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O lado místico da capital brasileira

Magos, ninfas, guerreiros e príncipes maias se conectam com o além durante rituais simultâneos no Vale do Amanhecer, a 40 km de Brasília

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 6 de junho de 2013 às 18h48.

Vestidos com roupas inspiradas em civilizações passadas e futuras, dezenas de magos, ninfas, guerreiros e príncipes maias se conectam com o além durante rituais simultâneos no Vale do Amanhecer, a 40 km de Brasília.

Muitos moradores desta pequena cidade, que anualmente atrai milhares de turistas e adeptos da comunicação com os espíritos, estão vinculados à doutrina religiosa do Vale do Amanhecer e andam pelas ruas vestidos com as roupas usadas nos rituais.

A comunidade do Vale do Amanhecer não é um caso raro em Brasília. Em matéria espiritual, é difícil superar a oferta existente por lá. A cidade acolhe quase mil templos de todos os credos, ainda que seja capital do país com maior número de católicos do mundo.

Os místicos garantem que a obra futurista do arquiteto Oscar Niemeyer, inaugurada em 1960, foi construída numa área de grande energia cósmica. Bem no centro do país, sobre uma grande planície a 1.100 metros acima do nível do mar, Brasília repousa sob um manto de cristais, incrustados em seu subsolo.

Koraly Aredes, ex-missionária católica de 86 anos que passou mais da metade de sua vida na África, diz que encontrou sua fé no Vale do Amanhecer. "Vi tanta miséria na minha vida que deixei de crer em Deus, e encontrei a resposta no espiritismo", conta.

A doutrina do Vale do Amanhecer, que contabiliza cerca de 100.000 médiuns, nasceu nos anos 1960 pelas mãos da viúva, caminhoneira e clarividente Neiva Chaves Zelaya. Morta em 1985, ela é conhecida como "Tia Neiva".

O lugar tem muito da estética "new age" da época. Situado junto a uma pirâmide egípcia, o templo principal lembra uma nave espacial. Dentro, cores fortes e espelhos dividem os espaços, cheio de imagens e altares -- chamados de pontos cabalísticos -- dedicados à lua, ao sol, Jesus Cristo ou a Rainha de Sabá. Tudo segundo as visões de Tia Neiva.

O principal altar está dedicado a Flecha Branca, um índio da fronteira do Peru com a Bolívia considerado o espírito mais evoluído e uma reencarnação de São Francisco de Assis.

Os visitantes aguardam em filas para receber curas mediadas pelos espíritos, limpar a alma ou alcançar o contato com o além. A medida em que aumentam os ritos e cânticos, o local ganha uma nova aura, resultado da fumaça dos incensos.


Em trajes com ares intergaláticos, marrom, em homenagem a São Francisco de Assis, e preto, pelo ocultismo, o advogado e médium Paulo Roberto guia os turistas.

"Os católicos usam uma batina; os judeus, o quipá; nós também usamos uma roupa diferente para representar uma reencarnação ou nossa missão no Vale", conta o brasiliense de 50 anos.

O turismo da fé e o interesse místico crescem silenciosamente em Brasília e em seus arredores.

Com 100.000 visitantes por mês, o lugar mais frequentado da cidade é o Templo da Boa Vontade, uma pirâmide aberta 24 horas por dia que não tem ligação com nenhuma religião, onde as pessoas passeiam por uma espiral para renovar e limpar suas energias.

Com uma vocação natural para o turismo graças a sua moderna arquitetura, o governo local estuda o projeto de um projeto de turismo religioso com a Unesco. É o que explica a subsecretária de diversificação da oferta turística, Meire França.

A 70 km de Brasília, a pequena cidade de Abadiânia recebe milhares de romeiros da fé, que toda semana chegam para consultar o médium mais famoso do Brasil, João de Deus. Ele já atendeu celebridades do mundo inteiro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a apresentadora de TV americana Oprah Winfrey. Na casa do médium acontecem as "cirurgias espetaculares", com bisturis, agulhas e sem anestesia.

No Gama, a 30 km da capital, outro médium garante curar com a ajuda dos espíritos.

Há 55 anos Valentim Ribeiro Souza atende três vezes por semana a milhares de pacientes, muitos com câncer ou desenganados pela medicina convencional. Ribeiro atua com sua inseparável assistente Cherifa Mohamed Gonzales, uma cirurgiã plástica cujo marido se curou de um aneurisma cerebral pelas mãos do médium.

Num local humilde, vestido com uma bata branca e tesouras nas mãos, o "doutor Valentim", analfabeto, inicia pontualmente sua consulta às sete horas da manhã.

Hiperativo aos 73 anos, Valentim consegue com seu bom humor arrancar sorrisos dos mais abatidos, enquanto os toca com suas inquietas tesourinhas. Para curar, ele oscila entre golpes sonoros na cabeça, estalos como se de fato estivesse contando a pele, espasmos ou gritos abruptos.


"Hoje estou completamente curada", afirma, exultante, Leonice Silva Rocha, de 70 anos, que garante ter sido curada de um câncer no único rim que lhe resta.

Em quatro horas, Valentim atendeu 900 doentes. No sábado serão cerca de 1.400.

Com a ajuda de 60 espíritos, "vejo tudo o que está dentro das pessoas", explica o doutor Valentim, que diz ter passado 14 anos em cadeira de rodas até que uma cura espontânea o converteu em "médico espiritual".

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