Geraldo Alckmin pode se unir a Lula ou concorrer ao governo de São Paulo (Gabriel Cabral/Folhapress)
Alessandra Azevedo
Publicado em 17 de dezembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 17 de dezembro de 2021 às 06h56.
Órfão de partido desde quarta-feira, 15, quando anunciou a saída do PSDB, Geraldo Alckmin tem um decisão importante a tomar nos próximos meses. Antes de escolher a qual sigla vai se filiar, ele precisa definir o que quer nas eleições de 2022. Hoje, a dúvida é se assumirá o lugar de vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou se aproveitará que está bem colocado nas pesquisas para o governo de SP e tentará voltar ao Palácio dos Bandeirantes.
Em meio a especulações sobre a chapa, Alckmin participará de um jantar organizado pelo grupo Prerrogativas, um coletivo de advogados progressistas e antilavajatista, no domingo, 19, que também contará com a presença do petista. Lula e Alckmin devem dividir a mesma mesa, o que gera expectativas de que as conversas a respeito de uma união sejam intensificadas.
Enquanto convenientemente alimenta as especulações sobre a possibilidade de formar uma chapa presidencial com o antigo adversário petista, Alckmin negocia a entrada em um novo partido, depois de 33 anos de PSDB. As principais opções estudadas são PSB, PSD e Solidariedade, cada uma com algo a oferecer, mas todas também com desafios que precisam ser levados em consideração pelo ex-tucano.
No caso do PSB, partido mais cotado atualmente para compor a dobradinha Lula-Alckmin, o que ainda falta é um bom acordo. O principal problema é que uma chapa PT-PSB envolve negociações difíceis em alguns estados, como em São Paulo, onde o partido socialista não vai abrir mão de lançar a candidatura de Márcio França a governador e não quer Fernando Haddad como adversário.
Nas negociações para garantir a chapa PT-PSB na Presidência, o PSB teria exigido a retirada da candidatura de Haddad no estado. Nos bastidores, uma das opções estudadas é lançar o petista como candidato ao Senado, com possibilidade de, caso Lula seja eleito, se tornar ministro de governo. A vaga para suplente no Senado, nesse caso, entraria nas negociações.
“Isso daria uma força política para o Haddad, caso ele tenha que abrir mão de concorrer ao governo”, diz o gerente de análise política e econômica da Prospectiva Consultoria, Adriano Laureno. A hipótese foi descartada por Haddad na quarta-feira, 15, no Twitter, quando ele disse que “é completamente falsa a informação” de que cogita candidatura ao Senado.
Diante das dificuldades com o PSB, mas se realmente quiser sair como vice de Lula, outra opção para Alckmin é se filiar ao Solidariedade — alternativa vista como um pouco mais distante, mas não impossível. O presidente da sigla, Paulinho da Força, já abriu as portas. O contra, nesse caso, é que o partido é menor que os outros e, por isso, tem menos recursos para agregar a uma campanha.
Já o anúncio de uma filiação ao PSD, que também tem interesse no ex-governador, sinalizaria que Alckmin tende a ser candidato ao governo de São Paulo, não a vice de Lula. A sigla de Gilberto Kassab, além de já ter um pré-candidato oficial — Rodrigo Pacheco (PSD-MG), atual presidente do Senado —, tem uma série de restrições estaduais que dificultariam que ele fosse vice do PT.
“Se Alckmin se filiar ao PSD, estará dando uma clara mensagem de que a preferência dele é concorrer ao estado de São Paulo”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice. Já o Solidariedade poderia ser uma boa opção para concorrer a vice de Lula, já que ampliaria o arco de alianças do ex-presidente e não tem tantos obstáculos como no caso do PSB.
Mesmo sem certeza sobre o partido, a mera especulação em torno da chapa já gera efeitos positivos tanto para o ex-governador quanto para o ex-presidente, dizem especialistas. Alckmin, depois de um tempo com problemas no PSDB e sem grandes aparições, volta a ter relevância no debate público. E Lula, só de conversar com sobre uma união, passa o recado de pacificação e diminui a resistência do mercado a um eventual governo petista.
“Essa especulação, mesmo que não se concretize, é boa para o Lula, porque demonstra que ele está aberto ao diálogo, melhora a visão do mercado e, se for para a frente, reduz espaço para terceira via”, avalia Laureno. Já para Alckmin, é favorável porque “volta a colocá-lo nas manchetes, no debate público nacional'', explica.
Se for confirmada, a estratégia de colocar Alckmin como vice é parecida com a de 2002, quando Lula escolheu como vice José Alencar, um empresário, e lançou a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar o mercado ao ser eleito. “O ganho fundamental dessa chapa seria a possibilidade de dialogar com setores que Alckmin tem mais acesso”, diz o cientista político Creomar de Souza, presidente da consultoria Dharma.
Alckmin, no entanto, não tem potencial de agregar muitos votos à chapa. Não é esse o ponto positivo de colocar o ex-tucano como vice-presidente, ainda mais depois do fraco desempenho dele nas eleições de 2018, quando teve menos de 5% dos votos válidos no primeiro turno, mesmo sendo o candidato com mais verbas e tempo de televisão.
Não significa, porém, que Alckmin tenha perdido a relevância política. Souza lembra que as eleições de 2018 foram atípicas, com uma onda antipolítica muito forte, o que explica, em parte, o resultado ruim para nomes mais tradicionais, como o ex-governador de São Paulo e vários nomes mais ao centro, como Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT).
O mesmo fenômeno não deve se repetir em 2022, quando as pessoas estarão mais preocupadas com resultados práticos, principalmente na economia e na parte social. Esse novo ângulo tende a favorecer Lula e também Alckmin, independentemente do cargo que almejar, acredita Souza.
Apesar de não agregar muitos votos à chapa no primeiro turno, ainda mais diante das nove opções de terceira via hoje colocadas, Alckmin pode diminuir a rejeição a Lula em setores de centro e da direita em um eventual segundo turno, avalia Laureno. “Pode ter efeito positivo na disputa mais para a frente e também em um começo de governo, nas articulações”, diz.
Também há resistência de parte da esquerda a Alckmin, mas nada que impeça a chapa de ser formada, caso seja a decisão do ex-presidente e do ex-tucano. “Lula é muito respeitado no PT. Se ele decidir que vai ser Alckmin, os outros vão aceitar. Pode haver discordância, mas nada que prejudique a decisão”, acredita Cristiano Noronha.
Mas conversar com o petista parece uma estratégia perigosa para um político que já figurou como adversário do PT muitas vezes, como é o caso de Alckmin. Para Noronha, com as conversas recentes, Alckmin pode acabar perdendo votos de eleitores antipetistas, caso decida concorrer ao governo do estado. “Ele vai muito bem quando está contra o PT, tem muito voto antipetista”, ressalta.
Pesquisa EXAME/IDEIA divulgada no último dia 10 mostra que 48% da população avalia de forma negativa uma chapa Lula-Alckmin. Já 35% têm avaliação positiva, enquanto 17% dos entrevistados são neutros quanto ao assunto. A conclusão de Maurício Moura, fundador do IDEIA, é que a junção com Lula afasta parte dos apoiadores de Alckmin. Ou seja, no âmbito estritamente eleitoral, quem perde mais é o ex-tucano.
O plano da chapa, no entanto, pode não se concretizar. Mas, nesse caso, as conversas não devem ter um efeito devastador entre os eleitores de Alckmin em São Paulo, caso ele decida concorrer ao governo estadual, diz Laureno. “Ele tem uma figura pública muito estabelecida, principalmente no interior de São Paulo, que não muda apenas por ele ter conversado com Lula”, aponta.
Laureno acredita, inclusive, que a aproximação com Lula pode acabar sendo útil em um eventual segundo turno no estado. Se a disputa ficar entre Rodrigo Garcia (PSDB) e Alckmin, por exemplo, o fato de o ex-governador ter conversado com o ex-presidente petista pode diminuir a resistência do eleitorado de esquerda com ele e render votos.
Apesar do viés positivo, a chapa Lula-Alckmin também tem pontos problemáticos, na visão do cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Um deles é o fato de que os dois são de São Paulo. “Acho um arranjo complexo de se materializar. Não recordo, na história democrática recente do Brasil, de chapas vitoriosas trazendo presidente e vice do mesmo estado”, comenta.
Segundo Grin, essa composição de chapa poderia gerar uma sinalização ruim para os outros estados, de que as decisões que serão adotadas em um futuro governo poderiam secundarizar outras regiões. “É um elemento que precisa ser levado em conta, porque gera custo político”, observa.
Outro problema da chapa é que os dois precisarão gastar muito tempo explicando acusações feitas no passado, ressalta Grin. “Vai ser preciso muito contorcionismo político e verbal para explicar as várias farpas trocadas em 2006, com Lula falando que Alckmin queria entregar patrimônio público, privatizar a Petrobras, e Alckmin dizendo que Lula era corrupto”, lembra.
Outro ponto levantado pelo cientista político da FGV é que, para Alckmin, a perspectiva de ser indicado presidente em 2026, em uma chapa com o PT, são nulas mesmo se ele for vice de Lula agora. “O PT é extremamente hegemonizador, ele não vai ter chance nenhuma de fazer campanha com Alckmin cabeça de chapa”, diz.
Apesar disso, é importante para o PT, em tempos de polarização política, garantir uma chapa diversificada, não uma “puro sangue” de esquerda. Laureno lembra que o PT só ganhou eleições quando tinha vices centro-direita. “Quando tentou fazer com a esquerda, perdeu, como em 2018, com a Manuela D’Ávila”, lembra.
Souza, da Dharma, lembra que o que tem em comum nas derrotas de Lula nas tentativas de ser presidente é o fato de ter concorrido com vices de esquerda. “Isso aumentava a animosidade de candidatura. Ele venceu duas vezes, e nas duas ele tinha companheiro bem ao centro-direita, José Alencar”, aponta.
As conversas avançam, mas a definição do posicionamento de Alckmin em 2022 não deve ser anunciada tão cedo, acredita Grin. Assim, o ex-governador garante mais tempo na mídia, com as especulações em torno da chapa com Lula. Até agora, o ex-presidente sequer confirmou a própria candidatura. O anúncio oficial deve ficar para o ano que vem.