Brasil

Nunca vivi isso, diz Tasso Jereissati sobre "inexperiência" de Bolsonaro

Senador tucano critica "falta de aptidão" do atual governo e diz que uma administração ruim pode levar "à crise institucional"

Tasso Jereissati: senador acusa Bolsonaro de “inexperiência enorme” e “falta de aptidão para governar” (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Tasso Jereissati: senador acusa Bolsonaro de “inexperiência enorme” e “falta de aptidão para governar” (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 4 de junho de 2019 às 13h00.

Última atualização em 4 de junho de 2019 às 13h30.

Brasília — Um dos parlamentares mais experientes no Congresso, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo não ver saída para a sucessão de crises no atual sistema político, o qual considera "torto e falido".

"Não serve mais. É crise após crise. Não tem clima mais para impeachment, e essas questões de um mau governo ou de um desgoverno levam à crise institucional", disse.

O tucano, que passou a ser um dos conselheiros do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aposta no parlamentarismo como alternativa, mas avaliou ser inoportuna uma discussão mais aprofundada do tema neste momento, "porque seria considerado golpe, ilegítimo e irracional".

Depois de três mandatos como governador do Ceará e 12 anos de experiência no Senado, Tasso demonstrou preocupação com a onda dos colegas de consultar as redes sociais antes de votar. "A população nem sempre está com a razão e isso começa com o julgamento de Jesus Cristo e Barrabás."

O sr. tem participado de discussões sobre o parlamentarismo. Isso vai ser analisado pelo Congresso?

Há uma preocupação em relação às crises políticas, desencontros e até antagonismos entre os Poderes. Sem estabilidade, o País não cresce. Pode passar a reforma da Previdência, (mas), se não houver um clima de estabilidade e confiança, vamos continuar com os mesmos problemas.

A economia está mal. Todo governo procura estabilidade e a oposição tenta desestabilizar. Mas, aqui, o próprio governo cria crises para desestabilizar e cria um clima que não é propício ao investimento, que é fundamental.

E sobre o parlamentarismo?

Algumas pessoas, inclusive eu, defenderam - não para agora porque seria considerado golpe, ilegítimo e irracional, mas para o futuro -, começar uma discussão sobre parlamentarismo. A minha ideia, e do próprio senador José Serra (PSDB-SP), autor da proposta, é que o sistema político que estamos vivendo ficou torto e falido, não serve mais. É crise após crise.

Não tem clima mais para impeachment, e essas questões de um mau governo ou de um desgoverno levam à crise institucional. No parlamentarismo, o Congresso vai ter mais compromisso na hora de votar ou deixar de votar em função de que seu mandato vai estar em jogo também.

E o sr. tem esperança no governo do presidente Jair Bolsonaro?

A área econômica está no rumo certo. Mas pode se tornar um governo extremamente ineficiente em função de outras áreas. É um governo liberal na economia, mas conservador nos costumes e comportamento social. Sou menos pessimista porque acho que a economia está indo na direção correta.

Existe uma possibilidade grande de essas reformas serem aprovadas no Congresso. Há uma consciência de que elas são necessárias, apesar dos desacertos do governo, e as reformas vão andar por si só. Ele (Bolsonaro) se complica muito se mantiver essa visão retrógrada em relação à liberdade das pessoas e suas opções de vida e manifestação de opiniões.

O sr. também consulta as redes sociais antes de votar?

Antigamente, eram proibidas manifestações na galeria do Senado, sob o princípio de que os senadores não poderiam votar sob pressão das galerias. As votações eram de acordo com a convicção. Agora, as pessoas votam com medo de apanhar das redes sociais. E a população nem sempre está com a razão, a começar com o julgamento de Jesus Cristo e Barrabás. É preciso ter equilíbrio. As redes sociais devem ser ouvidas, mas tem de seguir as convicções, porque o nível de informações que você tem é maior que a multidão como um todo.

O sr. será o relator da reforma da Previdência no Senado. Como vai conduzi-la?

A reforma é essencial. Só tenho medo porque está se apostando tudo nela. Ela é essencial para evitar que o País não caia no precipício, mas não resolve todos os problemas. Ela vai dar as condições para a gente crescer e tomar iniciativas. Há uma certa visão de que o governo precisa agir e motivar um crescimento econômico mais acelerado. Meu medo é de que fique essa expectativa de que passou e está tudo resolvido. Não está.

E o governo indicou alguma alternativa?

Até agora, não. Estamos na expectativa, mas, concretamente, ainda não. E acho que isso está quebrando o ânimo dos investidores do mercado, porque parece música de uma nota só: Previdência.

E a reforma tributária?

A reforma tributária é mais difícil de aprovar do que a da Previdência. Se ele (Bolsonaro) imagina uma reforma tributária que vai elevar a arrecadação, não é o que a população nem o setor produtivo estão esperando. Se o ministro da Economia (Paulo Guedes) conseguir aprovar isso em três anos, eu dou um beijo na testa dele.

O sr. defendeu o pacto entre os Poderes. É o caminho?

É uma boa iniciativa. No Brasil, está todo mundo contra todo mundo. É preciso, como sociedade, ter alguma visão comum de rumo de Estado, que as pessoas se compreendam e marchem para pontos que são comuns a todos.

A iniciativa é boa, mas precisamos muito do saneamento, educação, que está parada, e é importante porque vivemos no mundo do conhecimento. Não adianta ter reforma da Previdência se não tiver uma população preparada para esse mundo novo da internet, da inteligência.

O sr. é um dos conselheiros de Davi Alcolumbre. Vai aconselhá-lo a assinar o acordo?

Não conheço o texto, mas imagino que seja mais de propósitos e intenções do que uma coisa concreta. Acho que vale como um gesto das autoridades. Mas não vejo muito sentido um papel escrito. Existe uma má vontade grande com o governo. Tanto no Senado como na Câmara e isso precisa ser desfeito.

Essa má vontade é normal em início de governo?

Claro que não. Há uma inexperiência enorme, falta de aptidão para governar muito grande e um desconhecimento da coisa pública. Isso é uma coisa inédita. Eu nunca vivi isso. É tão novo para mim quanto para um garoto de 18 anos que está chegando agora. E ainda tem essa influência dos filhos (de Bolsonaro) de uma maneira negativa para o próprio governo, que cria um atrito e desestabiliza, que é contra o governo.

Bolsonaro ainda não conseguiu cair a ficha: sou o presidente da República e é preciso estabilidade, que é importante cada coisa que falo e que tem reflexos e consequências. E precisamos ter a condição necessária para fazer as coisas acontecerem. No momento que cair essa ficha, as coisas vão melhorar e (ele pode) até dar umas palmadas nos filhos.

O PSDB já comandou o Ministério da Educação. Como o sr. vê o trabalho do atual ministro?

Eu pensei até que era brincadeira quando vi o ministro (Abraham Weintraub) cantando o musical de Gene Kelly. Isso é uma coisa que leva a uma frustração muito grande a quem está preocupado com o País. Dá um certo desânimo. A sensação que temos é de uma educação parada.

O sr. foi relator da MP do Saneamento, que caducou. Como pretende reverter isso?

O saneamento está entre os problemas mais sérios no Brasil e, infelizmente, não é dada a relevância. Crianças brincam em cima do esgoto. A iniciativa privada precisa ser atraída para investir por uma razão simples: são necessários R$ 550 bilhões nos próximos dez anos para chegar a 80% da cobertura.

O sr. vai apoiar o governador de São Paulo, João Doria, à Presidência em 2022?

É muito cedo. Qualquer governador de São Paulo é um "candidatável" a presidente. Mas minha vida política ensina que temos muita água para rolar embaixo da ponte até lá. Aprendi isso quando FHC era senador, não era lembrado para candidato à reeleição do Senado porque tinham opções mais fortes, e acabou virando presidente da República. Tem muita água para correr ainda.

Acompanhe tudo sobre:Governo BolsonaroJair BolsonaroPSDB

Mais de Brasil

Acidente com ônibus escolar deixa 17 mortos em Alagoas

Dino determina que Prefeitura de SP cobre serviço funerário com valores de antes da privatização

Incêndio atinge trem da Linha 9-Esmeralda neste domingo; veja vídeo

Ações isoladas ganham gravidade em contexto de plano de golpe, afirma professor da USP