Brasil

O estado e o Exército não se entendem no Alemão

Acusados de truculência, militares divulgam vídeo de traficantes na Vila Cruzeiro e criam problema para Sérgio Cabral, dando munição aos inimigos políticos do governador

Bandeira do Brasil colocada no Complexo do Alemão (AGÊNCIA BRASIL)

Bandeira do Brasil colocada no Complexo do Alemão (AGÊNCIA BRASIL)

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Da Redação

Publicado em 7 de setembro de 2011 às 10h30.

Rio de Janeiro - No meio da crise entre militares e moradores do Complexo do Alemão, surge a necessidade de pacificação nos discursos das Forças Armadas e da Secretaria de Segurança do Estado. Pressionado por acusações de truculência na contenção de um tumulto na favela, o Exército reagiu, nesta terça-feira, com uma resposta que vai de encontro a tudo que vinha defendendo o secretário José Mariano Beltrame em suas aparições públicas, seja no Alemão ou nas favelas que já receberam as UPPs. Diz o Exército: houve confusão porque ainda há tráfico no Alemão. Diz Beltrame: o objetivo da pacificação não é eliminar totalmente o tráfico, mas tirar os moradores da linha de tiro.

Beltrame sempre deixou claro que acabar com 100% do tráfico é uma meta impossível, e que mais importante é tirar o morador da ponta do fuzil. Ou seja: venda de drogas, como há em condomínios da zona sul, vai haver na favela. A novidade da política proposta por ele, Beltrame, e endossada em tom de quase unanimidade por entidades da sociedade civil, era o objetivo de evitar derramamento de sangue em áreas pobres, onde o tráfico de drogas exercia controle territorial.

Sérgio Cabral, que tem nas UPPs o seu projeto prioritário de segurança pública, carro-chefe de sua reeleição em primeiro turno no ano passado, fez uma avaliação mais realista dos problemas do último fim de semana. Evidentemente, isso (a pacificação) é um processo de educação recíproca entre a força de pacificação e a comunidade. É um aprendizado diário. Há, tanto na comunidade quanto na força de segurança, resquícios de um viés violento. Mas isso é minoria. Há pelo menos 30 ou 40 anos, a polícia só entrava para atirar e depois deixava a população refém dos bandidos. É um processo que não tem fim, mas vai melhorar a cada dia, disse o governador.

Mas eis que os militares, em uma tentativa de justificar as dezenas de marcas de bala de borracha exibidas por moradores do Alemão, usam o argumento de que traficantes ainda atuam na favela. Para isso, o comando da Força de Pacificação divulgou – até as 18h desta terça-feira, apenas para o jornal O Globo – um vídeo que mostra a atividade em uma boca de fumo que seria no Alemão.

É conhecida a prática do tráfico de drogas de estimular a baderna para tentar desmoralizar a polícia, o Exército ou quem quer que se coloque no caminho do lucro fácil das quadrilhas. Ninguém descartou – nem deve descartar – esse risco nas operações de reconquista de território ocupado por traficantes. Mas recomeçam, a partir deste ponto, os problemas de se ter, em uma parte do Rio de Janeiro, homens das Forças Armadas cuidando de segurança pública. Quem tem o policiamento ostensivo como missão é a Polícia Militar. Mas, no Alemão, um conjunto de 13 favelas com cerca de 65 mil moradores, o efetivo necessário ainda não está formado. Lembrando: a ocupação do complexo, em novembro do ano passado, foi a toque de caixa, como reação necessária e bem-sucedida a uma série de incêndios de automóveis em pontos do Rio.


A urgência, a falta de pessoal e a impossibilidade de se recuar em um avanço histórico fizeram o Exército entrar em uma guerra na qual sua participação deveria se encerrar logo após a retomada do território. Este era, aliás, o plano inicial divulgado pelas autoridades.

No último dia 30, foi anunciada a prorrogação da permanência do Exército até junho de 2012. É uma ajuda e tanto para o governo do estado. Mas um problema e tanto para os militares, que vão suprindo a falta de policiais militares no Rio.

Formaram-se 489 soldados da PM. Desses, 385 vão para a UPP da Mangueira – favela ocupada muito depois do Complexo do Alemão. Os demais vão para batalhões do interior, em substituição a policiais que foram deslocados para UPPs.

Ao prorrogar a permanência dos militares do Exército no Alemão, entrega-se a homens treinados para combate e para missões de paz como no Haiti – algo bem diferente da rotina de uma favela, por mais precárias que sejam as condições na zona norte do Rio – o papel de lidar com problemas do cotidiano de uma região pobre. E, entre os estopins cogitados para o tumulto da noite de domingo há uma cena bem comum a qualquer favela: o excesso de volume em um equipamento de som, uma TV, uma festa ou qualquer outra coisa que não se resolve com tiros, bombas e escudos balísticos.

Ao divulgar um vídeo com movimento de uma boca de fumo – algo que também deve existir em outras favelas consideradas pacificadas – o Exército cria um problema para o estado: faz correr pelo Brasil a imagem de que o tráfico continua a operar nas barbas das forças de segurança.

O vídeo com traficantes atuando na Vila Cruzeiro – não no Alemão, onde houve o conflito entre Exército e moradores – é um caso clássico de ‘fogo amigo’. A gravação ocorreu, segundo uma fonte do Exército, há duas semanas. O diagnóstico dos militares é de que o tráfico continua, mas opera de forma mais discreta e até mais cruel, recrutando crianças para a venda de drogas.

A partir de agora, quem leva chumbo são as UPPs. O ex-prefeito Cesar Maia, do DEM, e o ex-governador Anthony Garotinho, do PR, agora são aliados. E estão alinhados: passaram a relacionar o assassinato de um arquiteto e a confusão no Alemão, dois episódios sem nenhuma relação, para denunciar um estado de insegurança generalizado no Rio - que não existe.

Veja o vídeo:

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