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O peso da crise prisional para os agentes, segundo psicólogo

No epicentro do caos do sistema prisional brasileiro, agentes recorrem ao álcool e às drogas e, ao morrer, têm em média 45 anos de idade

 (Reuters)

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Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 21 de janeiro de 2017 às 10h53.

São Paulo - As cenas que chocaram o Brasil desde que o caos dos presídios eclodiu em uma série de confrontos entre facções rivais são acompanhadas de perto todos os dias pelos agentes de segurança penitenciária, profissionais cuja função resume os paradoxo das cadeias brasileiras.

“Como esses funcionários vão agir ou suportar emocionalmente a carga de ver um preso sendo degolado? Imagine esse agente chegando em casa”, afirma  o professor universitário Arlindo da Silva Lourenço, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) que estuda a rotina de trabalho dos agentes.

Em sua tese de doutorado, defendida em 2010, Lourenço percebeu que, em média, quando falecidos, os agentes morriam por volta dos 45 anos de idade.  “Não é uma expectativa de vida, mas esse dado indica que, ao morrer, esses funcionários são muito novos”, diz o especialista que atuou como psicólogo durante 24 anos em presídios do estado de São Paulo..

Isso se deve a uma série de fatores. O abuso de álcool, cigarro e outras drogas é recorrente entre esses profissionais bem como os afastamentos do trabalho por causas relacionadas a problemas psíquicos ou emocionais.

Nesta semana, os agentes de segurança penitenciária do estado do Rio de Janeiro fizeram uma paralisação durante três dias por atrasos no pagamento de salários. Eles reclamam também da falta de segurança e péssimas condições de trabalho.

“A gente precisa refletir sobre o papel da prisão na sociedade. Como entender a instituição sob o princípio de ressocialização se ela enjaula pessoas?”, afirma Lourenço. “A sociedade falha quando mantém as prisões como a única forma de controle da criminalidade”.

Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com nesta semana:

EXAME.com: O agente penitenciário tem o papel de ser o elo do preso com a realidade de fora do presídio. Qual é o peso dessa carreira para esses profissionais?

Arlindo da Silva Lourenço: O papel é muito grande, muito pesado. Pressupõe-se, a partir de uma tese falsa, que a prisão ressocializa, reeduca e reconstitui a vida do sujeito e que quem deverá fazer esse papel são os funcionários da prisão, particularmente, os agentes de segurança penitenciária, que têm um contato maior com o preso. Então, se espera que eles, além de serem agentes de segurança sejam também agentes reeducadores, reintegradores e ressocializadores.

O que há de errado com esse papel?

Na verdade, a gente precisa refletir sobre o papel da prisão na sociedade. Uma coisa são os objetivos confessados da prisão, de socializar e reeducar, outra coisa é o papel de exclusão e controle social da prisão. Como entender a instituição sob o princípio de ressocialização se ela enjaula pessoas? Essa contradição, esse paradoxo da prisão precisa ser entendido.

Em que o Estado falha no suporte para o agente de segurança penitenciária?

Primeiro, a sociedade falha quando mantém as prisões como a única forma de controle da criminalidade. Não estou discutindo se a prisão deve permanecer na sociedade. Estou discutindo que a sociedade falha quando pressupõe a prisão como a principal via de contenção da criminalidade, como se não tivessem outras penas alternativas.

Agora, o Estado falha também quando não dá condições mínimas para as pessoas e para os funcionários trabalharem com dignidade. São lugares frios, sujos, superlotados, com uma grande concentração de doenças infecto-contagiosas e um festival de facções. Isso tudo com um número limitado de funcionários trabalhando.

A sua pesquisa mostra que a idade média de óbito dos agentes de segurança penitenciária é de 45 anos. Por que eles morrem tão cedo?

Eu peguei  dados de mortalidade, fui atrás dos atestados de óbito, fiz uma média aritmética simples e percebi que, quando mortos, esses funcionários tinham uma idade média muito baixa.  Não é uma expectativa de vida, mas esse dado indica que, ao morrer, esses funcionários são muito novos e morrem em decorrência de uma série de fatores, como acidentes de trânsito, com armas de fogo, armas brancas e algumas doenças do coração.

Como trabalhar em presídios explica essas mortes?

A carga emocional é muito intensa. Pensando nos funcionários dos presídios [onde ocorreram motins] nas regiões norte e nordeste, como esses funcionários vão agir ou suportar emocionalmente a carga de ver um preso sendo degolado? Imagine esse agente chegando em casa com essa carga emocional intensa tendo que também toda a carga emocional familiar. Esse é um ambiente extremamente complicado para trabalhar.

O senhor menciona em sua pesquisa que uma grande parte dos agentes possuem um segundo emprego ...

A   grande parte tem um duplo emprego, uma outra função, geralmente, autônoma sem registro. Em São Paulo, [a jornada dos agentes é de] 12 horas de trabalho por 36 de descanso. Imagina permanecer 12 horas dentro de um presídio onde a tensão é sempre grande, sair daqui e ir para outro trabalho, geralmente, de 12 horas.

Outra questão que o senhor levanta é que 10% dos agentes pedem licença do trabalho. Quais são as razões mais comuns?

Muitos por estresse pós-traumático, alguns por psicose, outros por problemas relacionados à álcool, outros às drogas. A grande maioria por problemas psicológico ou emocionais. Esse dado é até maior em alguns estados.

Quando o senhor trabalhava em presídios, quantos psicólogos atuavam junto com o senhor?

Por volta de 1993 e 1994, nós éramos oito psicólogos para um contingente de aproximadamente 800 presos. Em 2015, éramos três psicólogos para 2 mil presos em Guarulhos, na penitenciária José Parada Neto. Isso é em todo o estado.

Quais são os momentos mais tensos do dia para o agente de segurança penitenciária?

No dia a dia, era abrir e fechar as celas. São dois ou três agentes para abrir celas de um pavilhão com 300, 400, 500, 600 presos ou mais. Imagine dois agentes de segurança penitenciária entrando num pavilhão abrindo cela por cela com as condições que a gente ouve. Esse é um momento do dia bastante tenso. Claro que tem vários momentos que vão caracterizando um pouco mais de tensão. Eu cheguei a ver, por exemplo, funcionários entrando no pavilhão para trancar presos e sendo rodeados por uma série de outros presos, que queriam intimidar dizendo quem estava no poder ou no comando.

A relação entre presos e agentes tende a ser amistosa?

Na maioria do tempo, é uma relação muito amistosa e de respeito mútuo. Esses eventos que estou dizendo são um pouco isolados, vão acontecendo, mas são facilmente tratados e resolvidos ali - evidentemente não uma rebelião, claro.

É possível repensar a função do agente?

Primeiro é  discutir a forma como lidamos com a criminalidade. Não dá para você tratar o dependente químico ou o pequeno traficante de drogas da mesma forma como se trata o estuprador, o latrocida, o grande traficante. Essas coisas todas que as pesquisas mostram há muito tempo, mas que o Brasil não consegue avançar. O país continua prendendo indiscriminadamente, principalmente, a população mais vulnerabilizada. É uma verdade também que nosso sistema penal é seletivo, então, não é todo mundo que comete o mesmo crime que será preso. Essas coisas precisam ser discutidas no Brasil.

 

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