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'O Brasil já tem influência global'

Em entrevista exclusiva, Peter Hakim, do centro de pesquisas Inter-American Dialogue, fala sobre a primeira visita ao Brasil do presidente americano, Barack Obama

Visita de Obama ao Brasil é oportunidade para os países recalibrarem suas relações (Spencer Platt/POOL/Getty Images)

Visita de Obama ao Brasil é oportunidade para os países recalibrarem suas relações (Spencer Platt/POOL/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2011 às 20h35.

São Paulo - No próximo fim de semana, o presidente americano, Barack Obama, faz sua primeira visita ao Brasil. Em entrevista exclusiva a EXAME, Peter Hakim, presidente emérito do centro de pesquisas Inter-American Dialogue, diz que a viagem é uma oportunidade para dois países recalibrarem suas as relações — e que além de transferir tecnologia ao Brasil, os Estados Unidos também deveriam apoiar a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

EXAME - Qual o significado da visita de Barack Obama ao Brasil?

Peter Hakim - A visita é uma oportunidade real para os dois países recalibrarem suas relações. O Brasil tem uma nova presidente, Dilma Rousseff, que tem dito que gostaria de ter uma relação mais próxima com os Estados Unidos. E do lado americano, esta será a primeira viagem de Obama à América do Sul. E à exceção do México, também será a primeira visita dele à América Latina em mais de dois anos. Logo, se considerarmos as tensões bilaterais que surgiram no segundo mandato do presidente Lula, esta é uma bela oportunidade para os dois países encontrarem caminhos que reduzam as tensões e comecem a trabalhar em algumas questões importantes. Não creio que veremos grandes avanços em termos de novos programas ou iniciativas. Creio que a visita vai lançar as bases para uma relação mais cooperativa.

EXAME - Que oportunidades a visita de Obama traz ao Brasil em termos econômicos?

Peter Hakim - O que o Brasil realmente precisa dos Estados Unidos não são mais investimentos ou capital, porque hoje o Brasil já tem isso de sobra. E o Brasil também tem amplo acesso a outros parceiros comerciais. Os Estados Unidos são um grande mercado, mas existem vários outros. O que os Estados Unidos têm em grande quantidade e qualidade e que o Brasil precisa e quer é tecnologia. E os Estados Unidos podem e deveriam e fazer mais nessa direção, fechando acordos de transferência com o Brasil, seja na compra dos caças da Boeing ou em outras áreas cruciais, como biocombustíveis, medicamentos etc.

EXAME - O que a visita deve significar em termos das negociações da rodada de Doha?

Peter Hakim - Não tenho escutado nada de bom sobre Doha durante muito tempo. Todas as pessoas próximas às negociações com quem converso me dizem que as coisas não têm avançado e que não há energia para impulsionar as negociações. E possível que isso tenha a ver com a crise financeira global. Não vejo nenhuma reviravolta em Doha ou a possibilidade da conclusão das negociações num futuro próximo.

As relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos são difíceis em vários aspectos. Os atritos são os mesmos dos últimos anos. De um lado, o Brasil sente que os subsídios agrícolas americanos são uma forma de protecionismo, excluindo produtos brasileiros do mercado americano. Já os Estados Unidos querem que o Brasil abra seu mercado de manufaturas e querem também que o Brasil adote regras mais vigorosas de proteção à propriedade intelectual. Nesse terreno, temos visto pouco progresso bilateral. E tais negociações deveriam ser resolvidas no âmbito da OMC [Organização Mundial do Comércio]. E o que vemos na rodada de Doha é um impasse.


EXAME - A visita de Obama poderia trazer algum progresso no sentido de rever suas tarifas agrícolas a produtos brasileiros?

Peter Hakim - Não creio que muito será alcançado. Os Estados Unidos já têm um sistema agrícola que estabelece subsídios, cotas e tarifas, além de uma regulação sobre a produção e o comércio externo de produtos agrícolas. Tais regras poderão ser revistas em 2012. Talvez seja possível avançar em coisas como o estabelecimento de princípios para futuras negociações. E uma das vantagens de se começar a discutir esse tema agora é que o preço das commodities agrícolas está muito alto. Logo, os subsídios não são vitais aos produtores americanos como seriam em tempos de baixa das cotações. Mas a forma como essas discussões iriam influenciar as decisões que guiarão as próximas leis americanas nessa área é uma coisa ainda incerta.

EXAME - Onde o senhor vê entendimento nas relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos?

Peter Hakim - Como ambos são grandes produtores agrícolas e também exportadores desses produtos, os EUA e o Brasil querem que países como a Índia abram seus mercados agrícolas, com menos protecionismo nesse setor. Mas os Estados Unidos dizem que não têm como acabar ou reduzir seus subsídios, tarifas e cotas de importação antes de um acordo global a respeito, até que os europeus, indianos e japoneses resolvam abrir seus mercados agrícolas. Logo, tudo isso tem que ser feito em nível global, segundo os Estados Unidos. Mas creio que é um erro dos Estados Unidos manterem essa posição, pois ela dá aos europeus, especialmente aos franceses, o poder de decisão sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Isso permite também que países como o Japão interfiram no desenvolvimento de uma relação mais cooperativa entre os dois países.

EXAME - Que importância tem o G20 para as relações bilaterais?

Peter Hakim - De fato, o Brasil e Estados Unidos compartilham interesses em questões importantes, como a valorização artificial da moeda chinesa. Ambos gostariam que os chineses valorizassem o iuane, talvez permitindo mais competição para as manufaturas chinesas, em que a China domina o mercado global. Nesse campo, Brasil e Estados Unidos buscam os mesmos objetivos. E nem os Estados Unidos ou o Brasil querem aparentar estarem tramando um esforço combinado contra a China. De forma mais ampla em relação ao G20, creio que os dois países têm muitos interesses comuns. No final do governo Lula, as relações bilaterais em questões financeiras entre o departamento do Tesouro americano e o ministério da Fazenda foram muito mais tranqüilas e próximas do que as relações entre o Departamento de Estado e o Itamaraty.

EXAME - Qual a importância dada pelo Departamento de Estado à proposta feita pela Boeing para vender caças à Força Aérea Brasileira?

Peter Hakim - Por tudo o que tenho escutado, a Boeing tem o melhor avião [comparado com seus rivais franceses e suecos]. Por outro lado, acertadamente, além do próprio avião, o Brasil está procurando o melhor acordo, não apenas em termos da venda imediata, mas também da qualidade da transferência de tecnologia oferecida, além de como esse possível acordo com a Boeing poderia contribuir para o avanço tecnológico brasileiro. Acontece que os Estados Unidos têm leis rígidas em termos de transferência de tecnologia e o Congresso americano tem sido muito intrusivo em termos de permitir a transferência de tecnologia. Será difícil que Obama dê garantias absolutas ao Brasil sobre a transferência. Mas certamente, os americanos podem fazer uma proposta bem melhor do que a atual.


EXAME - Trata-se também de uma questão diplomática?

Peter Hakim - Não resta a menor dúvida de que o Departamento de Estado está bastante envolvido neste negócio. Esta é uma função importante do Departamento de Estado. E temos visto isso através dos vazamentos do Wikileaks que o Departamento de Estado tenta defender os interesses das empresas americanas. É clara a importância dada ao comércio internacional pelos EUA à medida que o país tenta se recuperar de uma séria crise internacional.

EXAME - Os EUA estariam dispostos a ter uma abordagem similar com o Brasil em termos de cooperação no campo nuclear, como já mantêm com a Índia?

Peter Hakim - Por várias razões, seria tolo da parte dos Estados Unidos não tentar essa cooperação com o Brasil. A primeira razão é que o Brasil é um país com uma boa dose de influência global, inclusive no próprio tema da não proliferação de armas atômicas. Se os brasileiros demonstrarem estar preparados para adotar uma posição mais vigorosa em seu compromisso com a não proliferação, os Estados Unidos deveriam se dispor a compartilhar tecnologia nessa área com o Brasil, transferindo processos cruciais para o desenvolvimento de uma indústria nuclear no Brasil, da mesma forma como já vem fazendo com a Índia, que aliás é um país que tem armas nucleares e que não é signatário do acordo de não proliferação nuclear. A cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil se daria com uma abertura progressiva de ambos os países.

EXAME - Obama fará algum gesto de que apoiará a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU?

Peter Hakim - Dificilmente, mas isso é uma coisa que os Estados Unidos deveriam considerar seriamente nesta viagem, ou pelo menos para lançar as bases, a exemplo do que os EUA já fizeram pela Índia, durante a visita de Barack Obama a Nova Déli. Os EUA deveriam apoiar a candidatura brasileira para um assento permanente no Conselho de Segurança. A razão é muito simples: é inevitável que o Brasil se torne um membro permanente do Conselho. Não existe a menor dúvida disso, dada a crescente influência do país, como seu papel no G20. Além disso, outros países em desenvolvimento estão exigindo mais poder de decisão na governança global. É só uma questão de tempo para que países como a Índia e o Brasil façam parte do Conselho. Isso pode levar mais quatro, oito ou doze anos, mas vai acontecer. O Brasil é uma nação democrática, que paga suas contas em dia, tem uma boa reputação internacional, tem sido um bom vizinho na América do Sul e certamente não se envolverá em guerras. É uma inevitabilidade. O apoio americano seria muito bom para os Estados Unidos e para suas relações com o Brasil. Isso ajudaria muito a reduzir as desconfianças que existem de cada lado. Ao invés de esperar, os Estados Unidos deveriam apoiar o Brasil. Certamente, a maior objeção ao apoio americano vem dos vizinhos latino-americanos, como o México e a Argentina. O que os Estados Unidos podem é dizer que em função do tamanho e importância da América Latina, a região deveria ter mais um assento permanente. E o país a ser considerado para o segundo lugar seria o México. E como a Argentina tem sido muito irresponsável por muitos anos, ela teria que se acostumar com a ideia.

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