Sabesp": o plano para lidar com os 274 municípios que não estão cobertos pela empresa, aliando o tratamento de água e esgoto com as bases para uma estratégia de resiliência hídrica.

"A Sabesp tem uma interligação muito grande com o objetivo de universalização do saneamento no estado", diz Resende. "Olhando os 645 municípios, fizemos a divisão na Sabesp, que tem um bloco de 371 municípios [do contrato e 375 municípios para quem a Sabesp presta serviço] muito bem endereçado [com planejamento] até 2060."

Em sua avaliação, agora é o momento de acelerar o UniversalizaSP, programa do governo estadual para o saneamento. "Já estamos conversando com os novos gestores para a fazer essas regionalizações, esses novos blocos", afirma. "O foco é olhar bacias hidrográficas, unidades de gerenciamento de recursos hídricos para não só ver a questão do saneamento e água e esgoto, mas toda a cadeia: produção, drenagem."

E nessa toada vem a "outra perna" do saneamento básico será acelerada: a destinação econômica de resíduos sólidos. "Precisamos enxergar o "lixo" -- como algo que valorizamos e que tem extrema potencialidade em termos econômicos", diz.

Em números, um estudo do governo com a Fiesp, a federação industrial do estado, mostrou que o biometano poderia abastecer metade da necessidade energia da indústria local.

Na conversa, Resende fala também dos projetos para ampliar a restauração florestal do estado, da plataforma de investimentos verdes, o Finaclima, e comemora o resultado da Mata Atlântica, cuja área regenerada foi maior que a desmatada pela primeira vez em 15 anos.

Confira a íntegra da entrevista.

Secretária, após o processo de privatização da Sabesp, o ano termina com a sensação de dever cumprido?

Sensação de dever cumprido e tanto esperança quanto vontade de ver acontecer. Finalizamos em julho a desestatização. Estamos em dezembro; já instituímos todos os comitês técnicos dentro da Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água. Potável e Esgotamento Sanitário (URAE), dentro da governança que estabelecemos para acompanhar o contrato, para ver, na realidade, o que construímos ao longo desses últimos meses, desde lá do início da gestão. Então, é esse sentimento de fizemos um ótimo contrato, um ótimo processo. Agora, estamos de perto acompanhando, junto com os municípios, dentro dos sete comitês técnicos, para ver os investimentos acontecerem.

Qual o papel desses comitês?

Dentro desses comitês técnicos, já fizemos mais de duas reuniões com cada um para poder ver o que priorizar, o que precisamos de levantamento junto aos municípios. A própria Sabesp, junto conosco, lançou o primeiro grande pacote, de R$ 15 bilhões [de investimentos], olhando muito o [programa] Integra Tietê. São mais de 1,5 milhão de conexões só nesse primeiro pacote, 20% do total que temos que fazer nos próximos cinco anos. A estação Parque Novo Mundo vai de 2,5 para 6,2 metros cúbicos por segundo [de vazão], é R$ 1 bilhão de investimento. Vamos ampliar as cinco estações de tratamento de esgoto da região metropolitana, que vai pular de 24 para 40 metros cúbicos por segundo [de capacidade]. É essencial para a universalização.

Para que o cidadão entenda, qual é o papel do governo agora? O maior medo é ter a tarifa mais alta e o serviço não acompanhar. O que o governo vai fazer para garantir que esse processo seja justo?

Temos 18% da empresa, com um acordo de investimentos junto com a Equatorial, que é a acionista de referência. Dentro da empresa, temos um compromisso de fazer acontecer esses investimentos. Esse é um primeiro ponto. Dentro da URAE dessa unidade regionalizada, estamos junto com os municípios, acompanhando. Fizemos uma organização bem estabelecida para ter efetividade via agência reguladora, que é quem define a tarifa no fim das contas e quem olha os investimentos. Fizemos a mudança regulatória para estimular mesmo o investimento.

Qual a diferença?

Agora, a Sabesp faz, e depois remuneramos. Esse depois vai ser verificado; a agência vai olhar. Quando ela for olhar, temos um compromisso enquanto Estado -- e o fundo que criamos no processo de deestatização vai ajudar muito -- de que o investimento vai cada vez aumentar, para chegar à universalização até 2029. E não posso deixar com que a tarifa fique acima daquela que seria a tarifa estatal. Todos os anos vamos fazer esse processo para, via o recurso que está no fundo [tem mais de R$ 4 bilhões], para toda vez que tiver esse aumento de investimento e a tarifa acompanhar entrarmos via subvenção [subsídio], para poder controlar [a tarifa]. E isso é uma coisa que estudamos muito para fazer. No mundo era um desafio. Deixamos bem amarrado em lei, em contrato, para aqui no estado de São Paulo fazer esse acompanhamento.

Como o estado vai conseguir mostrar que as coisas estão sendo feitas e que as entregas não vão acontecer só em 2029?

Já estamos mostrando. No começo de dezembro, fizemos questão de ir lá no Parque Novo Mundo para falar: 'olha, só aqui teremos R$ 1 bilhão de investimento. Só aqui vamos aumentar de 2,5 metros cúbicos por segundo de vazão para 6,2'. Recentemente, estivemos em Ilhabela. Fizemos a inauguração de uma estação de tratamento de água que era super esperada lá, e aceleramos. É um reservatório de 2 milhões de litros, 125 litros por segundo, que beneficia 60 mil pessoas. São pessoas que residem em Ilhabela, mais o flutuante, do turismo. Para essa época do ano também vai ser super importante. Estamos vendo muita obra acelerando. Isso queremos mostrar. Temos uma obrigação da Sabesp fazer um painel de acompanhamento, que é algo que a URAE vai cobrar e a agência reguladora também, porque queremos deixar tudo transparente para as pessoas acompanharem. Dentro dos comitês tem um plano de trabalho para toda a região. Vamos acompanhar. Teremos reuniões do Conselho Deliberativo de seis em seis meses. É assim que conseguimos mostrar que o contrato está posto, bem amarrado e sendo cumprido. Ou se não está sendo cumprido, por quê, qual o desafio e o que precisamos olhar. Até agora está sendo tudo cumprido.

Como a Sabesp se conecta com os próximos desafios?

A Sabesp tem uma interligação muito grande com o objetivo de universalização do saneamento no estado. Olhando os 645 municípios, fizemos a divisão na Sabesp, que tem um bloco de 371 municípios [do contrato e 375 municípios para quem a Sabesp presta serviço] muito bem endereçado [com planejamento] até 2060. Dá uma tranquilidade muito grande, principalmente em termos de segurança hídrica.

E para os municípios que não são atendidos pela Sabesp?

Nesses outros que estamos fazendo o UniversalizaSP [programa do governo estadual], já estamos conversando com os novos gestores para a fazer essas regionalizações, esses novos blocos. O foco é olhar bacias hidrográficas, unidades de gerenciamento de recursos hídricos para não só ver a questão do saneamento e água e esgoto, mas toda a cadeia: produção, drenagem. É isso que funciona quando falamos em mudanças climáticas. É essa concretude que precisamos para a resiliência. Estamos com o Banco Mundial, o IFC, ajudando a estudar esse "todo" para resiliência hídrica: água, esgoto, drenagem. Além da outra perna do saneamento básico que vamos acelerar muito ano que vem: a de resíduos sólidos.

A senhora chegou a falar uma vez que há uma oportunidade gigantesca de biogás para geração de energia a partir de resíduos sólidos. Quais são os planos agora, o que foi feito, o que podemos esperar nessa questão?

Desde o início da gestão, fizemos um diagnóstico bem robusto da situação do estado e o que precisaria fazer para avançar, olhando para a valorização do resíduo. Temos que, inclusive, passar isso para a sociedade. Precisamos enxergar o "lixo" como algo que valorizamos e que tem extrema potencialidade em termos econômicos.

Quais os grandes números desse tema?

Aqui no estado geramos de 40 a 44 mil toneladas por dia. Só que em 536 municípios gero menos de 50 toneladas/dia. Tenho poucos municípios que geram muito e muitos que geram pouco. Porque a maioria dos municípios, mais de 70%, tem menos de 30 mil habitantes. Então, lançamos o [programa] Integra Resíduos para chamar os municípios e focar na destinação. A coleta e o manejo são muito municipais. Enquanto estado, temos um desafio da destinação, principalmente por questão logística: 199 municípios percorrem mais de 50 quilômetros para destinar seus resíduos. Isso gera um custo muito alto para eles, que são muitas vezes pequenos. Estamos agregando.

O desafio então é de mover esses resíduos?

Tem o desafio da logística e o desafio da valorização. Como valorizo? Posso valorizar gerando energia, fazendo biogás, biometano. Posso fazer compostagem, posso fazer reciclagem. Mas o que preciso para poder chegar nesse ponto? Escala. É isso que estamos fazendo. Dentro do programa, estamos conversando agora, por causa das mudanças de gestão, com 12 consórcios. É por aí que devemos começar, porque a regionalização ajuda muito nos resíduos também. Devemos em breve qualificar já no nosso programa de parcerias, pelo menos a partir dos consórcios, para começarmos a rodar modelagens para concessão e PPPs da destinação [de resíduos sólidos]. Esses consórcios, quando somamos, têm escala. Por exemplo, acima de 1.000 toneladas/dia já dá uma escala boa. Hoje temos uma série de procedimentos já bem estabelecidos da parte ambiental. Então, já evoluímos muito nesses últimos meses junto com a CETESP, para biogás, entre outros. O ponto agora é viabilidade econômico-financeira. Se tiver mais de 1000 toneladas dia, até às vezes um pouco menos, [faz sentido]. Esses consórcios chegam a 7000 toneladas/dia. Já tem uma ótima viabilidade. O que vamos estudar, e qualificar também para isso, é avaliar se fazemos blocos. Olhando o estado, que é grande, consigo atender melhor a questão do custo logístico. E aí, é um mundo de possibilidades. Não queremos cravar tecnologia, queremos falar assim: 'olha, eu quero valorizar o resíduo.'

E qual o potencial do biometano e biogás para a energia do estado?

Fizemos um estudo com a Fiesp, bem interessante, para ver a potencialidade do biometano. Tem uma divisão, grosso modo, uma boa parte [da oferta vem] pelo setor sucroenergético. Consigo gerar, a partir da biomassa, o biogás. Abasteço a planta com biometano e posso eventualmente jogar no grid [do gás]. É o que o pessoal no oeste do estado está tentando fazer. Estamos olhando a oferta e a demanda. No começo de dezembro, fomos na fábrica da Yara [produtora de fertilizantes]. A Raízen está produzindo [biometano], eles recebem e, com ele, produzem amônia. E além disso temos os resíduos, que é o exemplo de Caieiras. A maioria do resíduo de São Paulo vai para o aterro que tem lá. Dá de 10 a 12 mil toneladas/dia. No estado, produzíamos 30 mil metros cúbicos do biometano por ano. Quando inauguramos a planta [em Caieiras], passou para 100 mil metros cúbicos. Triplicou. O estudo com a Fiesp mostrou que tem uma possibilidade de chegar a 6,5 milhões de metros cúbicos por ano. E isso é metade do que a indústria precisa.

Como assim?

É como se você falasse assim: 'consigo abastecer metade da [necessidade energética da] indústria de São Paulo com biometano'. É maravilhoso. O que temos que ver? No nosso plano de energia, que foi o primeiro subnacional aprovado no Brasil, traçamos que temos de ver as rotas. Porque uma coisa que discutimos muito, e que precisa ser mais discutido mais, é a questão de segurança energética. Esse é um ponto importante. E a segurança energética tem que ser olhada por essas rotas, como o gás. E aí estamos vendo gargalos, o biometano no grid também, os custos, a oferta e a demanda do biometano e do hidrogênio.

O hidrogênio é uma grande aposta da transição energética...

O hidrogênio tem uma potencialidade. A questão do hidrogênio é também gerar escala. Agora, ele é uma grande bateria, grosso modo. Por exemplo, para veículos pesados, que é o que estamos estudando com o IPT e a USP, pode ser muito bom para ter uma economia, ter uma sustentabilidade gigantesca e posso obtê-lo não só a partir da eletrólise -- que é processo que originou o nome de hidrogênio verde -- mas da cana. Estamos estudando. Então, pega-se a biomassa da cana, gera-se etanol e então hidrogênio e aí tem-se uma bateria grande. Para veículos maiores, consigo dar uma escala melhor.

E como está a pauta de descarbonização do estado?

Isso tudo tem muito a ver com a pauta de descarbonização. Nossa estratégia climática tem eixos: mitigação, adaptação e resiliência. A parte de mitigação é muito descarbonização. E temos que ver as particularidades de cada setor. Dentro do nosso plano, temos os setores de transporte, energia, uso do solo, indústria, resíduos... Temos um perfil de emissão mais particular, diferente do Brasil. Aqui, é mais concentrado em transporte. O Brasil tem um perfil de emissão mais focado no agro. Aqui temos transporte, energia e agro. Então, quando olhamos o transporte, o que se pode fazer para melhorar essa parte de descarbonização em transporte, em energia, em resíduos, em sequestro de carbono. E aí a questão da restauração é muito cara para nós também, temos investido muito nessa parte de restauração.

Como é esse planejamento de restauração?

Dentro do plano do meio ambiente, colocamos a meta de restauração em 37,5 mil hectares até 2026. Vamos acelerar isso dando escala para os projetos. Quando pensamos no Finaclima, que é o mecanismo para poder dar um match entre financiadores, doadores, órgãos multilaterais com os projetos que já temos na Mata Atlântica, no Cerrado e na formação de corredor ecológico é exatamente para dar essa escala. Fizemos esse mecanismo financeiro que é diferente de um fundo, que às vezes tem suas amarras orçamentárias, para conseguir dar mais celeridade. Então, o Finaclima já está encaminhado, lançamos o edital para a entidade gestora, que é quem vai fazer essa junção. Tem toda uma governança pré-estabelecida, de diretriz pública com recursos privados. Anda mais rápido. Em abril, devemos ter o acordo de cooperação de 7 anos, prorrogáveis por mais 7 anos. É preciso algo mais longo prazo mesmo.

E para a restauração florestal?

Estamos estudando, junto com o pessoal da Fundação Florestal, olhar as áreas dentro de unidades de conservação passíveis de restauração. Tem entre 30 e 40 mil hectares já mapeados na plataforma que lançamos na COP. É uma plataforma que dá uma segurança para investidor muito grande. Tem muita informação boa. Por exemplo, se quero uma área com mais declividade, quero uma mais perto de recurso hídrico ou mais perto de rodovia ou mais perto de viveiro. E a plataforma indica a área. Ela gera um relatório também com essas características. Isso é importante porque quem participa de um projeto de restauração quer ter uma segurança, inclusive para emitir green bonds, para ter certificação. E ter essa parte regularizada da parte do público dá essa segurança. Isso para o longo prazo é muito importante. Vamos acelerar no ano que vem a vinculação da restauração nessas áreas com projetos de carbono dentro de um arcabouço jurídico que dê a segurança tanto para nós quanto para o investidor no longo prazo de que ele vai ter aquela remuneração.

Tudo isso se soma àquele plano de fazer de São Paulo um protagonista ambiental, correto?

Com certeza, protagonista ambiental e de sustentabilidade de uma forma com que tenha planejamento e ação. É o queremos aqui no estado. Queremos ter esse arcabouço, tudo planejado e organizado para dar essa segurança jurídica e regulatória. E fazer. Então é um protagonismo que queremos seja olhando para dentro seja para ser referência mesmo em projetos que queremos que sejam copiados. Porque meio ambiente é um só. Precisamos olhar de uma forma mais macro. E precisamos de mais ação nessa pauta.

A Mata Atlântica teve uma boa notícia neste ano com o aumento da área regenerada versus a área desmatada. Qual a expectativa de aumentar ainda mais a área?

Muito, porque com todo esse planejamento de restauração, sendo que muitas áreas estão também na Mata Atlântica, [a ideia] é investir para ter cada vez mais o aumento da regeneração vis a vis com o desmatamento, que foi o que verificamos esse ano, com uma felicidade muito grande. Depois de 15 anos, conseguimos ver uma regeneração maior do que o desmatamento. É fruto da parte de restauração, da parte de educação ambiental e da parte de fiscalização. Dentro do nosso plano do meio ambiente, botamos um eixo só de fortalecimento institucional. Tem que fiscalizar, ficar em cima. É tanto comando e controle, via policiamento ambiental. Temos uma coordenadoria aqui só de fiscalização e temos investindo muito desde o ano passado em reformas, tecnologia, como drones. E a parte da restauração em si são esses projetos. A partir do momento que damos mais escala para esses projetos, olhando tanto o Cerrado quanto para Mata Atlântica, tendemos a aumentar o número de hectares restaurados ou em restauração. Queremos que cada vez mais esse gap entre a regeneração e o desmatamento aumente.

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