Brasil

O Brasil a mil léguas da OCDE, o clube dos desenvolvidos

Com muito a melhorar e dependendo de escolhas políticas, o Brasil está longe de se tornar um membro-permanente do clube de países desenvolvidos

Câmara dos Deputados do Brasil durante sessão em Brasília (Adriano Machado/Reuters)

Câmara dos Deputados do Brasil durante sessão em Brasília (Adriano Machado/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2018 às 08h04.

Última atualização em 3 de março de 2018 às 09h05.

Entrar para o grupo de membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um pleito antigo do Brasil, renovado pelo governo Michel Temer. O grupo reúne as economias mais avançadas do planeta e, teoricamente, aquelas com as melhores práticas em gestão pública. Para chegar lá, é preciso preencher os rigorosos requisitos listados na cartilha da OCDE, guiada pelo liberalismo econômico.

Sob a liderança do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo tratou de mostrar, nos últimos meses, como a agenda de reformas poderia justificar, enfim, um convite para integrar o grupo. Na quarta-feira, um relatório sobre o Brasil apresentado pela instituição mostrou que as reformas podem ter encurtado o caminho, mas que o país ainda tem que fazer muita lição de casa. Para aumentar o tamanho do desafio, o relatório da OCDE trouxe muitas tarefas em pautas que vêm sendo ignoradas pelo país.

Dentro das mais de 160 páginas, o relatório da Organização aponta para a necessidade de mudanças nos âmbitos tributário, educacional e fiscal, mas elogia algumas das atitudes no que diz respeito ao combate à corrupção e à abertura do mercado nacional para investimentos internacionais. De acordo com o relatório, o país tem problemas estruturais que impedem que haja um desenvolvimento desejado, e por isso recomenda que os governos repensem o sistema tributário, os investimentos e a produtividade, e mantenha programas sociais que sejam de fato benéficos aos mais vulneráveis.

Para apresentar o relatório, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, se encontrou na quarta-feira, em Brasília, com Henrique Meirelles, e com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, para ressaltar a necessidade de reformar os sistemas governamentais do país, e reforçar políticas públicas para a população mais pobre.

No dia seguinte, para debater sobre como construir um país mais inclusivo à luz do relatório, a instituição de ensino superior Insper convidou o secretário de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, o presidente do Insper, Marcos Lisboa e o sócio e conselheiro da Natura, Pedro Passos, para discutir, com mediação do professor do Insper Sérgio Firpo, os temas mais relevantes apontados no estudo da OCDE.

Ficou claro, na mesa de discussão, que o Brasil tem que comer muito arroz com feijão para ter condições de entrar para a OCDE. Para Mansueto Almeida, a realidade do Brasil não deveria nem ser comparada à dos países da instituição, uma vez que o país está em uma situação muito mais complicada até mesmo que outros países emergentes. “Se comparado com outros países emergentes, o Brasil tem uma carga tributária alta, um déficit crescente e uma dívida bruta muito alta”, afirma.

Marcos Lisboa destrinchou a dificuldade do país de se desenvolver. Segundo ele, muitas empresas são reféns de políticas ineficientes e regras tributárias sujeitas à judicialização e à interpretação. Pior: nossos debates estão concentrados no campo político, e deixaram as questões econômicas de lado. “O Brasil pode até querer entrar na OCDE, mas a Organização não quer o Brasil. Prefere países que valorizam as regras de competitividade, que tenham políticas públicas que cuidem de serviços sociais, em que o foco não são as corporações, mas sim a proteção à população”.

Pedro Passos se concentrou na importância dessa proteção à população. Para ele, mais do que crescer a qualquer custo, o país precisa pensar em políticas públicas que garantam o crescimento sustentável e inclusivo. Para isso, todos concordam com a OCDE, a reforma da Previdência é importante, mas é só um passo num longo caminho.

A OCDE 

De onze indicadores do Índice de bem-estar da Organização, o Brasil atingiu níveis favoráveis somente em quatro: meio ambiente, comunidade, equilíbrio no trabalho e engajamento cívico. Para a OCDE, transferências de gastos públicos bem direcionadas, combinadas com melhorias na educação e na saúde são a chave para o crescimento inclusivo.

Criada no pós-Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos e países aliados, a OCDE deixou aos poucos de ter como objetivo a reconstrução da infraestrutura de países afetados pela guerra para estabelecer alguns princípios e valores favoráveis à construção de sistemas políticos e de mercado e promover uma economia num regime democrático. Composta atualmente por 35 países permanentes, a OCDE responde por 62% do PIB global e por dois terços dos negócios internacionais, além de possuir uma espécie de “selo de qualidade”, que estimula investimentos internacionais nos seus países associados.

Ser membro-permanente da OCDE significa também ser tratado e visto por outros países como alguém que se adequa a determinados conceitos internacionais. Como uma espécie de selo de qualidade, estar na Organização demonstra que, mesmo com algumas falhas naturais da complexidade de um governo, o país está adequado a uma economia global e tem um governo democrático.

Desde 1990, o Brasil se relaciona com a Organização, e, em 2015, os dois lados assinaram um acordo de cooperação mútua. Em maio do ano passado, o Brasil formalizou seu pedido de entrada permanente. Junto com o Brasil, cinco países entraram com pedidos de candidatura (Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia), e três estão em processo de integração (Colômbia, Costa Rica e Lituânia).

As reformas

Para a Organização, o país deve realizar reformas no curto, no médio e no longo prazo para se adequar aos padrões dos países mais desenvolvidos.

No curto prazo, a medida mais urgente que este ou o próximo governo devem tomar é mesmo a reforma da Previdência. Segundo o órgão, além da reforma, o governo deveria desvincular a Previdência mínima mais baixa com o salário mínimo, para preservar o poder de compra dos aposentados e pensionistas e, ao mesmo tempo, melhorar a sustentabilidade do sistema previdenciário, que terá o gasto mais que dobrado sem uma reforma.  Além disso, a organização sugere que o governo alinhe as provisões mais generosas de aposentadoria do servidor público com a dos trabalhadores da iniciativa privada.

No relatório, a OCDE também afirma que o governo federal deve desassociar os gastos públicos com o salário mínimo, e deslocar gastos sociais para programas como o Bolsa Família. O programa, que atualmente representa apenas 0,5% do PIB anual, ajuda a diminuir a desigualdade do país e a pobreza das famílias mais necessitadas. “Embora o Brasil tenha gasto 15% do PIB em benefícios sociais, esta transferência não chegou aos mais afetados, e muito dinheiro foi parar nas mãos da classe média”, afirma Jens Arnold, chefe do Desk Brasil do Departamento de Economia da OCDE. Para ele, o governo terá que fazer uma escolha política ao transferir mais recurso para o Bolsa Família ou fiscalizar melhor os beneficiados.

Altamente criticado, o imbróglio do sistema tributário brasileiro também é um dos pontos a ser mudado. Dados da OCDE mostram que o Brasil é o país que menos tributa sobre renda, e o segundo que mais tributa sobre os serviços. Para professor de direito tributário no IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), Lucas Galvão de Britto, este sistema é criticado por muitos porque estimula a concentração de renda. “A OCDE aponta para um problema que conhecemos bem: quem é mais rico está pagando menos imposto do que quem é pobre”, afirma.

Além de impulsionar a desigualdade, a estrutura de impostos no Brasil faz com que empresas deixem de investir na economia do país, pessoas continuem em trabalhos informais, e o país deixe de atrair empresas internacionais para o mercado interno. Como uma bola de neve, o relatório aponta que o sistema tributário brasileiro emperra o desenvolvimento econômico do país.

Reconsiderar políticas de créditos dadas a empresas, para diminuir os financiamentos realizados por bancos públicos (que não são sustentáveis), e assim atrair mais investimentos internacionais também é um desafio para o governo federal. Neste quesito, ao menos, o governo fez seu dever de casa. Desde que esta recomendação foi feita, no relatório de 2015, o país, criou medidas que facilitaram a ampliação da concorrência e dos investimentos. Segundo Jens Arnold, algumas reformas vão melhorar a igualdade e as condições de concorrência para os participantes no mercado, além de facilitar o desenvolvimento de mercados financeiros privados de longo prazo. “A reforma da TLP, da taxa de juros que é aplicada ao BNDES, foi uma recomendação que tem sido adotada. Além disso, mais recentemente, o governo criou uma instituição fiscal independente, a IFI, que tem publicado relatórios de muita qualidade que contribuíram a discussão”, exemplifica.

A educação também é um dos alvos da OCDE. Dois aspectos principais são apontados no relatório: a educação básica, que é pouco desenvolvida (em comparação com os gastos com a educação superior), e a falta de capacitação técnica de empregados.  De acordo com o relatório, o governo deveria focar mais na proteção dos trabalhadores, e menos na proteção dos empregos. Para isso, é necessário priorizar a capacitação e o treinamento, para ajudar os trabalhadores a se prepararem para novos empregos nos setores em expansão, e até mesmo melhorar suas chances de conseguir empregos mais bem remunerados.

O relatório aponta que, se seguidas, essas reformas estruturais permitirão um crescimento real no PIB de 21% a mais do que o esperado, nos próximos 15 anos.

As questões políticas

Mesmo seguindo algumas recomendações e tentando realizar as reformas estruturais tão desejadas pela Organização e pelo próprio governo atual, o país ainda enfrenta questões políticas que o afastam da conquista do título de membro-permanente. Segundo Lucas Galvão de  Britto, uma mudança na tributação das rendas, por exemplo, precisaria mobilizar uma grande massa de apoio político. “Eu não sei se nós podemos ser otimistas e ter uma reforma aprovada num curto espaço de tempo. Além disso, a modificação de um tributo como o de renda pode acarretar conflitos com os estados e municípios, que também são beneficiados com o que se arrecada no imposto sobre a renda”, afirma.

O texto da Organização ainda aponta para o combate à corrupção, que já vem sendo realizado, mas que precisa continuar para “atrair investimentos e restaurar a confiança dos cidadãos nas instituições”.

Jens Arnold, porém, minimiza as questões internas, e afirma que o país tem se mostrado, do ponto de vista técnico, mais comprometido com os critérios de desenvolvimento da OCDE. “O Brasil ficou mais fortalecido com a Organização desde que se tornou membro-chave. Claro que mudanças dependem de questões que não diz respeito ao secretariado”, complementa.

Esta questão política, porém, pode ser o elemento fundamental para afastar o país do pódio. Para o professor de economia da Unb e pesquisador nas áreas de crescimento econômico e economia do setor público, Roberto Ellery, o Brasil pode ainda ser visto como o “primo pobre” da OCDE, porque mantém comportamentos de países emergentes. “A questão dos impostos no país – de tributar empresas e evitar a tributação de famílias – é uma característica de países emergentes. Agora o país precisa decidir qual tipo de economia quer ter: se é a de um país emergente, ou de um país desenvolvido. Se quiser ser um país desenvolvido, vai ter que apresentar transparência, e muita segurança para os investidores e para a própria OCDE”, diz.

Marcos Lisboa, do Insper, ressaltou que com tantos desafios colocados, o país terá que correr muito para reconquistar a credibilidade dos países-membros, se quiser entrar na OCDE. “O caminho está posto, cabe ver qual o país vamos escolher”, afirma. Um momento decisivo em nossa trajetória serão as eleições de outubro. Será mais uma oportunidade para escolher se queremos ficar mais próximos, ou ainda mais distantes do clube de países mais desenvolvidos.

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