Brasil

O PMDB está cansado de ser coadjuvante, diz Roberto Romano

Para professor, vitória de Eduardo Cunha na Câmara sinaliza uma intenção de longo prazo do PMDB: lançar uma candidatura própria para a presidência da República em 2018

Eduardo Cunha, novo presidente da Câmara, discursa após vitória no dia 1º de fevereiro de 2015 (Divulgação/PMDB)

Eduardo Cunha, novo presidente da Câmara, discursa após vitória no dia 1º de fevereiro de 2015 (Divulgação/PMDB)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 2 de fevereiro de 2015 às 05h00.

São Paulo – A eleição de Eduardo Cunha (PMDB) para a presidência da Câmara dos Deputados na noite deste domingo delega pela sétima vez desde a redemocratização o comando da Casa para o partido. 

Mais do que o prestígio que a cadeira oferece, a presidência da Câmara é fundamental para o provável próximo passo do PMDB: lançar uma candidatura própria em 2018.

“O PMDB já está mostrando sinais de cansaço neste papel de ser coadjuvante na presidência da República sem nunca ocupá-la”, afirma Roberto Romano, professor emérito de filosofia política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo ele, a batuta da Câmara seria essencial para garantir a unidade ao partido - que tende a rachar no Senado. Para se ter uma ideia da disputa interna, este ano, dois candidatos do PMDB se candidataram à presidência da Casa.

Por outro lado, a vitória de Cunha sinaliza um movimento de independência do PMDB com relação ao partido do governo federal. A disputa pela presidência da Câmara colocou um fim ao acordo entre o partido e o PT que determinava um revezamento das siglas no cargo. Pela primeira vez, desde meados do governo Lula, o PMDB terá dois mandatos consecutivos. 

O professor avalia que uma eventual candidatura peemedebista ao Planalto teria um saldo positivo para a sigla - independente do resultado das urnas. “Se o PT ganhar, o PMDB continua sendo o grande partido no Congresso. Se vencer, ele ganha a presidência da República”, disse em entrevista a EXAME.com.

Enquanto a disputa presidencial de 2018 não chega, o fato é que Dilma Rousseff terá (mais) um desafio e tanto para os próximos dois anos.  Em discurso na noite de ontem, Eduardo Cunha afirmou que vai fazer valer a ideia de uma Câmara não submissa aos desejos do governo federal.

Veja trechos da entrevista de Roberto Romano: 

EXAME.com: Por que a presidência da Câmara é tão importante para o PMDB?

Roberto Romano: O PMDB é quase que o único partido que, desde o período da ditadura militar, espalhou suas bases pelos municípios. Isso permite que ele tenha diretórios e alianças em praticamente todo território nacional. Com isso, nos últimos anos, o partido manteve um crescimento ou uma estabilidade no seu número de deputados e senadores  - o que o torna o grande partido brasileiro.

Por outro lado, o PMDB é uma federação de oligarquias. Ele tem idiossincrasias devido as relações de poder regionais. Assim, esta força que o mantém grande é abalada frequentemente pelas disputas entre os líderes dessas oligarquias.

O ponto nodal dessas disputas não está na Câmara dos Deputados, mas no Senado Federal. A disputa pelo Senado é quase sempre um motivo de briga interna dentro do PMDB. Assim, a Câmara é uma garantia de unidade do partido.

O PMDB não quer a presidência apenas por uma questão de prestígio. Na verdade, é uma garantia de que, tendo o controle da mesa da Câmara, ele terá sempre condições de reestabelecer a unidade que está sempre ameaçada no Senado.

EXAME.com: Isso explica a disputa acirrada de Renan Calheiros com o seu colega de partido Luiz Henrique  pela chefia da Casa?

Roberto Romano: No Senado,  este caráter de oligarquias sempre foi resolvido com muita disputa ou jogo sujo – uma denúncia contra o presidente do Senado sempre tem um dedinho de um oligarca regional do PMDB. A novidade é que, neste caso, foi uma tentativa de trazer para o debate público essas divisões que ocorrem dentro do partido.

EXAME.com: Por que o partido quis quebrar o acordo de revezamento com o PT?

Roberto Romano: O PMDB já está mostrando sinais de cansaço neste papel de ser coadjuvante na presidência da República sem nunca ocupar a presidência. O partido está cansado de carregar o piano e não ter o poder.

Eu acho que o PMDB está se preparado para uma possível candidatura à presidência da República [em 2018]. Com isso, esses acordos parlamentares [com o PT] deixam de ter significado. E isso [ocorre] em um momento em que o PT está fragilizado.

EXAME.com: E quem seria o peemedebista mais cotado para uma possível candidatura à presidência em 2018?

Roberto Romano: Há muitas lideranças e muitas novas. Por exemplo, o Eduardo Paes [atual prefeito do Rio de Janeiro]. Ele é um candidato jovem que não foi tragado pelo fisiologismo explícito que graça em determinados aspectos do partido.

O fato de ele ser do Rio de Janeiro é um ponto de união já que os grandes acertos passam necessariamente pelo estado. Então, a aposta nele poderia ser estratégica e tática.

Mas, olha, eu não tenho bola de cristal. A tendência é que o PMDB está cansado de servir como instrumento do PT ou do PSDB sem ter uma fatia decisiva do poder.

EXAME.com: Mas o PMDB já tem a sua fatia de poder, não? Ninguém consegue governar sem o apoio da sigla.

Roberto Romano: Embora o poder executivo seja um gigante com pé de barro por que precisa da voz da base aliada, não existe poder no Brasil sem o Executivo.

Então, é uma coisa incongruente. O maior partido do Brasil, aquele que tem presença em todos os municípios, cuja representação no Congresso é estável ou crescente, desde 1989, não tem representante da presidência da República salvo o vice-presidente, que é um cargo absolutamente simbólico.

De qualquer modo, o PMDB ganha. Se o PT ganhar [nas eleições de 2018], ele continua sendo o grande partido no Congresso. Se vencer, ele ganha a presidência da República. 

Acompanhe tudo sobre:Câmara dos DeputadosMDB – Movimento Democrático BrasileiroPartidos políticosPolítica no BrasilPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Brasil

'Presidente de uma grande potência decidiu brigar com todo mundo', diz Rui Costa sobre Trump

Decisão de Moraes proíbe Jair Bolsonaro de falar com ao menos 177 pessoas; veja os nomes

Moraes revoga domiciliar de idosas do 8/1 que descumpriram uso da tornozeleira mais de mil vezes

Líder do PL diz que estuda 'soluções' legislativas para Eduardo Bolsonaro concluir mandato dos EUA