Maré perigosa: estudo mapeia situação atual da pesca fantasma no Brasil. (Jordi Chias/ Proteção Animal Mundial/Divulgação)
Vanessa Barbosa
Publicado em 7 de dezembro de 2018 às 15h32.
Última atualização em 7 de dezembro de 2018 às 15h53.
São Paulo – Nossa relação com o mar foi fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do mundo. Agora os oceanos pedem ajuda, sufocados pela poluição gerada por atividades humanas e, principalmente, por lixo plástico. No ritmo atual, segundo a ONU, haverá mais plástico do que peixe nos mares em 2050.
Na lista de ameaças ao ecossistema marinho, além da má gestão do lixo nas cidades e indústria, há uma prática que passa quase despercebida, mas que traz graves prejuízos à vida marinha: a chamada pesca fantasma, que consiste na perda de equipamentos de pesca, como redes, cabos, linhas de nylon e amarrações, em sua maioria feitos de plásticos, que demoram até 600 anos para se degradar.
Segundo a ONG World Animal Protection (Proteção Animal Mundial), a cada ano, cerca de 640 mil toneladas de equipamentos são deixadas nos mares, colocando em risco a vida de milhares de seres que acabam presos no emaranhado de plástico.
No Brasil, a "pesca fantasma" pode impactar até 69 mil animais marinhos por dia, segundo estudo inédito apresentado pela ONG nesta sexta-feira em evento em São Paulo promovido em parceria com a ONU Meio Ambiente.
O levantamento “Maré Fantasma – Situação atual, desafios e soluções para a pesca fantasma no Brasil” estima que 70% do litoral brasileiro é afetado pela prática, incluindo áreas de proteção ambiental, como unidades de conservação.
“É uma triste realidade, mas a pesca fantasma tem muita relação com atividades ilegais, de capturas predatórias e métodos que não respeitam a legislação ambiental e que acontecem em áreas de proteção ambiental”, explicou a Diretora Executiva da Proteção Animal Mundial, Helena Pavese. “Quando o infrator teme ser flagrado na atividade criminosa nessas regiões acaba abandonando os equipamentos no mar”.
Os custos ecológicos são altos. De 5 a 30% do declínio de algumas espécies marinhas pode ser atribuído aos petrechos fantasmas, inclusive de populações ameaçadas de boto-cor-de-rosa e tucuxi, na Amazônia, número que tende a aumentar se nada for feito.
“Os equipamentos de pesca são projetados para matar, no momento que você perde esse equipamento no meio ambiente ele continua exercendo sua função. Muitos animais morrem de forma lenta e dolorida: 92% dos que entram em contato com esses materiais, ou se emaranham e acabam mutilados e sufocados, ou ingerem o resíduo e acabam morrendo por inanição”, alertou João Almeida, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.
Falta de conhecimento
Segundo o relatório, mais de 6 mil toneladas de redes de pesca são produzidas ou importadas por ano no Brasil. Com base nisso, e utilizando estimativas de perda de equipamentos publicadas, a ONG estima que mais de meia tonelada (580 kg) desses materiais podem ser abandonados ou perdidos nos mares brasileiros diariamente.
Os números são aproximados e não foi fácil chegar a eles. “Existe uma lacuna de conhecimento sobre o tema no Brasil. Apenas São Paulo e Santa Catarina concentram os poucos projetos e bancos de dados sobre a pesca fantasma. Nos desdobramos para encontrar números que nos ajudassem a entender a escala do problema. Cruzamos dados de produção de redes disponibilizados pelo IBGE e os de importação de redes do Ministério da Indústria”, afirmou Almeida.
Para reverter essa situação, a Proteção Animal Mundial promove a campanha Sea Change que visa chamar a atenção para o problema e conscientizar o governo, o setor privado e a população para que medidas comecem a ser tomadas no Brasil.
Da perspectiva de governo, o estudo destaca que é necessário investir em pesquisa, gerar conhecimento e materiais mais biodegradáveis, e criar regulamentação que cobre uma gestão mais responsável de resíduos de pesca e fiscalização de maior abrangência, além de aderir a convenções e iniciativas internacionais de combate à pesca fantasma.
“Já a indústria da pesca precisa urgentemente internalizar a gestão responsável na estratégia corporativa, além de investir na utilização de apetrechos de pesca identificados com produção de origem e com localizadores [GPS]”, destacou Almeida.
Monitorar esses materiais, segundo a ONG, é uma forma de mitigar o problema. Felizmente, países membros da ONU terão que identificar todas as suas redes de pesca até 2025 de forma que será possível saber a origem de uma rede encontrada em uma ilha deserta, por exemplo, e cobrar responsabilização.
Com a marcação, as agências de controle conseguirão realizar fiscalizações mais eficientes e estabelecer punições às empresas e aos pescadores que não mudarem suas operações.