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O Brasil vai conseguir financiar o SUS até 2060? Esta pesquisa diz que sim

IEPS projeta que necessidade de financiamento público extra no período será de 1,6 ponto percentual do PIB diante do envelhecimento populacional

Mais Médicos no Brasil (Ueslei Marcelino/Reuters)

Mais Médicos no Brasil (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 15 de novembro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 15 de novembro de 2019 às 09h00.

São Paulo — A singularidade do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil — o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que prevê acesso universal à saúde — levanta, de tempos em tempos, uma pergunta inevitável: o sistema é sustentável no longo prazo?

A preocupação se agrava no cenário atual de restrição fiscal e baixa capacidade de implementar políticas públicas após um ciclo de crises políticas e econômicas.

Isso sem falar nos desafios comuns aos países continentais e diversos, como a heterogeneidade entre regiões e populações, e tropicais, com suas múltiplas cargas de doenças. Há também o rápido envelhecimento populacional, que motivou recentemente uma profunda reforma da Previdência.

A questão foi tema, neste mês, uma pesquisa inédita do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), iniciativa capitaneada pelo economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Os pesquisadores Rudi Rocha, Isabela Furtado e Paula Spinola adotaram uma metologia de projeção de gastos e, adaptando para o contexto do Brasil, chegaram a cinco cenários para o setor público. A conclusão é que o SUS é sustentável até pelo menos até 2060.

Em 2015, de acordo com o IBGE, o Brasil totalizou R$ 546 bilhões em consumo final de bens e serviços de saúde — o equivalente a cerca de 9,1% do Produto Interno Bruto. Desse total, R$ 231 bilhões, ou 42% do total em saúde, corresponderam a despesas públicas e o restante, a despesas privadas. 

De acordo com as projeções, a necessidade de financiamento da saúde no Brasil chegaria a 12,8% do PIB em 2060. Isso equivale a um crescimento de 3,7 pontos percentuais, ou aproximadamente R$ 1,062 trilhão, em relação aos valores de 2015.

Cerca de R$ 459 bilhões corresponderiam às necessidades extras do setor público, ou aproximadamente 1,6 ponto percentual do PIB. Veja no gráfico a trajetória esperada:

Os pesquisadores destacam que as projeções se referem às "necessidades de financiamento", mas não ao que deverá ocorrer de fato com os gastos, que "dependerá da capacidade da sociedade em responder às necessidades com mais ou menos recursos".

A mudança no perfil de gasto do país já está no radar. Uma das propostas do pacote apresentado recentemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é de uma nova regra para estados e municípios: os pisos mínimos de saúde e educação, hoje estabelecidos separadamente, seriam um só, permitindo que o gestor decida em qual área usar.

Estados e municípios hoje são constitucionalmente obrigados a despender um mínimo de 25% da receita líquida de impostos em educação. No caso da saúde, o percentual é de 12% da receita para estados e 15% para municípios.

Claudio Lottenberg, presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Albert Einstein e chairman do UnitedHealth Group Brasil, empresa dona da Amil, aposta que a resolução da questões de saúde se dará não só através de aumento de gastos, mas também por mudanças profundas em todo o setor.

"Hoje o Brasil tem uma prática médica fragmentada, com métodos que incentivam o desperdício. Não tem processo de compliance adequado e nem de uma transformação digital. Sem isso, não adianta só aumentar gasto, porque nunca será suficiente", diz Lottenberg, que é um dos autores do livro "A Revolução Digital na Saúde".

Tecnologia aliada

Dentre os cenários desenhados pela pesquisa, o mais positivo faz uma relação de ganhos de eficiência e inovações tecnológicas, que "eventualmente permitiriam aumentos de qualidade e cobertura com menos recursos".

Segundo a projeção, em um cenário assim, as necessidades de financiamento, até 2060, teriam um acréscimo de apenas 0,41 pontos percentuais do PIB. No entanto, os pesquisadores apontam que "não existem evidências de que isso esteja acontecendo no país".

Para Lottenberg, o SUS, de fato, não tem um plano diretor de inserção digital, que deveria ser desenhado pelo Ministério da Saúde e replicado em estados e municípios. "Isso seria o grande investimento que faríamos no sistema público, que pode, inclusive, contar com parcerias do setor privado, que já está mais avançado nesse quesito".

Já do lado aposto, em um panorama de maiores investimentos, o gasto total com saúde chegaria a 17,2% do PIB em 2060. "Um resíduo positivo, de modo análogo, pode refletir expansão contínua de qualidade e cobertura de bens e serviços, ou uma elevação das curvas de custos médicos, para além de ganhos de renda ou necessidades devidas ao envelhecimento populacional", escrevem os pesquisadores.

Um fator de preocupação é que a inflação dos produtos e serviços de saúde ao redor do mundo tende a ser maior do que a inflação de forma geral, em parte devido à incorporação de tecnologias caras. É difícil saber o que acontece no longo prazo porque há outros fatores em jogo, como uma melhora geral da qualidade de vida, que podem jogar na direção contrária.

"Alternativamente, [a alta de custos] pode também refletir aumento de ineficiências relacionadas a restrições institucionais e ao sobreuso ineficiente do sistema — por exemplo, devido a um aumento de necessidades de recursos por conta de judicializações na saúde ou a um crescimento da ineficiência alocativa do setor privado", dizem.

Uma coisa é certa: se manter uma pessoa saudável já é difícil, manter um sistema de saúde saudável para um país inteiro continuará sendo um desafio monumental.

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