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O Brasil no azul?

Para encontrar números positivos na economia brasileira é preciso procurar com lupa. Pois, nos últimos dois meses, o país nos brindou com um desses índices impensáveis até pouco tempo: nossa balança de transações correntes ficou positiva em 1,6 bilhão de reais em abril e maio. Foi a primeira vez em sete anos que o país fechou […]

PORTO DE SANTOS: em 2017, a balança pode ter novo recorde, mas desta vez por bons motivos / Germano Lüders (Germano Lüders/Site Exame)

PORTO DE SANTOS: em 2017, a balança pode ter novo recorde, mas desta vez por bons motivos / Germano Lüders (Germano Lüders/Site Exame)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 24 de junho de 2016 às 11h43.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h04.

Para encontrar números positivos na economia brasileira é preciso procurar com lupa. Pois, nos últimos dois meses, o país nos brindou com um desses índices impensáveis até pouco tempo: nossa balança de transações correntes ficou positiva em 1,6 bilhão de reais em abril e maio. Foi a primeira vez em sete anos que o país fechou um mês no azul. Fechar assim dois meses seguidos não acontecia desde 2007. A explicação simples é: enviamos mais dinheiro para o exterior do que recebemos por meio de investimentos e compras. Nas entrelinhas, porém, entender os porquês desse número ajuda a explicar a leve recuperação que aponta no horizonte da economia brasileira.

A balança de transações correntes é formada por outras três balanças: a comercial, composta pelo comércio de bens e serviços, a de rendimentos e a de transferências para o exterior. Esse número é normalmente negativo em países em desenvolvimento, o que significa que o país está se financiando com dinheiro externo para o crescimento. Pode estar construindo fábricas, estradas e portos que vão permitir um crescimento no futuro, ou gastando com supérfluos.

O Peru, o país que mais cresce na América Latina, acumula déficits de mais de 4% do valor do PIB nos últimos três anos. O mesmo acontece com Colômbia, África do Sul, Índia, e outros. Na outra ponta, a Alemanha, que investe muito em outros países e exporta muito mais do que importa, teve um superávit de quase 9% do PIB em 2015.

O problema do Brasil é que, aqui, a diferença chegou a um patamar preocupante. Em 2014, o pior ano da história, o déficit foi de 104 bilhões de dólares, ou 4,3% do PIB. Em 2015, foi de quase 59 bilhões. O número foi alto por diversos motivos. O real estava sobrevalorizado, o que facilitava a compra e o aluguel de serviços no exterior, as importações e dificultava exportações. Além disso, o dólar barato também facilitava os gastos de brasileiros no exterior. Na história recente, o Brasil teve superávit nas transações entre 2003 e 2007, quando o alto preço das commodities fez com que as exportações fossem muito maiores que as importações.

O mês com um fluxo positivo de capitais tem suas vantagens. Embora o déficit menor possa significar menos dinheiro para investimento no curto prazo, o país fica menos sujeito às variações problemáticas da economia internacional. “Em um cenário de lento crescimento global, com a China desacelerando, as commodities baratas, a grande volatilidade financeira internacional e as condições mais difíceis de financiamento externo, a correção do déficit em conta corrente deve ajudar o Brasil”, diz Shelly Shetty, chefe de ratings soberanos para a América Latina da agência de classificação de risco Fitch.

Por enquanto, abril e maio foram apenas dois meses atípicos. A previsão para maio, por exemplo, era de um déficit de 3,4 bilhões de dólares. Com isso, nos últimos 12 meses, o déficit ficou em 1,7% do PIB, frente a 4,5% no mesmo período no ano passado. Se a balança continuasse com um déficit tão alto, como nos dois últimos anos, mudanças na conjuntura econômica externa poderiam complicar a dinâmica interna.

O copo meio vazio

O problema é que as causas para a melhoria na balança de transações são quase todas negativas. Com exceção do aumento acima do esperado de investimento direto vindo do exterior, o que surpreendeu analistas, o país está importando menos por causa da recessão profunda pela qual está passando, os investimentos externos diminuíram e o real desvalorizou. Com tudo isso somando, chegou-se a especular que o Brasil poderia terminar o ano com um número próximo ao positivo.

Embora os números de exportação e importação de bens continuem ruins, a fraca atividade econômica do país e o dólar valorizado fizeram com que as importações caíssem mais do que a exportações nos últimos meses. O superávit comercial de maio, divulgado nesta semana, foi de 6,9 bilhões de dólares. No acumulado do ano até agora, o superávit é de 19,7 bilhões de dólares, maior do que o ano passado todo, quando a conta ficou em pouco mais de 17 bilhões.

Mas a melhoria na balança de transações não tem a ver com a mudança de perspectivas na política e na economia com a chegada de Michel Temer e a nova equipe econômica ao poder. Tem mais relação com o fundo do poço mesmo. Pela lógica, a menos que a economia do país sofra uma intervenção constante, o índice se autorregula. No Brasil, isso não aconteceu em 2014, quando o governo mantinha forçosamente a taxa Selic baixa, para valorizar o real, ajudar as importações e conter a inflação.

O dólar só passou dos 2,50 reais em novembro daquele ano, por isso o déficit foi tão alto. Com câmbio flutuando normalmente, a desvalorização do real aumenta as exportações e prejudica as importações, além de tornar barato investir no país, o que ajuda a corrigir o déficit. O cenário econômico ruim aumenta o risco país.

De acordo com o banco Itaú, a previsão é de em 2016 a balança de transações correntes fique com um déficit de 15 bilhões de dólares, e em 2017 em sete bilhões, ou 0,4% do PIB. “Não existe um número mágico, mas a ideia é que o tamanho do déficit bata com a possibilidade que o país tem de atrair financiamento externo”, diz Julia Gottlieb, economista do banco.

Com o país retomando o crescimento, a previsão é que o déficit volte a crescer se estabilize entre 40 e 50 bilhões de dólares entre 2020 e 2025. Isso se tudo der certo até lá.

(Gian Kojikovski) 

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