Brasil

O PMDB e o poder

Desde que foi criado, partido de Michel Temer sempre esteve em uma posição muito próxima ao poder

TANCREDO E ULYSSES: faz 30 anos que o PMDB assumiu a presidência pela última vez / Wiki Commons (Wiki Commons/Divulgação)

TANCREDO E ULYSSES: faz 30 anos que o PMDB assumiu a presidência pela última vez / Wiki Commons (Wiki Commons/Divulgação)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 27 de abril de 2016 às 20h17.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.

No primeiro volume de seu livro de memórias, chamado Diários da Presidência, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso relembrou uma passagem do dia 25 de julho de 1996, quando, após uma reunião com deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB, se deu conta do poder que a legenda tinha nas mãos. “Seja eu ou qualquer outro que venha a me suceder, ninguém vai poder governar o Brasil sem ampla base de apoio”, pensou na época. Para ele, no Congresso, não existia “ampla base de apoio” sem o PMDB. Nada mudou em 20 anos.

Hoje, a sigla tem quase 2,4 milhões de filiados e o maior número de diretórios regionais, governadores, prefeitos, vereadores e, como consequência de toda essa força espalhada pelo país, é a agremiação com mais poder no Congresso Nacional. Tem o maior número de deputados, 65, e de senadores, 19, além de ter a presidência das duas Casas, com Eduardo Cunha e Renan Calheiros.

Com mudanças pequenas em números e nomes, sempre foi assim, desde que o partido foi criado em 1980. “O PMDB entendeu como nenhum outro partido brasileiro o presidencialismo de coalizão e, desde então, vem sabendo se beneficiar disso”, diz Rafael Mucinhato, cientista político da Universidade de São Paulo e especialista na formação histórica do partido. Desde 1994, com o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, o PMDB não tem um candidato à Presidência da República, deixando o principal cargo do país em segundo plano e focando a construção de uma base para ser necessário ao governo.

Criado em 15 de janeiro de 1980, depois da dissolução do MDB, partido de oposição durante a ditadura militar, no final de 1979, o PMDB começou sua história como um partido de centro-esquerda, liderado pelo deputado Ulysses Guimarães, e reunia membros da extrema-esquerda, como os integrantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), e até social-democratas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador de São Paulo Franco Montoro. Em 1982, liderados por Tancredo Neves, membros do Partido Popular, que reunia ex-integrantes da Arena e do MDB mais alinhados com a direita, aderiram ao partido por dificuldades legais na disputa da eleição daquele ano.

Em 1985, por meio de eleições indiretas, o próprio Tancredo foi levado ao poder, conduzindo pela primeira vez o PMDB à Presidência. Quem assumiu, no entanto, foi o vice José Sarney, que se filiou ao partido para disputar as eleições, mas fazia parte da Frente Liberal. Ainda em 1985, com a aprovação do novo Código Eleitoral, o PMDB começou a perder integrantes de correntes internas esquerdistas, que reavivaram o PCdoB, o PCB e o PSB, extintos durante a ditadura.

A última grande ruptura pela qual o partido passou foi em 1988, com a saída da ala social-democrata paulista, que perdeu espaço no partido com a ascensão de Orestes Quércia e viria a criar o PSDB. “Naquele momento, o PMDB perdeu a maior parte das linhas ideológicas que compunham o partido na sua criação”, diz Mucinhato. O partido terminou a década de 80 como o principal jogador do “centrão” no espectro político nacional, posição que ocupa até hoje.

Os três expoentes
Mesmo quando foi oposição, como no início do mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o partido sempre teve dissidentes contrários à corrente defendida pela maioria. Essa bipolaridade que permite à sigla escoar de um lado para o outro sem constrangimentos se tornou a marca do PMDB. Embora seja um partido de caciques regionais que dividem o protagonismo nacional, três expoentes aparecem como os mais fortes da legenda atualmente.

O primeiro é Michel Temer, o vice que pode assumir o poder em caso de afastamento de Dilma Rousseff. Temer presidia o PMDB desde 2001, mas se licenciou do cargo recentemente para evitar interpretações de que estaria usando o partido para se opor à presidente Dilma. Seus principais aliados nas articulações nos últimos meses são Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro e ex-ministro das secretarias de Aviação Civil e Assuntos Estratégicos; Eliseu Padilha, também ex-ministro da Aviação Civil (a pasta fazia parte da cota pessoal de Temer no governo); e Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Integração Nacional. Mais recentemente, Romero Jucá, que assumiu a presidência do partido no lugar de Temer e já foi governador de Roraima, se aproximou do grupo. Jucá manteve-se aliado de todos os presidentes desde José Sarney, atuando como líder da bancada do governo no Senado com FHC, Lula e Dilma. Até o final de 2015, Jucá era tido como o principal aliado de Renan Calheiros na Casa.

O segundo expoente é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, membro do partido desde 2003 e no quarto mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Cunha ganhou influência defendendo projetos conservadores, como o Estatuto da Família e o aumento do poder de igrejas, e sendo um exímio conhecedor dos meandros da Câmara. Ele exerce influência sobre uma grande bancada do Congresso, o chamado “baixo clero”, composto de membros de diversos partidos e estados. O governo credita esse apoio à ajuda que o carioca deu a esses deputados para que conseguissem financiamento para suas campanhas. Fontes dizem que ele ajudou a financiar pelo menos 200 campanhas para deputado federal por meio de desvios em diretorias de estatais, como a Petrobras e a Caixa. De acordo com a delação premiada do senador Delcídio do Amaral, a disputa política de Cunha com Dilma Rousseff teve início quando a presidente, recém-eleita, retirou dele a direção de Furnas.

Por fim, está o presidente do Senado, Renan Calheiros. Calheiros é um desafeto histórico de Temer e comanda parte do partido na Região Nordeste. Ele é senador desde 1995 e antes foi deputado federal de 1983 a 1991. Recentemente, perdeu influência tanto no governo quanto no partido, com o crescimento dos outros dois expoentes. A pressão que Cunha impôs ao governo na Câmara fez com que o alagoano perdesse indicações importantes em sua cota no governo, como a do Ministério do Turismo. Embora nunca tenha assumido posição, com a perda de espaço e poder, Calheiros foi obrigado a jogar mais próximo do governo, mas sem nunca se comprometer com ninguém. Jogam ao lado de Renan os senadores Valdir Raupp, de Rondônia, e Eunício Oliveira, do Ceará.

Agora, pela primeira vez desde que Sarney deu lugar a Fernando Collor na Presidência da República, o PMDB pode voltar a ocupar o cargo mais importante do país. “Dos três políticos mais fortes do partido, o único que almejava esse cargo era o Cunha, mas era um desejo pessoal. A cara do PMDB é o Renan Calheiros, que atua como pano de fundo para manter seus espaços de poder”, diz Mucinhato. Em um partido com tanta volatilidade de posições, é impossível saber como as peças vão se reorganizar num eventual governo Temer.

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